22 junho, 2014

Vidas em Jogo (The Game, EUA, 1997).

"Jogadores procurados" (Livre tradução da frase disposta no poster do filme).
Filme seguinte ao sucesso de crítica e público Se7en - Os Sete Crimes Capitais, Vidas em Jogo pode ser considerado como um "filme menor" no contexto da filmografia do cineasta David Fincher, mas isso não o torna menos interessante ou recomendável. Dono de uma premissa ao mesmo tempo interessante e surreal, a obra estrelada por Michael Douglas (Minha Vida com Liberace) e Sean Penn (Caça aos Gângsters) envolve o espectador através da teia de paranoia e mistério contido em sua trama, cujo escopo perpassa o trauma carregado pelo personagem de Douglas após o suicídio de seu pai durante seu aniversário, evento este que é rememorado quando o personagem se encontra com a mesma idade que seu pai possuíra ao falecer. Soma-se a isso o inusitado presente de aniversário dado por Penn, cujo personagem é irmão de Douglas, e tem-se então o esqueleto do jogo de mistérios e alucinações orquestrado com maestria pelo visceral Fincher.

É certo que, analisado de forma mais fria, o roteiro proposto pela dupla John Brancato e Michael Ferris (O Exterminador do Futuro 3: A Revolução das Máquinas) pode gerar muitas dúvidas no que se refere a sua plausibilidade (até mesmo para cinema), todavia a direção, a montagem (James Haygood, de Tr0n - O Legado) e a fotografia (Harris Savides, de The Bling Ring - A Gangue de Hollywood) do filme proporcionam uma imersão tão poderosa que os possíveis exageros da trama acabam passando despercebidos. O grande barato do filme se encontra na relação entre realidade e fantasia durante o corre corre passado pelo personagem de Michael Douglas, já que nunca fica claro (pelo menos não até a conclusão do longa) se este na verdade encontra-se perturbado psicologicamente, tendo tudo que se passara até então sido alvo de alucinações. É no choque entre realidade e delírio que Vidas em Jogo aposta e pode-se dizer que nisto o mesmo é muito bem sucedido.

Mesmo não sendo uma unanimidade, Michael Douglas tem aqui mais uma oportunidade de comprovar seu talento dramático e, mesmo que sua personagem não seja das mais complexas, o ator acaba por entregar uma interpretação convincente, captando bem a "índole" conturbada da personagem. Sean Penn pouco aparece, mas possui importância significativa à trama, enquanto Deborah Kara Unger (Crash, Estranhos Prazeres) compõe a personagem mais estranha (e, consequentemente, non sense) do filme, agregando mais por sua beleza do que por seus dotes dramáticos. Certo mesmo é que Douglas, ao lado de Fincher e sua equipe, é o maior responsável pelo pleno funcionar do filme.

Pouco comentado quando a pauta de discussão é o cinema de David Fincher, Vidas em Jogo certamente não é o melhor trabalho do cineasta norte-americano, contudo passa longe do status de pior, sendo justo categorizá-lo como um filme de passagem, especialmente quando verificamos que os filmes que "ensanduicham" este são clássicos da monta de Se7en - Os Sete Crimes Capitais e Clube da Luta. Interessante do início ao fim, Vidas em Jogo teve uma repercussão discreta à época de seu lançamento (não foi um grande estouro de bilheteria), mas merece ser "redescoberto" no universo do home video, afinal, até hoje David Fincher ainda não tropeçou.

★★★★

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17 junho, 2014

A Culpa é das Estrelas (The Fault in Our Stars, EUA, 2014).


Promover algo quase que exclusivamente apoiado em fatores comerciais pode tanto mostrar-se acertado como um erro crasso. No caso do cinema, geralmente, tal pecha só parece acertada quando há alguma espécie de conexão entre a obra original e sua versão cinematográfica, como, por exemplo, em sequências de obras baseadas em histórias em quadrinhos ou games. Todavia, promover uma adaptação literária tendo como suporte apenas o fato desta ter sido best-seller ou premiada não diz nada à obra cinematográfica, até por que, qualquer que seja a fonte de referência/inspiração, esta não necessariamente validará a obra derivada, que deve funcionar de forma independente, não bastando assim que digam e repitam que a mesma é baseada, inspirada ou adaptada de uma outra obra irrepreensível. Esta o é, aquela pode não ser.

Dito isto, devo dizer que me surpreendi bastante ao conferir a adaptação cinematográfica do romance de John Green, tanto pelo seu conteúdo - que sim, contém elementos dos filmes/obras de Nicholas Sparks, contudo com mais naturalidade e "coerência" dramática -, quanto pela forma/abordagem dada ao tema central (literalmente amor entre iguais) pelo diretor Josh Boone (Ligados pelo Amor) e pelos roteiristas Scott Neustadter e Michael H. Weber ((500) Dias com Ela), que conseguem tirar qualquer tom de pieguice da história, apresentar elementos contemporâneos à trama (a tecnologia mostra-se bastante presente na vida do casal adolescente) e tratar de forma convincente o conto de fadas moderno chamado A Culpa é das Estrelas.

Tendo como um de seus trunfos a dupla principal de atores, formada pela estrela em ascensão Shailene Woodley (Os Descendentes, Divergente) e pelo desconhecido Ansel Elgort (Carrie, a Estranha, Divergente), cuja química (e talento, óbvio) emoldura todo o filme, tornando suas personagens não apenas críveis, mas encantadoras, sendo envolvente acompanhar suas jornadas mesmo quando é identificável um "quezinho" de fantasia no meio de tanta "tragédia romântica". Enquanto Elgort transborda simpatia e convence ao investir no tipo "cafajeste caricato" (cara lisa para alguns), Woodley conquista pelas camadas dramáticas que fornece à sua personagem, traduzindo em olhares e gestos muito daquilo que apenas palavras não seriam capazes de comunicar. Obviamente há bastante interpretação física por parte da jovem atriz, porém é na sutileza e nos pequenos detalhes que sua composição de personagem ganha corpo de verdade. O elenco é completado por Willem Dafoe (A Última Tentação de Cristo) e Laura Dern (O Mestre), cuja experiência dá ainda mais corpo ao já bem definido filme.

Outra surpresa do longa se encontra no modo de filmar de Boone, que opta por enquadramentos menos óbvios, optando por uma estética bastante agradável e distante do lugar comum. A parceria com o jovem diretor de fotografia Ben Richardson (Indomável Sonhadora) resultou muitíssimo bem. A seleção musical e os temas incidentais escolhidos e/ou compostos por Mike Mogis e Nate Walcott casam bem ao clima proposto pelo romance teen com conteúdo apresentado por Boone, visto que tanto compõe bem o lado adolescente do longa, como preenche com precisão os momentos mais densos.

Talvez mais longo do que o necessário e previsível em alguns (poucos) momentos, A Culpa é das Estrelas é um filme surpreendentemente equilibrado, que trabalha um tema ao mesmo tempo pesado e batido, mas de forma delicada, sem mergulhar de vez na sacarose. A história de amor apresentada pretende alcançar um nível acima do corriqueiro, do banal, buscando significados mais abstratos, inclusive com direito a um pouco de filosofia (não à toa há uma conexão entre a personagem de Woodley e uma obra existencialista em particular) e, por que não, na crença no divino. Em resumo, A Culpa é das Estrelas apresenta-se como bem mais do que um simples filme de amor adolescente, pois ousa (no limite do possível) e procura ir mais fundo no que se entende por vivenciar um grande amor, com suas beneficies e consequências. Certamente este é a obra que Nicholas Sparks tenta conceber até hoje, mas que possivelmente não conceberá.

★★★★


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06 junho, 2014

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (X-Men: Days of Future Past, EUA, 2014).


Marcando o retorno de Bryan Singer (Jack, o Caçador de Gigantes) ao comando da franquia X-Men e o encontro das duas gerações de filmes (apesar da geração mais recente possuir, por enquanto, apenas um título), X-Men: Dias de um Futuro Esquecido mostra-se eficiente, dinâmico, interessante e divertido, sem esquecer de tocar em temas mais profundos (característica dos dois primeiros filmes da franquia, assinados por Singer), mesmo que de forma diluída. Mais dramático que X-Men: Primeira Classe, mas também menos divertido que aquele, esta sequência direta dos filmes de Matthew Vaughn (Kick-Ass - Quebrando Tudo) e de Brett Ratner (Dragão Vermelho) pode até soar apressada em alguns momentos, mas possui personagens tão bem trabalhados e um plot (apesar de complexo) construído de forma a manter o interesse sobre o espectador que a tal pressa acaba sendo um detalhe ínfimo em comparação ao espetáculo narrativo e visual proporcionado pela obra.

A sequência inicial do longa é fantástica, servindo tanto como introdução aos personagens e à trama (que lida com duas linhas temporais), quanto como trunfo narrativo, apresentando o dilema dos mutantes de forma impactante. É certo que a estética futurista desenvolvida por Singer e sua equipe de arte (o design de produção John Myhre, o diretor de arte Michèle Labierté e a figurinista Louise Mingenbach), assim como o diretor de fotografia Newton Thomas Sigel (Drive) bebe muito de filmes como O Exterminador do Futuro e Matrix, mas tal inspiração sugere mais homenagem que falta de criatividade. Certo mesmo é que tanto o visual futurista quanto a estética setentista (o outro arco do filme se passa nos anos 1970) são muito bem trabalhados pelas equipes de arte e efeitos visuais. O importante mesmo é frisar que há um casamento entre a estética e a narrativa do filme, que traz um quê mais próximo à ficção-científica (logo, mais parecido com os primeiros filmes) do que a uma aventura "bondiana" (abordagem apresentada por Vaughn em Primeira Classe).

Uma das melhores coisas em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido se encontra na construção de seu roteiro - desenvolvido por Simon Kinberg (Sherlock Holmes) a partir de um argumento de sua autoria, juntamente a Jane Goldman e Matthew Vaughn -, que não apenas privilegia a ambientação (aspecto este, sem sombra de dúvidas, essencial a uma boa obra de ficção), mas também a construção de personagens e seus inter-relacionamentos. Certamente há um ou outro furo na orquestração de tantos nomes - incluindo duas versões de Magneto e professor Xavier, por exemplo -, mas é inegável que a amarração entre trama e personagens é feito de maneira orgânica e interessante. O fato desta ser uma adaptação livre de uma das histórias mais queridos dos fãs de quadrinhos não anula ou prejudica o resultado final, que sim difere bastante da fonte, mas resulta de forma tão bacana quanto.

O casting do filme é de encher os olhos, tanto pelo requinte dos nomes envolvidos, quanto (e principalmente) pelo envolvimento dos mesmos na construção de seus respectivos personagens. Tem-se em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido os retornos de Hugh Jackman (O Grande Truque), Ian McKellen (trilogia O Senhor dos Anéis), Patrick Stewart (Ted), Halle Berry (A Viagem), Ellen Page (Juno), Anna Paquin (O Piano), Shawn Ashmore (série The Following) e Daniel Cudmore (franquia Crepúsculo), respectivamente Wolverine, Magneto, professor Xavier, Tempestade, Lince Negra, Vampira, Homem de Gelo e Colossus (todos da dita "velha guarda) e a revisita de James McAvoy (Em Transe), Michael Fassbender (O Conselheiro do Crime), Nicholas Hoult (Um Grande Garoto), Jennifer Lawrence (O Lado Bom da Vida) e Lucas Till (Segredos de Sangue), além das ótimas estreias de Peter Dinklage (série Game of Thrones), Evan Peters (série American Horror Story) e Omar Sy (Intocáveis). É óbvio que nem todos possuem um tempo de tela longo, mas o filme de Singer dá oportunidade para que todos possam brilhar minimamente, como é o caso do personagem Peter Maximoff (vulgo Mercúrio), de Evan Peters, que rouba a acena ao apresentar um dos personagens mais bacanas do filme em uma das sequências mais fantásticas de toda a franquia. Logo, a equação roteiro bem amarrado mais elenco bem encaixado só poderia resultar positivamente.

Dramático, mas sem deixar o bom humor de lado (este surge quando "necessário" à construção da trama), X-Men: Dias de um Futuro Esquecido pode ser classificado como uma surpresa, pois nem o mais entusiasta dos fãs (ou acompanhantes da franquia X) esperavam uma obra tão redonda como a que foi apresentada por Bryan Singer e cia. (ainda mais após o ótimo X-Men: Primeira Classe). Rompendo e ao mesmo tempo seguindo de onde o filme anterior parou, o filme prepara terreno para uma realidade não tão boa para os nossos amigos mutantes, soltando algumas informações acerca dos futuros dilemas a ser enfrentados pelos pupilos de Charles Xavier. Não contando com um vilão definido como nos filmes anteriores (o personagem de Dinklage é o catalisador do perigo, não O vilão da obra), o grande desafio do filme se encontra no próprio homo sapiens sapiens (e sua contenda com o homo sapiens), já que, de certa forma, foi o primeiro quem "provocou" sua possível extinção. Certamente atraente para vários públicos, acredito que este seja não seja apenas o melhor filme da franquia mutante (apesar de reconhecer sua dependência para com os demais, não tendo, assim, construído seus próprios alicerces de maneira total), como também o melhor filme de "equipes de super-heróis" já feitos.


★★★★½


Obs.: Sim, após o incompreendido (ou não aceito) Superman: O Retorno, o pouco visto Operação Valquíria e o fraco Jack - O Caçador de Gigantes, Bryan Singer finalmente "voltou" à boa forma. E para isso "precisou" retornar à franquia que o "lançou" ao grande público. Interessante...

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