31 março, 2013

Amor (Amour, ALE/AUS/ FRA, 2012).

Devastador, altamente inteligente e surpreendentemente bem realizado. Uma obra-prima (David Calhoun, Time Out).
Este é um filme dotado do mais alto grau de inteligência e perspicácia (Peter Bradshaw, The Guardian).
Haneke é confirmado como o principal diretor europeu de sua geração (Donald Clarke, The Irish Times).
Compassivo, uma obra-prima (Jamie Graham, Total Film).  
Tradução dos comentários de críticos de cinema dispostos no cartaz oficial do filme. 

Amor, de Michael Haneke (A Fita Branca) foi um dos filmes mais elogiados de 2012, saindo vencedor de prêmios importantíssimos como a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter concorrido neste a melhor filme do ano, melhor atriz (Emmanuelle Riva, de Hiroshima, meu Amor), melhor roteiro original e melhor direção (ambas a cargo de Haneke). Profundo e objetivo, esta pequena obra-prima "engana" a partir de seu título, que é desconstruído de maneira hercúlea pela indesejada doença (física e mental) que toma o casal interpretado por Riva e Jean-Louis Trintignant (de Z) - cuja interpretação foi curiosamente ignorada pela Academia Norte-Americana de Artes Cinematográficas (vulgo Oscar) -, colocando assim a prova qualquer conceito, preconceito ou paradigma acerca da completude de um relacionamento.

É certo que este não é, nem de longe, o mais angustiante ou incômodo dos trabalhos de Haneke, cineasta este interessadíssimo no estudo do ser humano e em seus comportamentos, utilizando para isso um olhar clínico e de cunho recorrentemente negativista. E este olhar não falta a Amor, apenas surge de maneira mais intimista, subjetiva, mas não menos incômoda. É notório que a sociedade ocidental possui a cultura de idealizar eventos desejados, ignorar mazelas e incutir a positividade ou o pensamento positivo como fórmula para o sucesso ou para a realização de sonhos. E em pouco mais de duas horas Haneke atropela toda essa crendice intangível ao destacar, sem papas na língua, que a morte vem a todos e raramente chega silenciosa. Confesso que nunca perdi um ente querido realmente próximo a mim, mas o impacto causado ao conferir este filme me tragou de forma tão forte que me vi incorporar a personagem de Trintignant, sentindo não apenas como seria acompanhar o definhar de minha companheira, como também de qualquer ente querido próximo, seja este filho, pai, mãe, irmão...

Apesar de simples, o roteiro concebido por Michael Haneke é incômodo, pois trata de certezas e estas nem sempre são boas. Aliado ao bom texto, estão dois estupendos atores, representantes da nata da Nouvelle Vague francesa, insertos em papeis ao mesmo tempo simplórios (afinal de contas representam um "simples" casal francês de classe média), complexos (a mudança de sentido na vida de ambos trata de incendiar novos paradigmas) e, sem sombra de dúvida, humanos. As composições de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva são simplesmente magnéticas, transparecendo amor e comprometimento mútuo da mesma forma que afastamento, repúdio e derrota, do olhar ao gestual, do tom de voz a movimentação. É certo que, por se tratar de um filme focado quase que totalmente apenas nestas duas personagens e tendo como cenário principal um apartamento, a abordagem cinematográfica e o ritmo da obra não poderia ser menos do que lenta, contemplativa. E até assim Haneke brilha, pois transforma cenas aparentemente simplórias em resultados tensos. Nunca uma conversa banal e previsível durante um café-da-manhã foi apresentada de forma tão angustiante quanto a apresentada em Amor. Sendo assim, juntando um roteiro composto por momentos de brilhantismo, uma dupla central de atores afinados e apresentando um desempenho irretocável e um diretor talentoso, porém absurdamente discreto e contemplativo na forma de filmar (pelo menos neste filme) não poderíamos ter menos do que uma grande obra, que certamente continuará a ser lembrada, discutida, vista e apreciado por muitos anos em diante. 

Mais que um estudo de personagens, Amor é um alerta à imprevisibilidade da vida e, principalmente, a perecibilidade da mesma. Filme contundente, que expõe suas personagens a constatações que qualquer um de nós conhecem, mas que mesmo assim insistimos em ignorar, a negatividade de Amor nunca ressoa gratuita ou desprestigia o poder deste sentimento, que por sinal é importantíssimo durante a jornada passada pelo casal e ainda mais durante seu desfecho, até por que este sentimento nunca encontrou definição própria, muito menos foi formalizado (ou formatado), sendo assim sentido e abstraído por cada um de nós de maneira ao mesmo tempo similar e distinta. Sabemos o que amamos e o que não amamos, mas nunca como amamos e por que não mais amamos. Muitos comentam que o verbo amar requer ação, não palavras. Caso estes estejam corretos, possivelmente encontrarão ecos deste achismo nesta obra triste, porém verdadeira e crível, do austríaco Michael Haneke.

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30 março, 2013

A Origem dos Guardiões (Rise of the Guardians, EUA, 2012).


Poderia definir A Origem dos Guardiões como um ótima surpresa. Não por que esperasse um filme ruim, mas sim por não esperar um tão bom, tanto no âmbito técnico quanto em termos de construção e narrativa. É certo que os elementos que corroboram a hoje tão difundida jornada do herói estão todas no filme e este não é dos mais inovadores na concepção e posterior caracterização de suas personagens, contudo a sensibilidade aplicada à produção e o equilíbrio apresentado entre senso de aventura, espectros de humor e a inserção de metáforas ao mesmo tempo complexas e acessíveis, sendo estas possivelmente compreensivas tanto as crianças quanto aos adultos. 

Dirigido por Peter Ramsey, baseado em duas obras de William Joyce e adaptado às telas pelo dramaturgo David Lindsay-Abaire (Reencontrando a Felicidade), A Origem dos Guardiãos apresenta uma história heroica e bastante dinâmica, mas nunca apelativa ou moralista, muito pelo contrário, pois tem em seu vilão - o Bicho Papão, que aqui ganha a voz de Jude Law (Anna Karenina) - uma figura bastante trágica e complexa, que até mesmo em seus momentos derradeiros desperta certa "simpatia" do espectador (a bem verdade sua composição me fez lembrar bastante Loki, dos filmes Thor e Os Vingadores). Os guardiões título também são apresentados de maneira equilibrada, ganhando maior destaque o Papai Noel (voz de Alec Baldwin, de Rock of Ages), o Coelhinho da Páscoa (voz de Hugh Jackman, de Os Miseráveis) e, surpreendentemente, o mudo Sandman (ou Sandy, como é chamado pelos amigos), que mesmo sem emitir um som sequer sagra-se como a persona mais carismática do filme. Apesar destes terem grande espaço e não serem mal utilizados em momento algum, o grande destaque da obra (ao lado do vilão) é o protagonista (e, de certa forma, a outra face da moeda em comparação ao Bicho Papão) Jack Frost (Chris Pine, de Star Trek).

Apesar de lidar de forma incisiva com o aspecto lúdico e estar inserto quase que totalmente em um contexto de fantasia, as metáforas aplicadas em A Origem dos Guardiões não poderiam ser mais próximas ao nosso entorno. Saindo um pouco do eixo simplista do bem contra o mal (que, por sinal, existe no filme), o grande barato desta animação da Dreamworks talvez resida na forma com que ela lida com temas como destino, falta de identidade, busca de "um lugar ao sol" e isolamento, culminando na batida (e sempre presente) segunda chance, mas não de forma simplista, até por que cada escolha, "boa" ou "ruim" traz consigo consequências. Vem daí então minha fixação pelas personagens Jack Frost e Bicho Papão, pois estas, apesar das decisões contrárias e dos caminhos distintos, são extremamente parecidos, tanto é que do início ao fim há um misto de atração e afastamento entre ambos, justamente pela similitude de suas essências, porém com polos distintos, assim como os lados opostos de um ímã.

O que destacar do filme no âmbito técnico? Sinceramente não percebo distinção em termos de qualidade em animação entre este e Valente, da Disney/Pixar (apesar do segundo ter recebido muito mais badalação em relação aquele). A fotografia de A Origem dos Guardiões é deslumbrante (é óbvia a influência do consultor de luxo Roger Deakins, recentemente indicado ao Oscar por seu trabalho em 007 - Operação Skyfall, no apuro visual do longa), o trabalho de vozes do elenco é um dos melhores já feitos nos últimos anos e a música de Alexandre Desplat (Argo, Moonrise Kingdom), se não apresenta nenhum tema que marque de imediato, pontua muito bem os climas propostos pela obra e ajuda a fortalecer as personalidades das personagens do filme. Por fim, mas não menos importante, destacaria o trabalho de direção de Peter Ramsey, que mesmo iniciando aqui sua carreira como diretor de animações para cinema, já apresenta um estilo maduro e coerente.

É certo que A Origem dos Guardiões não é uma obra perfeita, especialmente pelo fato de sua resolução soar um tanto apressada e ganhar um viés excessivamente maniqueísta, acabando assim por sabotar um pouco a coerência narrativa da obra, que vinha se apresentava bastante apoiada nos caminhos abraçados pelas personagens de Chris Pine e Jude Law, mas possui bastante força e coerência em seu conteúdo, além de ser bastante rica em significados, sem deixar de servir como entretenimento e desbunde visual. Com isso, é uma pena que esta animação não tenha sido abraçada de forma calorosa pelo público, o que acabou tornando-a apenas um sucesso mediano de bilheteria. Grana a parte, por um lado isto pode ser visto de maneira positiva, pois só assim as chances de uma sequência tornam-se menores, o que engrandece ainda mais ao filme, pois este funciona à perfeição sozinha, sem prelúdios ou sequências. Sendo assim, seja você criança ou adulto, não deixe a desconfiança se apoderar, assim que tiver uma oportunidade, se entregue a A Origem dos Guardiões sem medo, possivelmente irá te surpreender (positivamente).

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24 março, 2013

Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, EUA, 2012).


Um dos filmes indicados ao Oscar de melhor filme em 2012, Indomável Sonhadora é uma obra bastante peculiar, dona de uma narrativa própria, criatividade e charme. Agarrada na performance arrebatadora da garotinha Quvenzháne Wallis e na mistura de fábula e choque social de sua trama, tenho pra mim que, apesar de bem realizado e bonito de se ver, a obra não desperta tanto furor ou possui a ambição de um Oscar, tendo um hype maior do que sua força natural. De maneira alguma classifico o filme como ruim, pois mesmo possuindo alguns problemas de montagem e uma fotografia no mínimo questionável - particularmente não gostei do excesso de tomadas em handycam adotadas por Ben Richardson -, é óbvio que este é bem amarrado e muito bem finalizado, ainda mais tomando em conta o fato do mesmo ser uma produção de baixíssimo orçamento, realizado de forma independente e sem nenhum grande astro na frente ou por trás das câmeras.

É óbvio que parte da inspiração do diretor Benh Zeitlin na construção da fábula Indomável Sonhadora partiu de um olhar acerca das comunidades periféricas do sul dos Estados Unidos, especialmente das regiões cortadas por lagos e mares, que em sua maioria vivem à margem das políticas públicas e sociais do governo e que mais sofrem com a falta de infra-estrutura, falta desenvolvimento e acesso à educação, além das catástrofes naturais (a "tormenta" tem papel de destaque no filme, o que parece ser referência direta a tragédia ocorrida no estado de Nova Orleans há alguns anos), mas retratada através de um filtro, que expõe as situações calamitosas do povo de "Bathtub" (Banheira) de forma estilizada e um tanto fantasiosa, justamente por sua narrativa ser conduzida através dos olhos da pequena Hushpuppy (Wallis). Maior trunfo e ao mesmo tempo sua fragilidade, o excesso de estilização quanto ao modo da garota enxergar sua realidade pode acabar gerando alguns ruídos na absorção das informações emitidas pelo filme, especialmente quando entram em cena seres como os auroques (espécie de bovino, que no filme é transmutado com um porco gigante, possuidor de imensos chifres), certamente uma alusão à imaginação fértil de Hushpuppy, mas o seu mérito narrativo pode ser caracterizado como duvidoso, justamente por ter o potencial de causar mais confusão do que esclarecimento.

O fato do filme ser quase que totalmente captado com câmera de mão e apostar muito no treme-treme da imagem, ao meu ver, tira um pouco do brilho estético tão promissor do mesmo, acabando por cansar um pouco o espectador, mesmo que a obra tenha uma metragem relativamente curta e uma montagem bastante dinâmica. Certamente esta opção de filmagem não diminui a obra como um todo, mas acaba destacando mais se lado "amador", em detrimento de sua aura profissional. Indomável Sonhadora, apesar de bem resolvido e das ótimas inferências metafóricas - bastante perspicazes, por sinal, ainda mais se levarmos em conta que tal obra foi construída por um cineasta ainda em formação, que apresenta aqui seu primeiro longa-metragem -, acaba gerando certa confusão desnecessária, muito devido ao possível excesso de informações contidas no filme, mesmo que em sua maioria sejam de caráter subjetivo.

Um ótimo estudo estético acerca de um grupo de pessoas marginalizadas, captado sob o ponto de vista da pequena Hushpuppy, Indomável Sonhadora serve como prova de que sempre existem possibilidades de inovar dentro da ciência cinematográfica, seja através da forma ou da abordagem, desde que haja criatividade e coerência nestas. Sinceramente, não destacaria este filme como um dos melhores de 2012, muito menos o indicaria ao Oscar (talvez apenas na categoria concernente a roteiro) - a interpretação de Wallis foi bastante celebrada, tanto que a garota acabou abocanhando uma indicação ao prêmio de melhor atriz, mas apesar de reconhecer o ótimo trabalho de composição da pequena, acredito que houveram interpretações ainda melhores -, mas nem por isso o grande vencedor do prêmio do Juri no Festival de Cinema de Sundance e da Câmera de Ouro em Cannes deixa de ser um bom filme, pois sagra-se tocante, agradável de se ver e bastante conscientizador, mesmo que seu perfeito entendimento possa soar nebuloso àqueles mais afeitos ao desbunde visual e desatentos as questões críticas elencadas pelo filme.

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22 março, 2013

Filadélfia (Philadelphia, EUA, 1993).


Prestes a completar vinte anos, Filadélfia, de Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes), permanece como um dos filmes mais importantes a tratar de preconceito aos portadores do vírus HIV, especialmente pelo furor causado à época do seu lançamento, quando a cultura segregadora era dominante e os avanços científicos quanto ao tratamento da doença eram paupérrimos. É certo que o filme cumpre muito bem seu papel de retratar a visão majoritária a tona no final dos anos 1980, início dos 1990, mesmo que o enredo em si não apresente grandes novidades ou desdobramentos imprevistos. Seguro e conscientizador, Filadélfia põe o dedo na ferida, mas o faz com certo pudor, até por que trata de um tema que ainda se encontrava em desenvolvimento.

Coroado no Oscar com os prêmios de melhor ator (Tom Hanks) e melhor canção original (Streets of Philadelphia, de Bruce Springsteen), certamente estes dois prêmios representam os maiores destaques do filme, que apresenta uma atuação inspirada, doce e poderosa de Hanks (quem imaginaria que o ator boa praça comporia tão bem uma personagem com tamanha complexidade e nuanças?), que investe mental e fisicamente na personagem, estabelecendo tiques sutis e um modo particular deste se comportar. Realmente a premiação foi merecida. Quanto à canção de Springsteen, apesar de dona de uma melodia simples (porém cativante), sua letra mescla objetividade/urgência com uma melancolia e universalidade primorosas, resumindo de forma cabal não apenas o drama vivido pela personagem de Tom Hanks (A Viagem), mas especialmente da condição do soropositivo em um realidade quase que totalmente inóspita e preconceituosa.

Apesar de carregado e eficiente, o roteiro escrito por Ron Nyswaner (O Despertar de uma Paixão) peca pela falta de ousadia, de um certo tempero que trouxesse certa imprevisibilidade à trama. Como discurso social o mesmo funciona a contento, contudo a distinção entre heróis e vilões, entre bonzinhos e mauzinhos, desde o início do filme, torna a experiência cinematográfica um tanto quanto manipulativa. Não que haja problema em tentar convencer o espectador de quem representa, aos olhos dos feitores da obra, o ideal, o justo, porém, neste sentido talvez tenha faltado um cuidado maior na construção do roteiro, que cumpre bem seu papel e não atrapalha o prosseguimento da trama, mas fica a impressão de que falta algo.

Bastante apoiado em seu elenco, que conta com coadjuvantes de luxo do porte de Jason Robards (Todos os Homens do Presidente) - um tanto quanto subaproveitado -, Mary Steenburgen (De Volta Para o Futuro Parte III), Joanne Woodward (As Três Máscaras de Eva), além de um jovem Antonio Banderas (A Pele Que Habito), Filadélfia registra a competência de Jonathan Demme na direção de atores, que é mais do que notada na condução dos protagonistas Tom Hanks e Denzel Washington (O Voo) - este, por sinal, bastante centrado em seu papel-suporte ao primeiro.

Afora certa fragilidade de seu roteiro, não há grandes queixas quanto a Filadélfia como obra cinematográfica, pois a mesma é muito bem construída visualmente (Tak Fujimoto, diretor de fotografia, está de parabéns), dirigida com inspiração por Demme, conta com atuações marcantes de seu elenco, especialmente as de Hanks e Washington e registra o escopo social de um período certamente próximo do atual, mas que, pelo menos aparentemente, foi superado. Certamente no âmbito de políticas públicas e  nos avanços da medicina, nos afastamos bastante daquela realidade incerta de duas décadas atrás, todavia o mácula social não foi plenamente exorcizada, visto as comumente

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17 março, 2013

Curvas da Vida (Trouble With the Curve, EUA, 2012).

"O que quer que a vida joga em você" (Livre tradução da frase disposta no poster do filme).
Uma coisa é certa: sem a presença de Clint Eastwood (Menina de Ouro), Curvas da Vida não passaria de um filme insosso. Não que no geral o filme seja grande coisa, mas a força e o carisma do veterano ator dão um gás à obra, transformando-a de previsível e até certo ponto burocrática numa experiência levemente agradável, especialmente para os amantes de beisebol e dramas familiares de reencontro. Co-estrelado pela ótima Amy Adams (Na Estrada) e por um esforçado Justin Timberlake (O Preço do Amanhã), este drama esportivo dirigido pelo estreante Robert Lorenz é uma filme bacana, cujo roteiro (a cargo do também estreante Randy Brown) não prima por trazer novidades ou reviravoltas, mas que se destaque pelo poder de fogo de seu elenco.

Pouco visto à época de seu lançamento e visto com ressalvas pela crítica especializada, Curvas da Vida demora um pouco para envolver o espectador e tem alguns problemas de narrativa, especialmente na figura da personagem de Timberlake, que surge bem, mas não possui tamanha importância ao cerne do que a história quer contar. É sempre bacana ver Eastwood trabalhando como ator, porém, apesar do seu grande carisma (e prazer em atuar), alguns cacoetes e atitudes compostas para seu personagem (o olheiro Gus Lobel) são parecidas demais com as dos últimos papeis do ator, especialmente com a de seu personagem no filme Gran Torino. Certamente a aura de Eastwood suplanta qualquer sentimento de "já vi isso antes", mas fica a sensação de que a personagem poderia ter tido uma abordagem um tanto distinta da apresentada. A bem verdade, a impressão que se dá é que faltou pulso e comando ao diretor de primeira viagem (e amigo de Eastwood) Robert Lorenz e ousadia por parte do ator. É óbvio que nada disso chega a estragar o filme, mas o sentimento de "e se" fica.

O elenco de apoio de Curvas da Vida é bem bacana, pois conta com John Goodman (O Voo), Robert Patrick (Protegendo o Inimigo) e o "renascido" Matthew Lillard (Os Descendentes) em papeis pequenos, mas conduzidos com competência. Cinematograficamente falando, o filme de Lorenz não desperta muita atenção, até por que aposta no "arroz com feijão" da trama de reencontro sentimental entre pai (Eastwood) e filha (Adams) e a possível passagem do bastão daquele a esta, mas cumpre sua função de entreter, apesar da previsibilidade e desinspiração do roteiro (o que não deixa de ser engraçado, visto que o ponto-chave da obra é inspirar). Forte por seus atores e frágil pela obviedade da trama, Curvas da Vida não pode ser tido como um filme ruim, mas não chega perto de ser imperdível. Um drama leve de final de semana, vale conferi-lo pelo carisma carrancudo de Eastwood e demais membros do elenco.

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16 março, 2013

Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (EUA, 2012).

"Ela está fora de sua mente" (Livre tradução da frase disposta no cartaz do filme).
Há tempos não assistia a um filme tão simbólico e emocionante, mas ao mesmo tempo metafórico e criativo quanto este Ruby Sparks - A Namorada Perfeita (mais um subtítulo reducionista posto pelos experts do cinema no Brasil), da dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris (Pequena Miss Sunshine). Tendo por base o roteiro da jovem Zoe Kazan (neta do mestre Elia Kazan e também co-protagonista do filme), o filme temo como premissa a ideia da construção da mulher ideal, aos olhos de Calvin Weir-Fields (Paul Dano, de Sangue Negro), escritor bem-sucedido no âmbito profissional, mas que possui uma alma atormentada por um romance mal sucedido, bloqueios mentais e vários níveis de insegurança. Espelho de uma geração cada vez mais independente e individualista (para não dizer controladora e arrogante), porém consequentemente menos segura de si, Calvin canaliza aqui ações e pensamentos que certamente ecoam pela mente de muitos daqueles categorizados como membros da geração Y (eu incluso), de forma positiva ou negativa. Sua relação com a "garota imaginária" (Kazan) é de uma inspiração ímpar, mesmo que longe de ser considerada original.

Podendo ser considerado como um parente de filmes como Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry e Mais Estranho Que a Ficção, de Marc Forster, com uma pitada dos Antes do Pôr do Sol e Antes do Amanhecer, de Richard LinklaterRuby Sparks (basta o título original) consegue soar divertido, emocionante, surreal e dramático sem excessos ou falta de direcionamento, muito disto graças ao brilhantismo do roteiro de Kazan, que soa maduro e coeso do começo ao fim. A sensibilidade e técnica da dupla Dayton/Faris na direção também engrandecem o filme, que tem como cereja do bolo a química e competência da dupla protagonista, formada pelos namorados na vida real, Paul Dano e Zoe Kazan.

Para mim, resumir a trama de um filme através de uma sinopse é uma responsabilidade enorme, pois a possibilidade de estragar a percepção do espectador após a leitura daquelas poucas linhas é muito grande, ainda mais quando a essência do filme reside num misto de ambientação e subjetividade, como é o caso deste Ruby Sparks. Portanto, abdico do compromisso de relatar um resumo da trama do filme, apenas registro que o coração da obra reside no desenvolvimento do relacionamento entre as personagens de Dano e Kazan e suas complexidades e idiossincrasias, verdadeiras ou não.

A questão da "fantochenização" dos indivíduos, da tentativa de se obter o controle total de seus pares e até mesmo de formatar a companheira ideal são temas que perpassam o filme, porém este também do amor como símbolo de autorrealização, encontro consigo mesmo, transcendência e completude. Dessa forma é impossível não elogiar o trabalho de condensação de Kazan na construção do roteiro, visto que, apesar de utilizar uma fórmula simples e trabalhá-lo de forma bastante objetiva, a riqueza de significados contida neste é digna de gênio, daí minha lembrança aos filmes de Gondry e Forster, citados mais acima.

Apesar de ser uma obra que galga destaque devido à força de seu roteiro e ao carisma e talento de Paul Dano e Zoe Kazan, é inegável que a técnica do filme também se destaca, especialmente a fotografia composta por Matthew Libatique (Número 23), a trilha sonora de Nick Urata, que alterna discrição e força durante os momentos de maior emoção do filme, além da direção da dupla responsável pelo também gostoso de se ver Pequena Miss Sunshine.

É certo que Ruby Sparks pode ser considerada uma pequena obra-prima, daquelas que possivelmente despertarão reações distintas em cada uma das pessoas que a conferirem, pois além de se tratar de uma obra bastante apoiada na fantasia e no deslumbramento, investe bastante no poder simbólico e nos signos para narrar a história de um jovem afundado em mágoas que só desejava uma única coisa: encontrar uma pessoa para amar e ser amado. Dito assim parece óbvio, mas em Ruby Sparks nada é como deveria ser, portanto se prepare para abstrair bastante e, certamente, se emocionar um bocado. Com isso não digo que este filme provocará lágrimas constantes, longe disso, mas certamente provocará sérias (ou felizes) reflexões acerca da necessidade e das motivações que envolvem um relacionamento amoroso.

Obs.: As participações de Antonio Banderas (A Pele Que Habito) e Annette Benning (Pacto de Justiça) são enriquecedoras, especialmente a do primeiro, pela "diversão" proporcionada pelo personagem do mesmo.

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10 março, 2013

Anna Karenina (ING, 2012).


Visualmente arrebatador, esbanjando criatividade e dono de uma trilha sonora praticamente colada a narrativa, Anna Karenina, a mais recente adaptação cinematográfica da celebrada obra de Leon Tolstói pode ser considerada como um grande acerto estético, mas que infelizmente deixa a dever um pouco na fluência de sua narrativa. Dirigido com esmero e óbvia dedicação pelo britânico Joe Wright (Desejo e Reparação), o filme esbanja criatividade, pois emula com capricho a dinâmica teatral, sem que com isso perca a unidade cinematográfica. Chega a ser "mágico" acompanhar as bem boladas mudanças de cenários enquanto as personagens desfilam em tela, além do encaixe das coreografias, dos efeitos sonoras e, principalmente, da trilha de Dario Marianelli (V de Vingança) à narrativa do filme. 

Contudo, apesar do visual primoroso, o roteiro de Tom Stoppard (Shakespeare Apaixonado) não impressiona, pois reduz bastante a complexidade das personagens - especialmente do trio de protagonistas, Anna Karenina, Alexei Karenin e Alexei Vronsky, interpretados por Keira Knightley (Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra), Jude Law (A Invenção de Hugo Cabret) e Aaron Johnson (Selvagens) - e não convence totalmente o espectador quanto ao surgimento do amor incondicionado sentido por Karenina e Vronsky. A questão social (divórcio) à época ambientada é bem pontuada, mas certamente poderia ter um desenrolar ainda mais profundo, visto que seu insumo vem de uma obra literária considerada por muitos como uma das mais notáveis da história. Com isso não digo que o trabalho de Stoppard foi mal sucedido, apenas que sagrou-se mediano, visto a potencialidade que tinha em mãos. E, comparado ao trabalho visual do filme, realmente o roteiro deixa bastante a desejar.

O elenco, apesar do roteiro apagado, se sai muito bem, até mesmo a comumente criticada Keira Knightley, que continua a utilizar as caras e bocas como muleta de interpretação, mas estas parecem se encaixar a psiché definida à sua personagem. Law e Johnson surgem bem caracterizados, porém sem tempo (ou espaço) suficiente em tela para apresentarem algo mais do que correto. Todavia, apesar de também aparecer pouco, Matthew Macfadyen (Os Três Mosqueteiros) se destaca em relação aos dois citados, não pela importância de sua personagem à trama (que, a julgar pelo filme, é quase nula, pois serve apenas como elo entre algumas personagens), mas sim pela função de alívio cômico da mesma, amplificada pela composição canastra do ator inglês. O longa conta ainda com as pontas de Emily Watson (Cavalo de Guerra), Kelly Macdonald (Má Companhia) e Olivia Williams (O Escritor Fantasma).

Já que a parte estética do filme é sobressalente as demais, é impossível não destacar a concepção visual e sonora do mesmo. Sendo assim, realizam um trabalho soberbo Sarah Greenwood (desenho de produção), Niall Moroney (direção de arte), Katie Spencer (decoração) e Jacqueline Durran (figurinos), além do diretor de fotografia Seamus McGarvey (Precisamos Falar Sobre o Kevin), que explora ao máximo a luz como ferramenta narrativa do filme. Não à toa alguns destes acabaram por receber indicações a premiações como Oscar e Globo de Ouro, tendo Durran faturado a estatueta do primeiro. Fechando o arcabouço estético do filme encontra-se a excelente trilha sonora composta por Dario Marianelli, que realiza um efeito de amálgama entre música, efeitos sonoros e sonoplastia teatral, sendo assim uma ferramenta essencial a ambição narrativa proposta por Joe Wright e se sai muito bem nesta função.

Adaptar grandes cânones artísticos a outra mídia é sempre complexo, ainda mais quando a obra original possui particularidades que não necessariamente mostram-se presentes em nossa realidade atual (costumes, ideologias etc.), o que certamente gerará ruídos a esta plateia. Portanto, adaptações são necessárias, mas estas devem ser feitas com cuidado, para que a essência contida na obra original não seja perdida, o que parece ter acontecido nesta versão 2012 de Anna Karenina. Não li a obra, mas li um pouco sobre ela e confesso a vocês que, a julgar por este filme, não senti grandes questionamentos acerca do contexto social da Rússia czarista, visto que a dor e o romance são mais explorados pelo filme do que os por quês que as envolvem. Em suma, Anna Karenina é um bom filme, dono de um visual arrebatador, trilha sonora marcante e uma direção inspirada, mas que não desperta sensações afora a empatia estética, quando a outra metade - a ética - deveria ser tão explicitada quanto aquela.

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O Exótico Hotel Marigold (The Best Exotic Marigold Hotel, ING, 2011).

John Madden (Shakespeare Apaixonado) nunca mostrou-se um diretor excepcional - e sua carreira deveras irregular só atesta esta assertiva -, mas é certo que possui bons trabalhos, mas talvez nenhum destes seja tão leve, divertido e recheado de metáforas quanto o inesperado sucesso de bilheteria o Exótico Hotel Marigold, uma comédia de costumes focada na terceira idade (para os politicamente corretos, melhor idade), ambientada em um cenário bastante inusitado: a hiperativa Índia.

A bem verdade o roteiro de O Exótico Hotel Marigold - a cargo de Ol Parker - é bastante simplório, tendo alguns momentos de apurado brilhantismo (especialmente pela coragem do arco do personagem de Tom Wilkinson e pela presença de metáforas e mensagens até certo ponto riquíssimas acerca das nuances da velhice, suas causas e consequências, especialmente no aspecto subjetivo), mas acaba por gerar em suma um filme leve, divertido, que apesar de ser carregado de clichês (agora aplicados a um público pouco abraçado pelo cinema), não ofende ou desconfia da inteligência do espectador. 

Uma coisa é certa: caso não tivesse um elenco tão bom (e disposto), este filme não resultaria tão interessante e divertido. Nomes como Judi Dench (007 - Operação Skyfall), Bill Nighy (O Vingador do Futuro), Maggie Smith (franquia Harry Potter), Ronald Pickup (A Missão) - a bem verdade, uma espécie de John Hurt genérico -, Penelope Wilton (Orgulho e Preconceito), Celia Imrie (Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos), além do já citado Wilkinson, são os principais responsáveis pelo filme funcionar e, principalmente, manter o espectador interessado no porvir da história. Pode ser que o tom e a abordagem de O Exótico Hotel Marigold sagre-se um tanto novelesco, especialmente pela quantidade enorme de personagens "principais" (ou com verdadeira importância à trama) e pela exploração basicamente com turística da Índia, reconstruindo uma cultura milenar (e agitada) de forma a apenas condensar os estereótipos já bastante massificados mundo afora. Entretanto, apesar do convencionalismo, a fotografia Ben Davis (Kick-Ass - Quebrando Tudo) acerta na luz e nos enquadramentos, captando o óbvio de maneira bonita, o que certamente garantira ao fotógrafo um bom emprego como diretor de vídeos institucionais para o Governo da Índia. 

A jornada passada pelas personagens do filme seguem uma boa dinâmica, mesmo que algumas sejam demasiadamente óbvias, mas o carisma e força do elenco engradecem demais a obra, especialmente as performances inspiradas (e, por que não, inspiradoras) de Dench (a narradora da história), Nighy e Wilkinson. Destacaria também a composição de Dev Patel (Quem Quer Ser um Milionário?), que mesmo concentrada em caras e bocas, comprovam o carisma do jovem ator. Sua interação com os sexagenários (ou seriam septuagenários?) também é excelente, sendo a exploração esta química entre o elenco um dos grandes acertos do diretor John Madden.

Um filme gostoso de se assistir, mas que possui certos excessos e convencionalismos que o "impedem" (aos meus olhos) de se tornar uma grande obra (ou obra-referência), O Exótico Hotel Marigold pode ser considerado como uma boa surpresa, tanto como entretenimento, quanto como filme-mensagem, pois sua estrutura é formada por conceitos e ideias valiosas e importantes, apesar do carnaval de cores e do histrionismo vez ou outra empalidecer a essência conceitual da obra. Misto de auto-ajuda para a terceira idade com tratado sobre a liberdade do homem (em qualquer fase da vida), esta película aparentemente despretensiosa pode ser considerada como um dos melhores filmes de John Madden (quiçá seu melhor), o que (sinceramente) não é um mérito tão grande assim.

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07 março, 2013

A Negociação (Arbitrage, EUA, 2012).

"O poder é o melhor álibi" (Livre tradução da frase disposta no cartaz do filme).
A crise econômica de 2008 não cansa de inspirar obras cinematográficas, algumas de forma direta, outras apenas no contexto geral. No caso de A Negociação, de Nicholas Jarecki, o déficit econômico tem papel centra as estratégias e confusões abraçadas por Robert Miller, personagem de Richard Gere (Sempre ao Seu Lado), presidente e principal investidor de uma holding financeira, que planeja vendê-la a um rival, sem que o mesmo descubra que a empresa não anda assim tão bem das pernas. Ou seja, a bravata do filme é a velha sujeira por trás do mundos dos negócios e das grandes corporações. Porém, devido a abordagem primar pelo realismo e estar conectada com os acontecimentos pelos quais ainda passamos, a obra ganha em urgência e fidelidade, mesmo que lá e cá o exagero dramático dê as caras.

Muito se falou da interpretação de Gere, tanto que o ator acabou por abocanhar uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator pela mesma. Sinceramente, apesar do ator estar muito bem, considero um exagero tal citação, não pelo trabalho do ator em si (que é digno de palmas), mas pelo caminho que seu personagem trilha, conduzido pelo roteiro de Jarecki, que acaba enfraquecendo-o em determinados momentos. A bem verdade todo o conflito pessoal do personagem que não possuem ligação direta com seu lado business man travam um pouco o filme, especialmente por envolver o clichê ligação umbilical com a amante. Não que o roteiro não seja bem desenvolvido, mas a parte que enfoca esta problemática não se mostra tão interessante quanto a questão econômica e moral pautada pelo filme.

Cinematograficamente falando, A Negociação se apresenta como um filme bastante dinâmico e basicamente apoiado na qualidade do seu elenco - nomes como os de Susan Sarandon (O Óleo de Lorenzo), Tim Roth (Cães de Aluguel) e Brit Marling (Another Earth), apesar de não terem papeis muito expressivos à trama, esforçam-se bastante e fazem um trabalho notável -, já que o diretor e roteirista Nicholas Jarecki, apesar de competente, não emprega grandes recursos em sua direção.

Em suma, Jarecki e companhia constroem aqui um thriller dramático interessante, com um clima equilibrado de suspense e tensão, mas que peca por não abraçar ainda mais os dilemas ético-morais da personagem de Richard Gere como homem de negócios, além de abraçar de vez a questão da "bolha econômica" na qual o filme é ambientado. Entretenimento eficiente que não esquece de mostrar conteúdo, A Negociação passou um tanto despercebido enquanto estava em cartaz nos cinemas, mas tem tudo para fazer sucesso no conforto do lar.

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06 março, 2013

Pecados de Guerra (Casualties of War, EUA, 1989).

"Mesmo na guerra... assassinato é assassinato". (Livre tradução da frase disposta no cartaz oficial do filme).
Certamente os dois temas de bélicos mais abordados pelo cinema norte-americano são a II guerra Mundial e a guerra do Vietnã, tendo esta última uma enxurrada de títulos lançados na década de 1980, onde se destacam o reverenciado Nascido para Matar, de Stanley Kubrick e o oscarizado Platoon, de Oliver Stone. Porém, mesmo que pouco recomendado (a bem verdade, lembrado) e certamente o patinho feio entre os dois citados, Pecados de Guerra, do sempre interessante Brian De Palma (Carrie - A Estranha) encontra-se no mesmo patamar daqueles, tanto no âmbito de discurso (onde obviamente se posiciona como contrário a empreitada norte-americana em terras asiáticas, mesmo que sua abordagem possua maior eco no quesito moral, não no político) quanto no quesito técnico, área esta que De Palma domina com perfeição.

Menos dedicado a exploração de batalhas e mais focado nos questionamentos quanto ao "certo" e ao "errado" dentro do campo de batalha, o filme assinado por De Palma consegue condensar as incongruências da guerra pelo ponto de vista da moral do soldado comum de forma bastante objetiva, mas nem por isso menos profunda ou reveladora. Inspirado em eventos reais, o roteiro adaptado de David Rabe (A Firma) romantiza bem o dilema vivido pelo personagem de Michael J. Fox (De Volta para o Futuro), que se vê "preso" à armadilha dos soldados liderados pelo personagem de Sean Penn (21 Gramas), que por motivos (ignóbeis) decidem violentar uma vietnamita durante uma patrulha. O misto de tensão e agonia despertados pelas ações dos soldados é um dos grandes méritos do filme, especialmente quando acentuado pela trilha marcante de Ennio Morricone (Três Homens em Conflito) e o estilo particular de filmar de De Palma.

É interessante notar que alguns atores, hoje já estabelecidos, aparecem no filme em pequenos papeis, porém demonstrando possuir talento e carisma, como John C. Reilly (Precisamos Falar Sobre o Kevin), John Leguizamo (Moulin Rouge - Amor em Vermelho) e Ving Rhames (Vivendo no Limite), apesar de bem jovens. Geralmente uma das grandes forças que destacam um bom filme de (ou ambientado na) guerra é a qualidade de seu elenco, aspecto este que Pecados da Guerra confirma. Apesar dos três citados surgirem bem em seus papeis, o destaque do filme não poderia deixar de ser a dupla principal, onde surpreendentemente Fox rouba o filme de Penn (alguém discorda que este é um ator muito mais completo e complexo - que o primeiro?), talvez pelo fato de Fox encontrar-se num papel diferente de sua zona de conforto (o que exigiu do ator um esforço ainda maior) e do arquétipo do personagem de Penn ser, em resumo, o do bad boy porra-louca. 

Muito bem conduzido, possuidor de um discurso bem arranjado, que inclusive extrapola o âmbito da realidade da guerra e ainda válido como debate hoje, Pecados da Guerra é mais uma das boas obras de Brian De Palma que não obtiveram êxito à época de seu lançamento (crítica e bilheteria) e mantém-se pouco debatida até hoje. Contudo, apesar deste esquecimento, o filme merece ser redescoberto e reafirmado como um dos grandes a tratar do imbróglio do Vietnã, especialmente por manter foco em um ângulo pouco abordado pelos filmes do gênero, que muitas vezes preferem abordar o frenesi da guerra, em detrimento do sentido da mesma. Pecados de Guerra pode não ser o filme referência quando o assunto é Guerra do Vietnã, mas certamente é um dos mais competentes a tratar de um episódio presente naquele conflito.

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03 março, 2013

O Imposssível (Lo Imposible, ESP, 2012).


Apelativo? Excessivamente melodramático? Forçosamente angustiante? Literalmente "dedo na ferida"? Certamente O Impossível, filme que retrata a tragédia ocasionado pelo tsunami de 2004 no continente asiático (oceano índico), encaixa-se positivamente em todas essas assertivas. Contudo, o filme - ao meu ver - nunca é gratuito, seja no retrato da ação da natureza e suas consequências óbvias, seja no drama particular dos cinco membros que formam a família  Bennett. A grosso modo, arriscaria dizer que em termos de fórmula não há muita diferença entre a abordagem de O Impossível em comparação as obras-catástrofe de Roland Emmerich - à exceção do slogan "inspirado em eventos reais", que não existe nos filmes deste -, pois o cerne de acompanhar a luta pela sobrevivência a uma macrotragédia é basicamente o mesmo, entretanto, a sensibilidade e direção do espanhol J. A. Bayona (O Orfanato) dão um ganho notavelmente superior ao filme, que choca, sensibiliza e arranca lágrimas de maneira mais orgânica, urgente e sincera. Com isso não quero dizer que o filme não apela em momento algum, pois o mesmo o faz, contudo há equilíbrio na obra, que no final das contas pode ser metaforizada como uma faca de dois gumes, pois possivelmente provocará rios de lágrimas em alguns, como também ojeriza e afastamento em outros. O filme é polêmico, gerador de discussões e possivelmente não necessário (será?), mas inquestionavelmente brilhante tecnicamente.

A escolha de Bayona em optar pela escalação de atores britânicos para interpretarem as personagens originalmente espanhóis não me incomodou, até por que no filme pouco é mostrado do passado destas e seus nomes são substituídos por outros em inglês (pelo menos o "sobrenome"). Sendo assim, tanto Naomi Watts (21 Gramas) quanto Ewan McGregor (Sentidos do Amor) não apenas se encaixam com perfeição em seus respectivos papeis (interpretam marido e mulher), como também dão um ganho a mais aos mesmos,  devido a suas qualidades como atores. Dito isto me causa estranhamento a indicação única de Watts ao Oscar de atriz (entre outras premiações) enquanto McGregor foi deixado de lado, pois para mim há uma perfeita simetria nas atuações de ambos e não me incomoda este posicionamento de "eclipsar" um em detrimento do outro. Porém, apesar de ambos estarem muito bem em seus respectivos papeis e funções, não senti justiça na nomeação do Oscar a primeira, talvez por não achar que a interpretação tivesse a "força" do prêmio. Enfim, o que importa destacar é que o filme ganha bastante não só devido a presença de Watts e McGregor, mas também dos garotos que interpretam seus filhos, especialmente o mais velho, construído de forma equilibrada entre controle e emoção pelo talentoso Tom Holland.

Longe dos alicerces hollywoodianos, O Impossível é um produto inteiramente "made in españa" e, por isso mesmo, já merece os mais calorosos aplausos, pois nos quesitos produção e técnica o filme é espetacular. Efeitos visuais, especiais e de som primorosos, belíssima fotografia (Óscar Faura, de Alexandria), além de uma direção muito bem cuidada  a cargo do talentoso J. A. Bayona. Some-se isso ao ótimo elenco e ao roteiro, se não surpreendente, bem formatado por Sergio G. Sanchéz (inspirado na história real de María Belón) e temos aí um grande espetáculo cinematográfico, que reconta uma tragédia com um misto de sujeira e "realidade" somado a uma sensibilidade (e sensibilização) particular, o que como já dito, agradará alguns e torcerá o nariz dos demais. Todavia, apesar da estética apurada e do valor de produção agregado, alguns elementos do filme não me agradaram, como algumas tomadas excessivamente expositivas elaborados por Bayona e Faura, no que se refere à tentativa de emular arte através de composições perfeitas de corpos e paisagens devastadas (a impressão que dá é de que ambos tentaram emular o escopo de uma moldura, o que resulta mais apelativo do que o necessário). Também me incomodou bastante a obviedade da trilha sonora de Fernando Velázquez (Os Olhos de Júlia), que surge de forma excessivamente invasiva, querendo reforçar a todo custo o impacto emocional já sentido pelo espectador, gerando assim sacarose em demasia, tornando uma cena de cunho sensível num espetáculo de pesar. A grosso modo lembra a estratégia dos filmes recentes da dupla Steven Spielberg / John Williams, como o choroso Cavalo de Guerra.

Tecnicamente primoroso e essencialmente polêmico, O Impossível é um filme-catástrofe em essência, mas que enfoca muito mais no coração do que no espetáculo, o que acaba colocando-o num patamar distinto em relação aos demais títulos do gênero. Certamente não é um filme perfeito - muito devido a óbvia dificuldade de se abraçar um tema tão particular e que desperta sentimentos diversos -, especialmente por ultrapassar a linha tênue entre equilíbrio e exagero em alguns (poucos) momentos, porém resulta valoroso e presta tributo, se não as vítimas da tragédia como um todo, a família que serve de inspiração ao filme. Cinema é inspiração e transpiração e, no caso de O Impossível, o que mais permanece é o sabor de inspiração e pesar.

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