30 junho, 2012

Black (IND, 2005).


"A vida é um sorvete. Curta ela antes que derreta". (Professor Debraj Sahai, interpretado por Amitabh Bachchan). 
Antes de mais nada é necessário destacar a importância do tema abordado pelo filme Black, a "deficiência visual e auditiva", tão "desconhecido" por grande parte da sociedade quanto mal interpretado, visto que  muitas vezes a inflexão "deficiência" acaba por denotar incapacidade, quando a mesma significa simplesmente diferença. E, independentemente da abordagem deste filme, esta mensagem é passada de maneira clara e profunda, visto que a emite de maneira subjetiva, muitas vezes através de imagens e murmúrios sonoros e não de palavras, estabelecendo assim uma preciosa relação para com o tema abraçado pelo próprio filme.

A história de uma garota indiana nascida cega e surda e sua relação de amizade e luta com o tutor que a ensina a entender e se comunicar com o mundo ao seu redor (para simplificar ao máximo) é contada de maneira delicada e tocante pelo diretor Sanjay Leela Bhansali e pelos co-roteiristas Bhavani Iyer e Prakash Kapadia. Perpassando o nascimento, adolescência e idade adulta da garota Michelle (Rani Mukerji, excelente), o filme destaca momentos de grande destaque para o aprendizado da mesma, soando como uma espécie de diário remissivo de suas conquistas e decepções, entremeadas por memórias de infância. Sem nunca apelar para o melodrama - muito graças ao talento dos atores principais, que sabem como se colocar -, Black é tocante e profundo ao mesmo tempo, passando da simplória mensagem de perseverança e luta, à disposição de todo um leque de possíveis debates e assertivas acerca do potencial humano no que tange ao conhecimento, em especial quando afastado da teoria, quando levado à prática. para a maior compreensão das possíveis respostas para algumas perguntas acerca da complexidade humana.

Não há como não destacar as performances de Rani Mukerji, que realmente se apresenta como uma pessoa distinta e especial, seja através da postura corporal e jeito de andar, as expressões de seu rosto, com destaque para o olhar que transmite um misto de atenção e desprendimento, e de Amitabh Bachchan,  simplesmente fantástico nos dois momentos distintos perpassado por seu personagem, transmitindo carinho, conhecimento, fúria e fragilidade no talvez personagem mais complexo do filme. É tão notório o trabalho de composição de ambos que realmente acabam por ofuscar os demais membros do elenco, mas em síntese  todos estes fazem um excelente trabalho no que tange a criação de suas personagens.

Trazendo pelo menos um punhado de momentos marcantes, do primeiro contato entre aluna e professor ao clímax final do filme, quando acompanhamos os personagens de Mukerji e Bachchan estabelecendo contato com a chuva e inferimos uma relação direta com o primeiro ato de comunicação efetiva entre ambos, quando a personagem Michelle faz a primeira relação entre "coisa" e "linguagem" (neste caso, relacionar o signo água ao elemento físico água), Black sagra-se como um produto cinematográfico sublime, tanto tecnicamente, onde não se mostra ousado, mas é competente, quanto no sentido de conteúdo, que ascende a qualidade do roteiro através da mensagem de suma importância - e baseada em fatos reais - que o mesmo  transmite.

Adaptação livre do filme de Arthur Penn (Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas), O Diário de Anne Sullivan, de 1962 - também inspirado em um evento real -, tenho apenas uma ressalva quanto a abordagem de Black, que é uma certa imposição de elementos religiosos tanto no desenvolvimento do enredo e da narrativa - uma espécie de divinização da personagem Michelle, quando a mesma, ao ver, apresenta-se muito mais interessante quando uma força própria de determinação e coragem - quanto em alguns simbolismos dispostos em alguns momentos do filme, ficando claro, por exemplo, numa das primeiras cenas do longa, quando "indiretamente" a Michelle desenha uma cruz na janela do carro quando sua irmã encontra o professor Debraj ( Amitabh Bachchan), o que ao meu ver força um pouco demais o sentido de realidade apresentada até então e acaba por quebrar a magia perpetrada pelo diretor Bhansali e cia. Também gera dúvida o fato do filme não ter unidade no sentido de idioma, visto que de uma hora para a outras as personagens passam do inglês para o indi e vice-versa, não ficando claro o por que de não uniformizar o filme numa única língua.

Infelizmente, mesmo após 7 anos de seu lançamento, Black ainda não encontra-se disponível em versão nacional, uma pena pois com tantos filmes duvidosos disponibilizados diariamente no Brasil é de causar espanto um trabalho dessa qualidade e renome - o mesmo recebeu diversos prêmios mundo afora, dentre eles melhor filme e ator pela National Films Awards, maior premiação de cinema da Índia - não estar disponível por aqui. Mas enfim, como o mesmo não tem o selo do Oscar de filme estrangeiro, fica mais fácil de compreender um dos motivos. No entanto, apesar da possível dificuldade em encontrar este filme, indico que o confiram, tanto pelo seu valor ético, quanto por sua importância no âmbito cinematográfico, em especial por ser um raro produto (sério) vindo da Índia que recebeu um certo destaque internacionalmente. Black é bonito, edificante e profundo e merece ser descoberto por todos aqueles que admiram mais do que cinema, mas sim a beleza e os infindáveis mistérios da vida, sejam estes etéreos ou inerentes ao ser humano.

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Homens de Preto (Men in Black, EUA, 1997).


"Elvis não está morto. Ele apenas foi para casa!". (fala de K, personagem de Tommy Lee Jones).
Pense num filme redondinho, com uma história simples, compacta e criativa, porém muito bem contada, dona de personagens marcantes e que mostra-se interessante e divertida do início ao fim. Difícil, não é? São poucos os filmes que se encaixam nesse perfil e Homens de Preto, felizmente, está inserido nesse grupo privilegiado. 

Praticamente sedimentando o ótimo início de carreira de Will Smith (Eu Sou a Lenda) e mostrando uma faceta interessante do sisudo Tommy Lee Jones (Capitão América: O Primeiro Vingador), este filme dirigido por Barry Sonnenfeld (A Família Addams) e que completa 15 anos de lançamento no ano vigente continua eficientíssimo, tanto no quesito mistério/aventura, quanto no aspecto cômico, tendo o raro poder de agradar a adultos e crianças, homens e mulheres. 

Com uma cara das ficções científicas B e dos filmes pulp dos anos 1950, Homens de Preto - que na verdade é uma adaptação de uma revista em quadrinhos - traz em pouco mais de 90 minutos muita ação e mistério, numa trama recheada de referências ao universo pop, dona de uma criatividade ímpar e que, apesar do escopo fantástico, envolve e convence do início ao fim, já que ao acompanharmos a revelação desse universo onde alienígenas vivem camuflados entre nós e apenas uma agência não-governamental tem a função de "coordenar" a presença de tais seres dentro e fora do planeta Terra através dos olhos do personagem interpretado (com muito carisma, por sinal) por Will Smith, é quase impossível não se envolver e curtir esta jornada, que é fechada de forma tão bacana que, ao final do filme, fica a dúvida de por que tomaram a decisão de realizarem duas sequências para esta obra tão autossustentável. É óbvio que a única razão fora a financeira.

Contando também com as boas participações de Vincent D'Onofrio (Nascido para Matar) - deixando a saudável dúvida a respeito de que seria a excepcional maquiagem a cargo de Rick Baker o chamariz de seu personagem ou sua interpretação (ou ambas?) -, Rip Torn (Retratos de uma Realidade) e Linda Fiorentino (Jade), que estabelece um válido contraponto feminino a este filme carregado de figuras masculinas (humanas ou não).

Quanto ao visual, apesar de um outro efeito envelhecido (o que é mais do que obvio, visto que o filme tem mais de 15 anos e fora lançado ainda nos primeiros anos da computação gráfica no cinema), Homens de Preto ainda se mantém interessante e orgânico na maioria das cenas, estabelecendo com primor um universo particular que continua crível e interessante até hoje, em grande parte graças aos efeitos visuais, mas também ao elenco competente e bem arranjado em seus papeis, o roteiro ágil - a cargo de Ed Solomon, também roteirista dos filmes de Bill e Ted (Uma Aventura Fantástica e Dois Loucos no Tempo) - e que equilibra com sobras elementos de ação, comédia, aventura e ficção-científica, além da direção segura e instintiva de Barry Sonnenfeld, que confere grande personalidade ao longa. A trilha-sonora, assinada por Danny Elfman (Batman), não traz grandes novidades, mas é curioso o como esta traz ecos dos filmes de Tim Burton (A Noiva Cadáver), mais do que habitual parceiro do compositor.

Talvez o último grande filme produzido por Steven Spielberg (Cavalo de Guerra), de certa forma encerrando com este a boa safra de produções com sua assinatura iniciadas nos anos 1980, Homens de Preto é diversão garantida para todos os públicos, permanecendo brilhante em sua proposta e, à exemplo dos bons vinhos, fica cada vez melhor com o passar do tempo. Quanto as suas sequências (lançadas em 2002 e este ano), a discussão é outra.

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29 junho, 2012

Blade Runner, o Caçador de Andróides (Blade Runner, EUA, 1982).

"Eu vi coisas que vocês nunca entenderiam. Naves de ataques em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro, na Comporta Tannhauser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer". (Frase emblemática de Roy Batty, personagem interpretado por Rutger Hauer).
Filme policial de clima noir futurista, Blade Runner é uma das ficções-científicas mais adoradas do cinema. Adaptado do romance Do the Androids Dream of Eletric Sheep, de Philip K. Dick, por Hampton Fancher (O Mistério das Caraíbas) e David Peoples (Os Imperdoáveis), este filme foi marcado por diversos insucessos (fracasso nas bilheterias e má recepção da crítica na época de lançamento, alterações na montagem final pelos produtores - de 1982 até hoje, o filme passou por pelo menos três montagens distintas -, brigas entre elenco e diretor), mas pouco a pouco foi obtendo destaque, até alcançar o patamar de cult movie, sendo hoje considerado por muitos como umas das maiores obras de ficção-científica da história do cinema e talvez o melhor trabalho do inglês Ridley Scott (Prometheus) como diretor.

Apesar do início anti-climático, que lembra bastante o clima do filme neo-noir Chinatown, de Roman Polanski, Blade Runner vai ganhando ritmo compassadamente, até entrar em aceleramento lá pela primeira hora de projeção, quando o filme avança carregado de tensão e medo, em especial graças a excelente atuação do holandês Rutger Hauer (A Morte Pede Carona), que entrega aqui sua interpretação mais icônica e a trilha-sonora assinada pelo compositor grego Vangelis (Carruagens de Fogo), que cria o clima perfeito para a ação em desenvolvimento com seus sons sintetizados e inorgânicos.

Estrelado pelo recém-lançado a fama Harrison Ford (Os Caçadores da Arca Perdida) e contando também com performances emblemáticas de até então novos rostos (que posteriormente ficariam apenas nisso) como Daryl Hannah (Kill Bill Vol. 1) e Sean Young (Sem Saída), o filme dirigido por Ridley Scott arrisca e entrega um enredo carregado de elementos filosóficos existencialistas, através do subterfúgio de um androide em busca de sobrevivência, num futuro recente (2019, coincidentemente o mesmo ano de outro filme comentado neste blog, O Sobrevivente, que infelizmente é infinitamente - tanto esteticamente, quanto em conteúdo - inferior ao filme aqui destacado) onde tais "seres" tem prazo de validade curtíssimo, com a única serventia de realizar trabalhos de curta duração aos seres humanos. Repleto de mensagens complexas, que aparecem mais como sugestões que que explicitamente, Blade Runner continua impecável até hoje, apesar do futuro exposto provavelmente não ter relação alguma com nossa realidade daqui há cerca de 7 anos.

Se no campo das ideias o filme permanece fresco e interessante, com muitas possibilidades de debates e, principalmente, de interpretações, no campo estético o filme perde um pouco, até por que muitas das previsões visuais pregadas pelo filme não se concretizaram, trazendo este uma carga mais próxima à época de seu lançamento, ou seja, o estilo visual carregado e "sintetizado" da década de 1980, do que da vigente. No entanto, observando um escopo maior, este não desagrada o olhar ou atrapalha a narrativa do filme, na verdade este certo afastamento para com nossos dias acabam fortalecendo-o, dando a este um caráter mais misterioso e idílico, que casa perfeitamente aos temas de Vangelis, outro aspecto fortemente relacionado a década de 1980 arraigado ao filme.

Lançado numa época de criatividade ímpar para o cinema de ficção-científica, onde tivemos o nascimento ou fortalecimento do cinema promovido por caras como Steven Spielberg, George Lucas, James CameronRobert Zemeckis e do próprio Ridley Scott, Blade Runner talvez seja a maior referência da época, com seu estilo temático e visual próprio, sua abordagem distinta e seu clima particular, permanecendo estudado e reverenciado pelos entusiastas da sétima arte e descoberto pelas novas gerações, fato mais do que comprovado com o recente interesse de produzir uma sequência para o filme, como pelas grandes produções do gênero que galgaram também um status de cult nos últimos anos, como Matrix, claramente influenciado - propositalmente ou não - pelo filme de Scott, Ford, Hauer, Vangelis, Hampton, Peoples e cia. 

...

Obs.: A versão conferida para avaliação foi a definitiva de 25 anos, lançada em DVD em 2007. Por enquanto, esta é a atestada como mais próxima ao que Ridley Scott pretendia quando filmava a produção, de acordo com as palavras do próprio, em depoimento exibido antes do início da projeção do filme.

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27 junho, 2012

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, EUA, 1977).


"Um relacionamento é como um tubarão. Tem que continuar avançando, nadando pra frente ou morre. E eu acho que o que temos aqui é um tubarão morto". (Alvy Singer, personagem de Woody Allen, em discussão com Annie Hall, interpretada por Diane Keaton).
O título brasileiro do filme reduz em demasia a proposta deste que é talvez o mais conhecido e reverenciado dos trabalhos de Woody Allen (Melinda e Melinda), pois existe neurose e nervosismo no longa, mas também muito mais que isso. Vencedor de diversos prêmios, dentre eles os Oscars de melhor filme, direção, roteiro e atriz (Diane Keaton, de O Poderoso Chefão), Noivo Neurótico, Noivo Nervosa é uma embasbacante comédia de relacionamento, onde acompanhamos, sob o ponto de vista de um comediante judeu - e levemente paranoico -, interpretado por Allen, seu vai e vem com talvez seu grande, a personagem título do filme, Annie Hall (Keaton). É através dos recortes do relacionamento conjugal de ambos que Allen e o co-roteirista Marshall Brickman (Manhattan) destilam comentários acerca dos relacionamentos da década de 1970, da eferverscência cultural da época e do vazio da produção de entretenimento e ideias em massa, enfim, apesar de trazer consigo um panorama bem pessoal de Allen (que tem no comediante que interpreta seu alter-ego), funciona como um registro completo da época em que se ambienta, principalmente das ideias e pensamentos daquela.

Apesar dos diálogos afiados, cheios de referências e de ironia ímpar, Noivo Neurótico, Noivo Nervosa é um filme muito engraçado, principalmente por pouco se apoiar em sequências que se apoiam em bobagens e comédia física, fazendo rir mais pelo conteúdo de suas mensagens (ou piadas, por que não) do que pela forma delas. A química entre Allen e Keaton beira a perfeição, parecendo até que estes não estão atuando, mas sim realmente vivendo aqueles momentos de encontros e desencontros.

Noivo Neurótico, Noivo Nervosa é e não é uma história de amor convencional (o que é convencional no cinema praticado por Allen?), pois apesar de apresentar um cenário onde vemos claramente que os personagens sentem um grande sentimento um pelo outro, em nenhum momento nos é destacado o romantismo entre eles, mas sim os pontos mais comuns de todos os relacionamentos, desde as discussões e discordâncias de opiniões, até as bobagens (no bom sentido) ditas à pessoa querida e as loucuras e constrangimentos na hora do sexo.

Dono de diálogos e tiradas espetaculares, um senso de humor fino, mas acessível, de referências mil (de Marhsall McLuhan e Franz Kafka, à Truman Capote e Ingmar Bergman) e de uma honestidade rara em filmes do gênero, Noivo Neurótico, Noivo Nervosa é um dos filmes mais aplaudidos e referenciados de Woody Allen, seja pelo público ou pela crítica, considerado o marco de sua carreira e o seu filme mais maduro, e é impossível não concordar com tais assertivas,  que merecidamente mantém-se com alto grau de excelência até hoje e encontra-se imortalizado como um dos melhores filmes já feitos nos anais de qualquer publicação especializada em cinema. Um clássico atemporal e ponto final. 

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26 junho, 2012

O Sobrevivente (The Running Man, EUA, 1987).


"Quer voar?"
"Vai fogo aí?"
"Que cabeça quente!"
"Hora do show!
 "Acertei em cheio!"
 (Algumas das frases hilárias ditas por Ben Richards, personagem "interpretado" por Arnold Schwarzenegger).
Talvez O Sobrevivente não chegue a ser considerado um clássico do cinema de ação oitentista, mas representa muito bem o estilo da época, tanto no em seus lado positivo e negativo e acaba sendo uma das mais divertidas daquela safra. Apesar de ter um pano de fundo de futuro distópico e ter sido vendido como uma ficção-científica de ação, é inegável o rompante cômico do mesmo. Como levar a sério diálogos como os acima citado? Principalmente quando estes saem da boca de ninguém menos que Arnold Schwarzenegger (O Exterminador do Futuro), inegavelmente um péssimo ator, mas que possui um carisma tão grande quanto ele próprio, o que acaba funcionando melhor do que a encomenda, dando graça a um personagem/filme que, sem ele, seria apenas mais um que possui uma ideia promissora, mas que peca pela sua abordagem artificial e caricata. Sorte nossa termos o Schwarza para passar "credibilidade" a essa produção.

Temas como regime político totalitário, altos índices de pobreza e, principalmente, a dominação midiática através do violento reality show nomeado Running Man formam a estrutura do filme, contudo não é bem construída pelo roteirista Steven E. de Souza (Comando para Matar, Duro de Matar), em especial pela falta de profundidade e a infindável profusão de clichês da época, do futuro retrô (contradição pura) aos chavões sem pé nem cabeça, que como dito só funcionam quando saem da boca de Schwarzenegger. A direção do inexpressivo Paul Michael Glaser (A Quadrilha da Mão), mais conhecido por ser o intérprete de David Starsky na série de tevê setentista Starsky e Hutch, também não ajuda em nada ao longa, optando por um visual brega e com muito mais cara da própria década de 1980 do que do distante futuro de 2017. Ninguém merece o macacão vestido pelos "competidores" de Running Man.

Apesar das várias fragilidades, O Sobrevivente - que foi baseado num romance de Stephen King - de certa forma influenciou produções mais recentes, como o filme japonês Battle Royale e o recente sucesso Jogos Vorazes, além de ter uma proposta semelhante a filmes como Corrida Mortal (2008), de Paul W. S. Anderson (Os Três Mosqueteiros) e Gamer (2009), dos chapas Mark Neveldine e Brian Taylor (Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança), só que estes, mesmo mais recentes, são infinitamente piores que O Sobrevivente, soando até mesmo menos profundo do que o referido.

Soando mais cômico do que o esperado, hoje este filme parece funcionar até melhor do que na época de seu lançamento, justamente pelo fato de estar datado, mas não se levar a sério em momento algum, o que não deixa de ser incongruente com o seu enredo, que pede uma reflexão crítica, mas infelizmente não tem como levar a sério um filme onde um marmanjo cheio de músculos, vestindo uma camisa havaiana, soltando frases de efeito a todo momento consegue "implodir" um programa de tevê ao lado de um grupo de insurgentes contra o sistema vigente. É muita "fantasia" junta, até mesmo pro currículo de Arnold Schwarzenegger. Mas o filme diverte - ri a beça, do início ao fim - e, no final das contas, é justamente isto que importa. Pelo menos para esse filme.

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25 junho, 2012

Prometheus (EUA, 2012).


Nós viemos deles. Eles virão para nós. (Chamada do cartaz promocional do filme).
Muitas vezes a alta expectativa acaba por sabotar o bom aproveitamento de uma obra e de certa forma foi isto que aconteceu comigo ao conferir este retorno do diretor Ridley Scott (Alien, o 8º Passageiro, Os Vigaristas) ao mundo do horror e da ficção científica. Em parte, esta expectativa é responsabilidade minha, entretanto também é dos envolvidos na produção de Prometheus - como a própria chamada do poster de divulgação atesta -, visto que "atiçaram" diversos elementos que infelizmente são apenas sugestionados ao longo do filme, sendo muito pouco para uma obra que fora vendida como "entretenimento cabeça".

É importante afirmar que Prometheus não é um filme ruim, até posso longe de ser categorizado como tal, entretanto a sugerida viagem acerca da criação do ser-humano - e da vida no planeta Terra - e as respostas para as perguntas mais buscadas por este (De onde viemos? Para onde vamos? Qual é a nossa missão? Por que fomos criados? Etc.) não são respondidas, muito menos debatidas a contento. São na verdade jogadas para uma possível sequência após "descobrimos" que na verdade os seres criadores estavam tentando nos destruir e que, ao invés da expedição científica ter pousado no planeta de origem da vida, pousou numa espécie de depósito de armas biológicas alienígenas. Confuso? Nem tanto, mas talvez seja necessário conferir ao filme para compreender melhor minha explanação.

Sendo assim, já que o filme se afasta bastante da proposta de discussão filosófico-científica esperada, o que sobra são momentos de muita tensão, choque de egos, sustos e desbravamento do desconhecido, algumas desses beirando a perfeição, outros no limite entre o aceitável e o clichêzão de mau gosto. No entanto, ao perceber que a proposta cerebral não é assim o ponto forte do filme - com isso não quero dizer que este é um filme estúpido ou vazio, nada mais longe da verdade, contudo o contexto apresentado pelo mesmo é muito mais de entretenimento do que de formação intelectual -, a experiência para com o mesmo volta a soar positiva, até por que como um filme de suspense este funciona primorosamente, resultando sim num bom retorno de Scott ao gênero que o destacou como cineasta há mais de 30 anos.

Tecnicamente arrebatador, Prometheus convence visualmente, possui um desenho de produção (tanto no que concerne ao maquinário e a tecnologia do fictício ano de 2093, quanto o visual das diversas criaturas alienígenas, humanoides ou não, presentes no filme) fantástico e crível, mixagem e som perfeitos, uma trilha sonora pontual e impactante, que realmente leva ao espectador a tensão e a angústia sofrida pelos personagens - quem assina a trilha é Marc Streitenfeld (A Perseguição), compositor alemão relativamente novo no universo cinematográfico, mas que vem colaborando recorrentemente com Ridley Scott desde o filme Um Bom Ano, de 2005 - e um elenco de nomes não tão conhecidos, mas bem escalado, destacando a protagonista interpretada pela sueca Noomi Rapace (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), que é a personagem guia de todo o enredo de Prometheus, e a magistral performance de Michael Fassbender (Um Método Perigoso, Jane Eyre), que compõe aqui um personagem enigmático, charmoso e de personalidade dúbia que chama a atenção do espectador do início ao fim, até mesmo quando não abre a boca. Complementando o elenco temos as presenças de Charlize Theron (Jovens Adultos) - com certeza o nome mais conhecido de todo o elenco -, Idris Elba (Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança), Logan Marshall-Green (Demônio) e um dispensável Guy Pearce (A Proposta), visto que o mesmo aparece apenas como um homem idoso, para isso usando uma pesada maquiagem, o que ao meu ver não justifica sua presença, ficando a dúvida quanto ao por que não contrataram um ator com idade próxima ao do personagem, já que este não aparece, em momento algum do filme, com a aparência jovem. Porém, fora isso, sua atuação não compromete, apesar da pesada maquiagem não ajudá-lo.

Quanto ao 3D, apesar do incômodo habitual pela utilização dos óculos (outra discussão), encontra-se excelente, realmente dando profundidade ao longa e tratando de imergir o espectador nos mistérios desbravados pelos passageiros da nava Prometheus, fazendo com que nós passeemos com eles por aquele universo curioso.

Voltando ao âmbito conceitual do filme, fica óbvia a referência do título - acerca do mito do titã Prometeu - com o desenrolar dos acontecimentos, valendo a máxima de que o ser-humano não deveria mexer naquilo que não lhe cabe. E, apesar do debate metafísico existencial do filme ficar um pouco a dever, esse paralelo com o mito grego é bem colocado e dá um gás de profundidade ao filme, que cismava em não querer aparecer (pelo fato da discussão acerca da origem da vida ter sido posta de lado). Porém, admito que Scott e os roteiristas Jon Spaihts (A Hora da Escuridão) e Damon Lindelof (série Lost) me decepcionaram bastante, principalmente por admitir no encerramento do longa que as respostas buscadas (e que aparentemente seriam pelo menos parcialmente respondidas aqui) pelos cientistas seriam o mote de uma possível sequência, o que para mim soou enganador. Me incomodou bastante, me fazendo até mesmo recordar de ecos da série Lost, com suas muitas perguntas, alguma enrolação e poucas respostas realmente úteis).

Problemas de abordagem a parte, apesar das mais do que óbvias concessões cometidas pelo filme com a finalidade de agradar a gregos e troianos (não esqueçamos que, apesar de tudo, este ainda é um filme de verão - nos Estados Unidos - para a "meninada"), Prometheus é um filme competente, muito bem-acabado, criativo e com uma boa abordagem, que tinha tudo para ser um novo A Origem (dono de um conceito interessante, vendido como um filme para as massas, mas que não faz grande concessões no âmbito das ideias, provando seu público  ao não entregar respostas fáceis, mas ao mesmo tempo sem esconder do que trata. Ou seja, todas as respostas estão presentes da obra, mesmo que muitas abram margem para interpretação), mas que acaba sendo auto-sabotado pela constante indecisão  - não sai de cima do muro em alguns momentos - do seu enredo. Porém, independentemente dos possíveis erros destacados, Prometheus mereceria destaque mesmo que tivesse apenas a excelente sequência de parto envolvendo a personagem de Rapace, que culmina num dos momentos mais tensos e assustadores dos últimos anos - fazendo-nos até mesmo não ligar para o fato de uma pessoa recém saída de uma cirurgia abdominal sair correndo para cima e para baixo sem manifestar dor ou incômodo. Mas enfim, viva a magia do cinema, não é mesmo?

AVALIAÇÃO (Assim que assisti ao filme):
AVALIAÇÃO (Algum tempo depois, após a digestão dos eventos mostrados no filme):
Quer saber qual foi minha avaliação após a revisita ao filme, em 10 de abril de 2014? Acesse minha conta no Filmow.

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24 junho, 2012

Batman Begins (EUA, 2005).


"Sabe por que caímos?" (pergunta Thomas Wayne, interpretado por Linus Roache).
"Não." (responde o jovem Bruce Wayne, interpretado por Gus Lewis).
"Para aprendermos a levantar!" (complementa Thomas Wayne).*
Não que o enredo de Batman Begins não seja um grande atrativo no filme - já que o mesmo também o é -, mas a verdadeira diferença entre este filme e demais outros que também são obras adaptadas de personagens de histórias em quadrinhos é a abordagem. Com uma pegada mais próxima à nossa realidade e, mesmo quando se utiliza de recursos que beiram a fantasia, os contextualiza à base de informações e demonstrações de sua executabilidade prática, cria esta estilo de realidade que engrandece o filme, o fazendo mais crível e próximo ao espectador do que os demais filmes do gênero e, em especial, as outras adaptações do personagem Batman ao cinema.

Comandado com rigidez e criatividade por Christopher Nolan (Amnésia, A Origem), Batman Begins, como o próprio título já entrega, é um filme de origem, que narra a história do personagem desde antes de sua atuação como "herói", já que acompanhamos o trauma de infância que o marcará para sempre, o processo de treinamento nas ruas e em artes-maciais que o mesmo recebe, dentre outros momentos, que o formarão como o conhecido vigilante de Gotham, cidade fictícia ao qual o personagem pertence. Este aspecto é tão importante a trama que o personagem Batman só aparece após 1 hora de projeção, tendo sido todo este tempo levado para a construção do personagem e de suas motivações. Somente esta abordagem já engrandece o filme, principalmente por que nunca antes fora explicitada as motivações e por quês acerca da psicologia e razão de vida de Batman de forma tão aprofundado quando esta auferida por Nolan e o roteirista David S. Goyer (Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança). 

Como citado, apesar não ser das mais grandiosas, a trama de ação de Batman Begins é bem elaborada e aposta bastante nos momentos de mistério e tensão, muito disso devido a eletrizante trilha sonora composta e conduzida a quatro mãos pelos maestros Hans Zimmer (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) e James Newton Howard (O Sexto-Sentido), que gruda de cara na mente do espectador. Além disso, é óbvia a influência da política de medo e paranoia norte-americana pós-11 de setembro na proposta do filme, visto que o "terrorismo com causa" é o grande dos antagonistas do filme, os membros da liga das sombras, além do vilão espantalho (Cillian Murphy, de Vôo Noturno), que também se encaixa no perfil.

Outro inegável aspecto positivo está na seleção do elenco (e que elenco). Temos aqui o melhor intérprete de Bruce Wayne (em idade adulta) / Batman, Christian Bale (Os Indomáveis), que cria uma persona complexa, amargurada e bastante crível em sua abordagem, um amigável e companheiro Alfred pelo veterano e carismático ator inglês Michael Caine (Vestida para Matar), além de um excepcional elenco coadjuvante de luxo, formado por nomes como Liam Neeson (A Perseguição), Katie Holmes (Não Tenha Medo do Escuro), Rutger Hauer (A Morte Pede Carona), Morgan Freeman (Os Imperdoáveis), Tom Wilkinson (O Sonho de Cassandra), Ken Watanabe (O Último Samurai), além de Gary Oldman (O Espião Que Sabia Demais), que a exemplo de Bale, constrói aqui o melhor comissário Gordon (no caso deste filme, ainda tenente) das versões de Batman para o cinema.

Abordagem adulta. Domínio pleno da narrativa, através de uma ótima  construção das motivações do personagem principal, da ambientação do filme e dos personagens coadjuvantes, realçando a profundidade da obra. Equilíbrio na apresentação das sequências dramáticas e de ação. Efeitos visuais e cenografia competentes, que passam credibilidade a fictícia Gotham City do filme. E, mais do que tudo, emoção do início ao fim, traduzindo com perfeição um dos personagens mais queridos da ficção para a sétima arte. Só não ganha nota fechada pelo, ao meu ver, pouco apelo do corpo de vilões do filme - que encaixam-se perfeitamente a trama, mas nem de longe soam como grandes vilões, na acepção pura da palavra -, até por que este é, do início ao fim, um filme do e para Batman, feito objetivado e alcançado com sobras pelo diretor Christopher Nolan e toda a sua equipe. Batman Begins é o primeiro filme de uma ainda incompleta trilogia (a terceira parte estreia no final do mês de julho do corrente ano), mas que funciona perfeitamente sozinho.

* O diálogo disposto no topo do texto é dito novamente por Alfred (Michael Caine) e Bruce Wayne (Christian Bale), quando este encontra-se mais velho.

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Filmes de CHRISTOPHER NOLAN já comentados:

23 junho, 2012

Protegendo o Inimigo (Safe House, EUA/AFS, 2012).


Não há muito o que falar de Protegendo o Inimigo. Um thriller de ação eficiente, que segue a "fórmula", mas que ao mesmo tempo guarda alguns bons momentos de surpresa, este filme dirigido pelo sueco Daniel Espinosa (Easy Money) e estrelado pela improvável dupla formada por Denzel Washington (Dia de Treinamento) e Ryan Reynolds (Lanterna Verde) é uma obra de entretenimento recheada de cenas de ação e suspense, que mesmo com alguns vícios do gênero - e a inegável influência advinda da bem-sucedida e relativamente melhor acabada trilogia Jason Bourne - diverte do início ao fim.

Entretanto, apesar da competência da produção, alguns elementos me causaram um certo incômodo. Em primeiro lugar, a opção estético-visual do diretor Espinosa, que opta por um estilo de montagem e composição de imagem granulada que lembra bastante os últimos filmes do diretor Tony Scott (Chamas da Vingança, O Sequestro do Metrô 123). Não que utilizar estes elementos sejam exclusividade de Scott, todavia o que acontece aqui é o excesso de tal abordagem, o que pra mim acaba por causar um certo cansaço ao espectador durante a projeção.

Outro aspecto frágil de Protegendo o Inimigo acontece no terceiro ato do filme, quando acompanhamos  um plot-twist que traz algumas revelações à trama - bastante tenso, por sinal -, só que o desfecho do mesmo acaba se revelando clichê em demasia, até mesmo um tanto quanto forçado, causando um sentimento de "já vi isso antes" no espectador. Sendo assim, apesar de não comprometer todo o envolvimento para com o filme, esta sequência também não o ajuda a se estabelecer como um dos grandes títulos do gênero.

Afora isso Protegendo o Inimigo é um filme divertido e intrigante do início ao fim, praticamente se espaço para respiro para o público espectador. Além disso, traz boas performances de Denzel Washington e Ryan Reynolds. Enquanto este realmente surpreende ao trazer tons de fragilidade, seriedade e humanidade ao agente da CIA que interpreta, o primeiro atua mais uma vez no piloto automático, no entanto em um ou dois momentos consegue mostrar o por que de ser considerado um dos melhores atores da atualidade, além de utilizar como poucos seu imenso carisma a favor do seu personagem. Além da dupla, o filme conta com as presenças de Brendan Gleeson (O Guarda), Vera Farmiga (Contra o Tempo) e Sam Shepard (Os Eleitos) em papeis menores. Em suma,  Protegendo o Inimigo  não vai mudar sua vida ou te apresentar uma trama incrivelmente original ou surpreendente, porém, para aqueles que gostam de filmes do gênero, possui todas as características para agradá-los.

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21 junho, 2012

Babel (EUA/MEX/FRA, 2006).


Praticamente o fechamento de uma trilogia de causos de acasos (que seria composta também por Amores Brutos e 21 Gramas), Babel é o filme mais ambicioso do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu (Biutiful) e marca sua última parceria com o roteirista e compatriota do diretor, Guillermo Arriaga. Cruzando personagens de diversas etnias numa história com desdobramentos distintos que caminham lado a lado, formando um caleidoscópio de cores e raças, que transmitem uma única ideia central, Babel na verdade é um filme que discute o poder da comunicação na sociabilidade (quiçá existência) do homem e os males advindos dos ruídos provocados por uma comunicação mal feita ou mal acabada.

Misturando elementos de culturas do ocidente (Estados Unidos e México) com os do oriente (Marrocos e Japão), Inárritu e Arriaga constroem aqui um filme mais palatável e objetivo do que seus trabalhos anteriores, talvez até pela maior afinação entre os artistas, entretanto com o mesmo engajamento sócio-cultural, a mesma visão de mundo acinzentada, a mesma tendência ao pessimismo quanto a realidade humana, só que agora diluída em um contexto onde cabe a esperança, onde há chance de surgir luz, de raiar o sol, de abrir o dia. Talvez por isso este tenha sido o trabalho que arrecadou mais indicações e prêmios da carreira de ambos, tendo óbvio destaque a premiação de melhor filme no Globo de Ouro e o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, além de diversas indicações ao Oscar (tendo sido agraciado apenas com a estatueta de trilha sonora original, a cargo de Gustavo Santaolalla).

Manifestando interesse através da construção, em seus personagens, de sentimentos dúbios, onde num a mesma cena sentimos angústia e alívio, raiva e pena, medo e alegria, Babel faz jus ao nome e entrecorta este cabedal de elementos de forma igualitária, provocando interesse em todos os núcleos dramáticos apresentados e, mais do que isso, os apresentando de forma a terem sentido tanto como um produto só, quanto como realidades distintas e desligadas umas das outras.

Como destacar algum destes núcleos, visto que cada um apresenta dilemas e personagens que, por sua complexidade e dramaticidade, tendem a marcar de imediato? Missão dificílima, no entanto não há como não falar das atuações do casal estrangeiro em viagem de redescoberta no Marrocos, interpretado por Brad Pitt (Encontro Marcado) e Cate Blanchett (O Aviador), da inocente doméstica vivida por Adriana Barraza (Arrasta-me para o Inferno) e do personagem de Gael Garcia Bernal (O Passado) vivendo o displicente, mas de bom coração, sobrinho da personagem de Barraza. Também marca de imediato a complexa (talvez a personagem mais emblemática de todo o filme) garota japonesa concebida por Rinko Kikuchi (Vigaristas), que possui deficiência auditiva e um grande trauma. Por último, mas não menos importante, estão as crianças vividas (literalmente) por Boubker Ait El Caid (Yussef), Said Tarchini (Ahmed), Elle Fanning (Debbie) e Nathan Gamble (Mike), simplesmente inesquecíveis, como os demais outros personagens não citados aqui.

Tecnicamente brilhante, com uma trilha musical étnica e marcante do início ao fim e dono de personagens tão poderosos que transcendem seus intérpretes e nos fazem crer em sua existência no mundo extra-cinematográfico, Babel não é uma unanimidade entre os amantes da sétima arte - pra falar a verdade o cinema praticado por Inárritu nunca foi -, mas não estou sozinho ao considerá-lo um trabalho excepcional, tão bom quanto os filmes anteriores do cineasta, que ousa ao globalizar sua tese de "negativismo" analítico da condição humana, mas que confere um novo olhar acerca do tema, tratando agora das agruras do poder e da fragilidade da comunicação entre o homem, que ultrapassa as barreiras geográficas e, principalmente, linguísticas, atestando que muitas vezes não são assim tão fundamentais os elementos culturais ou a compreensão do mesmo idioma para a efetividade do ato de comunicação (como bem atesta os atos de diversos personagens deste filme) entre dois ou mais seres, mas simplesmente o fato de querer ser compreendido e, principalmente, querer-se entender o outro que acaba por ser a verdadeira solução para este caos existente entre nós, o da barreira do perfeito entendimento, já que nem mesmo quando possuímos todas as ferramentas, conseguimos compreender plenamente o outro, quiçá nós mesmos.

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19 junho, 2012

Vestida para Matar (Dressed to Kill, EUA, 1980).

"Brian De Palma, o mestre do macabro, convida você a exibição da última moda... em assassinato". (Chamada do cartaz oficial de cinema).
Coroando o ápice do apuro estilístico e técnico do cineasta Brian De Palma (Irmãs Diabólicas), Vestida para Matar é um dos mais envolventes filmes do diretor (aqui também roteirista) norte-americano.  Vendido como um thriller erótico, este filme na verdade é muito mais do que isso, visto que é carregado de tensão e suspense que perpassam pelo psicológico e pelo non-sense, obviamente destacando o teor de  sensualidade, mas esta sempre aparece entremeada de momentos de agonia e medo, além, é claro, da estética particular dos anos 1970 (apesar do filme ter aberto a década seguinte), com direito a mortes chocantes e muito sangue falso (mesmo que o intuito na época não tinha sido este).

Apesar de não ter um personagem principal que domine o filme como um todo, os principais personagens são os interpretados por Michael Caine (Batman Begins), Angie Dickinson (Rio Bravo), Nancy Allen (Carrie, a Estranha) e Keith Gordon (Christine, o Carro Assassino), que conseguem provocar interesse similar acerca de suas trajetórias no espectador, muito graças ao talento de De Palma como contador de histórias, em especial pela forma com que narra a história através de movimentos de câmera e sequências muito bem planejadas, onde acompanhamos o seguimento de determinadas cenas quase que em apenas uma só tomada, aumentando assim o nível de dramaticidade e tensão do filme.

Obviamente, como em quase todos os suspenses do diretor, encontramos aqui ecos do cinema de Alfred Hitchcock, tendo a melhor homenagem na primorosa sequência da personagem de Angie Dickinson, que tem início numa visita desta a um museu e é finalizada numa climática cena em um elevador, tudo isso com praticamente nenhum diálogo, apenas a bela condução de De Palma, a brilhante interpretação de Dickinson e a eletrizante trilha sonora de Pino Donaggio (Carrie, a Estranha), absurdamente marcante.

Guardando ecos com o primeiro filme de destaque de De Palma, Irmãs Diabólicas, no sentido de construir um clima de tensão e interesse numa trama repleta de eventos um tanto quanto irreais e exagerados, mas com um apuro maior e uma construção narrativa e visual bem mais elaborada do que aquele, Vestida para Matar marca o início do amadurecimento cinematográfico do considerado herdeiro do mestre do suspense Hitchcock como autor e, mesmo com o envelhecimento de algumas cenas devido a precariedade dos efeitos especiais da época em que foi filmado (além do fato de não ser puramente um thriller erótico), continua um filme dono de um brilho particular, interessante, instintivo e de grande importância para o gênero, tendo maior relevância conceitual e técnica do que títulos lançados a posteriori, mas que hoje acabam soando mais envelhecidos do que Vestida para Matar, como Atração Fatal, de 1987 Instinto Selvagem 1 e 2, lançados respectivamente em 1992 e 2006, por exemplo. As cenas de nudez e sedução do filme, em especial a ótima cena de abertura do mesmo, continuam até hoje mais ousadas do que a maioria dos filmes "adultos" atuais.

Vestida para Matar é um filme cheio de (bons) truques, que não aposta no realismo ou em fazer sentido lógico, mas que possui o dom de causar interesse imediato e continua relevantíssimo como cinema, mesmo após 32 anos de seu lançamento. É um dos filmes mais citados de Brian De Palma, que confirma aqui sua melhor forma.

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17 junho, 2012

Compramos um Zoológico (We Bought a Zoo, EUA, 2011).

"Por que uma mulher tão linda como você falaria com alguém como eu?" - pergunta um personagem do filme.
 "Por que não?" - alguém o responde.
Apesar do tom algo como fabular do enredo, Compramos um Zoológico é um filme baseado em eventos reais, acerca de um pai viúvo que decide adquirir uma casa/zoológico como ponto de virada para ele e seus dois filhos. Entretanto, apesar da fauna e natureza ter certa importância na história, o grande mote do filme é o ser-humano, em especial seu inter-relacionamento e a apreciação da vida. Conduzido pelo premiado diretor e roteirista Cameron Crowe (Jerry Maguire: A Grande Virada, Pearl Jam Twenty) e estrelado por Matt Damon (Gênio Indomável), Scarlett Johanson (Os Vingadores) e Thomas Haden Church (Sideways - Entre Umas e Outras), Compramos um Zoológico é - assim como quase toda a filmografia de Crowe - formatado através de um grande emaranhado de clichês, entretanto conduzido de maneira tão intuitiva e singela que transcende o lugar comum e torna-se distinto e único. Com um começo discreto e pontual, mas que vai sendo desenvolvido com interesse e força, este é um sincero e eficiente feel good movie, que abraça com força o lado bom do ser humano, os aspectos positivos da vida, tudo isso sem nunca soar moralista, piegas ou muito menos pedante. Crowe, Aline Brosh McKenna (co-roteirista) e todo o elenco estão perfeitamente alinhados no objetivo de conquistar o coração do espectador através de muita delicadeza, esperança e sinceridade.

É óbvio que essa história de "redenção" familiar não traz grandes novidades, muito menos soa complexa ou totalmente crível, entretanto, apesar do tom fantasioso e dos absurdos que envolvem a compra real de um zoológico (seria implausível se não tivesse sido real), há neste emaranhado de ficção muitos elementos palatáveis e críveis, que de certa forma pertencem ao nosso cotidiano, nem que em essência.

Apesar do filme como um todo ser uma espécie de jornada de reencontro ou uma espécie de rito de passagem conjunto, o grande momento deste é sem sombra de dúvidas seu encerramento, que com certeza deixará os olhos marejados daqueles que comprarem a aventura desse pai e seus dois filhos. E este sentimento passa longe do mal-estar, pois se as lágrimas verterem pode ter certeza que o único sentimento despertado será um misto de alívio e felicidade, como se a conquista dos personagens tivessem acontecido em parte por causa de nós (espectadores). É difícil apontar algo de deslumbrante num filme tão afinado e cheio de simplicidade como este Compramos um Zoológico, mas é impossível não citar o show de interpretação e principalmente (talvez apenas isso) de carisma da pequena Maggie Elizabeth Jones, um poço descomunal de meiguice e espontaneidade como há tempos não via numa criança em tela. Mesmo que o filme não trouxesse os válidos elementos citados, ainda assim valeria a pena conferi-lo pela presença da doce Maggie Jones.

Cinematograficamente Compramos um Zoológico não vai  mudar o rumo da indústria, do gênero ou da sua vida, porém traz consigo mensagens contundentes e positivas acerca da potencialidade nossa de transcender, mudar, realizar sonhos e de ter coragem de recomeçar quando assim nos é pedido, temas estes tão caros ao nosso cotidiano e vida, seja você branco ou negro, homem ou mulher, criança ou adulto, europeu ou asiático, cristão ou muçulmano, crente ou cético, vivo ou morto. O filme pode não rescrever a nossa história como ser-humano, mas cumpre bem o papel de nos lembrar da parte boa dela.

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