31 outubro, 2013

O Grande Gatsby (The Great Gatsby, EUA/AUS, 2013).


Não aprecio muito o trabalho do diretor Baz Luhrmann (Romeu & JulietaMoulin Rouge - Amor em Vermelho, Austrália), nunca tive curiosidade em ler F. Scott Fitzgerald, nem gosto de novelas ou tramas novelescas, mas devo admitir que achei O Grande Gatsby, mais recente adaptação da celebrada obra de Fitzgerald, um filme interessante, que mesmo entre acertos e enganos funciona bem, muito graças ao apuro estético do quase sempre exagerado Luhrmann (sim, ele comete alguns excessos aqui) e ao empenho do elenco, que consegue dar um mínimo de coerência a uma trama, digamos, pouco profunda (fato!). Há todo um simbolismo por trás do filme (acredito que da obra literária também) e este talvez seja seu maior trunfo, o que o faz sair do lugar comum, ir além do repetitivo carnaval de cores comandado por Luhrmann.

Possuidor de um elenco estelar, encabeçado pelo sempre competente Leonardo DiCaprio (A Origem, Django Livre) como Jay Gatsby e completado por nomes como Tobey Maguire (Desconstruindo Harry), Carey Mulligan (Shame), Joel Edgerton (A Hora Mais Escura), Jason Clarke (Os Infratores) e Isla Fisher (A Origem dos Guardiões),  a obra chama a atenção de imediato pela boa presença em cena destes, especialmente quando devidamente caracterizados como (à exceção de Clarke e Fisher) membros da elite novaiorquina do início do século XX. Em sua maioria, o elenco aposta numa caracterização de personagens mais próxima à caricatura, tendo apenas DiCaprio uma postura mais próxima ao realismo, mesmo que vem ou outra acompanhemos um desempenho um tanto surtado do mesmo, o que remete a outros célebres personagens do astro, como O Aviador ou Ilha do Medo. Infelizmente falta um pouco de brilho à interpretação de Carey Mulligan, mas sua personagem, Daisy Buchanan, apesar da relevância tem tão pouco tempo em cena que esta falta de química entre ela e DiCaprio não incomoda tanto. Já Tobey Maguire surpreende bastante, dando uma substância inesperada a seu Nick Carraway, primo de Buchanan e "amigo" de Gatsby. A bem verdade reside no personagem dele e no Gatsby de DiCaprio os maiores atrativos do filme, já que são estes os responsáveis pelo andamento da trama.

O texto do filme ficou a cargo de Luhrmann e seu parceiro desde Vem Dançar Comigo, Craig Pearce e o mesmo carrega boas e más escolhas. No âmbito narrativo ele se mostra interessante, inclusive contendo alguns diálogos formidáveis - diálogos estes criados pela dupla ou aproveitados do romance original, não saberia dizer - e um bom desenvolvimento de personagens (para uma novela de época, claro), porém, as tendências "modernosas" do diretor continuam a me incomodar, pois ao meu ver não servem a narrativa proposta, muito pelo contrário, tiram o espectador do filme, o que ao meu ver é no mínimo incoerente. Complementam esta tendência "modernosa" de Luhrmann a inclusão de canções contemporâneas pelo compositor Craig Armstrong (O Preço do Amanhã), que sedimentam o sentimento de expulsão por parte do filme. Tal opção mostra-se até bem vinda nos filmes Romeu & Julieta e Moulin Rouge - Amor em Vermelho, mas aqui (pelo menos para mim) não funciona.

Se o estilo Luhrmann teima em tirar parte do brilho próprio da adaptação da obra máxima de Fitzgerald, o aparato estético do filme o recompõe. Direção de arte, figurinos, maquiagem, fotografia e efeitos visuais encontram-se brilhantes, sendo prejudicados apenas quando o diretor opta por "inovar" ao apresentar enquadramentos com ângulos estranhos ou se excede na "modernização" de seus planos, o que acaba dando um ar artificial a obra, que já sofre pelo clima falso-lúdico contido na crítica do autor da obra e é aumentada pelas decisões "visionárias" do diretor. Muitos comentavam que O Grande Gatsby cairia como luva ao estilo Baz Luhrmann de dirigir. Particularmente não vejo assim, pois apesar do australiano ter feito (no geral) um bom trabalho, fica a impressão de que um diretor de estilo mais clássico e menos afeito a linguagem de videoclipe poderia ter feito um trabalho ainda melhor.

Celebrado antes de seu lançamento como um dos possíveis candidatos ao Oscar 2014, O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann - apesar do apuro estético e das boas atuações -, parece não ter gás suficiente para galgar as indicações mais importantes da premiação (filme, direção, ator e atriz), muito devido a falta de novidade - narrativa, técnica e, por que não, estética - proposta por Luhrmann, que apenas inclui referências modernas a romântica, clássica e ultrapassada (no bom sentido) obra de Fitzgerald, entregando assim numa noveleta água com açúcar que celebra o vazio da elite de sangue azul dos Estados Unidos em meados de 1920. Há certo respiro de profundidade na condução de Leonardo DiCaprio ao seu Jay Gatsby, mas tal abordagem não é abraçada com segurança pelo diretor, que prefere se perder nos devaneios de seu carnaval de cores e tecidos finos. Uma pena.

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Obs.: Não vi o filme em 3D, mas pelas imagens assistidas em 2D fica a impressão de que o filme deve ter ficado incrível em três dimensões. Quem assistiu em 3D, por favor, escreva suas impressões nos comentários.

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Círculo de Fogo (Pacific Rim, EUA, 2013).

"Criamos monstros para enfrentarmos monstros" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Círculo de Fogo pode não ter um enredo dos mais intrincados e até mesmo vacilar no que se refere a profundidade, mas é inegável que acerta em cheio enquanto entretenimento, pois além de possuir efeitos visuais de primeira categoria e sequências de ação inspiradas, apresenta um rol interessante de personagens e intérpretes, fazendo com que toda a pirotecnia envolvendo robôs (jaegers) e monstros (kaijus) não seja o único atrativo da obra, mas também o cenário apresentado - planeta Terra invadido por criaturas oriundas de outra dimensão - e os personagens "internacionais" (norte-americanos, britânicos, japoneses, chineses, latinos etc.).

Dirigido e co-roteirizado (ao lado de Travis Beacham, de Fúria de Titãs) pelo mexicano Guillermo del Toro (Hellboy, Hellboy II: O Exército Dourado), o filme equilibra bem as cenas de ação com o desenvolvimento da "mitologia" que compõe a trama e a problematização dos personagens principais, com destaque para os pilotos vividos pelo novato Charlie Hunnam (série Sons of Anarchy) - que fisicamente parece uma intersecção entre Chris Hemsworth e Channing Tatum - e por Rinko Kikuchi (Babel), além de Idris Elba (Prometheus) e Charlie Day (Quero Matar Meu Chefe), que dão uma carga dramática suficiente para que o espectador compre a ideia proposta pelo filme.

Apesar de mais contido do que em filmes anteriores, del Toro também procura estabelecer sua marca visual em Círculo de Fogo, especialmente no design das criaturas, que parecem uma mistura das vistas em Hellboy com ilustrações de inspiração Lovecraftianas. Ainda no âmbito visual, um dos elementos que difere um pouco dos trabalhos anteriores do cineasta encontra-se nas cores, visto que neste filme há a presença de muitas cores vivas, tanto na carcaça dos jaegers quanto nas cidades. Isto se deve ao fato do diretor (e de Beacham) procurar homenagear elementos presentes em animes/mangás e seriados japoneses, além da própria estrutura arquitetônica do Japão, com a cidade apresentada repleta de luzes e neon. Diferente, mas tão fascinante quanto, a estética do filme é certamente um dos seus grandes atrativos e, sendo assim, está de parabéns o fiel colaborador de del Toro por trás das lentes, o diretor de fotografia Guillermo Navarro (O Labirinto do Fauno).

Tecnicamente não há o que tirar do filme, pois seu visual é acertado e coerente, a trilha sonora - a cargo do ascendente Ramin Djawadi (Instinto Secreto) - encaixa-se de maneira orgânica nele e a montagem (por Peter Amundson, de Efeito Borboleta e John Gilroy, de O Legado Bourne) dão o tom certo ao filme, equilibrando-o entre a ação e o drama. Já quanto à profundidade da história - elemento este bastante criticado por alguns -, acredito eu que ela é completa o suficiente para fazer com que o espectador compre a ideia, que este tenha a devida imersão ao filme. Particularmente, à exceção de um ou outro momento, a simplicidade do roteiro não me incomodou, especialmente por este não confundir objetividade com estupidez. Ou seja, mesmo sem grandes elucubrações, del Toro e Beacham não tratam o espectador como um idiota, o que altamente positivo.

Certamente Círculo de Fogo não é o melhor filme dirigido por Guillermo del Toro, mas em contrapartida é um dos melhores lançamentos pipoca de 2013, saindo na frente tanto por se tratar de uma obra "original" - certamente o filme bebeu de muitas fontes, mas a construção é "nova" - quanto por seu poder de fogo como entretenimento. Há ação, aventura e referências pop suficientes na obra para agradar tanto os fãs de filmes de monstros gigantes quanto para os iniciantes neste universo tão particular, pois o filme é coerente em sua proposta e se apresenta tão azeitado e eficiente que certamente ganhará até mesmo o meno afoito a produções do gênero. Círculo de Fogo é, sem sombra de dúvidas, um filme surpreendentemente divertido e leve, que satisfará a criança interior de cada adulto espalhado por aí.

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24 outubro, 2013

Além da Escuridão - Star Trek (Star Trek Into Darkness, EUA, 2013).


Além da Escuridão - Star Trek possui a mesma estrutura do filme anterior, lançado em 2009, o que nem de longe é um aspecto ruim, apenas reforça a "mão" dos envolvidos, que com este segundo filme sedimentam de vez um "novo" olhar acerca do universo trekker, estabelecendo assim novas referências e um direcionamento, pelo menos em parte, distinto dos demais filmes da franquia. Um tanto mais denso e, por que não, sério que o filme de 2009, este capítulo do meio de uma possível trilogia mantém o bom nível do seu antecessor, acertando na maior parte das vezes e cumprindo sua função principal: a de "adaptar" o cânone trekker aos olhos dos jovens 2.0.

Novamente dirigido pelo spielberguiano J. J. Abrams (Missão: Impossível III) e escrito pela dupla Alex Kurtzman e Roberto Orci (Transformers), ao lado do lostiano Damon Lindelof (Prometheus), o filme abre com uma típica sequência de apresentação que, apesar de divertida e recheada de ação e bom humor, acrescenta muito pouco à narrativa principal, pois mesmo o elemento cujo cerne é o afastamento do então capitão Jim Kirk do comando da espaçonave Enterprise não é bem sustentado, não sendo então necessário toda aquele barulho para que pudéssemos chegar a dada conclusão. Sendo assim, se por um lado o prólogo soa interessante do ponto de vista do espetáculo, no âmbito funcional a coisa já não sai tão bem.

O ritmo do filme é acertado - mérito dos montadores Maryann Brandon (Star Trek) e Mary Jo Markey (As Vantagens de Ser Invisível) -, equilibrando bem o clima mais denso do filme (afinal de contas, tem-se um "quê" de terrorismo no ar) com as várias sequências de ação que o pontuam (nem todas necessárias, mas sempre bem orquestradas) e a trilha sonora de Michael Giacchino (Up - Altas Aventuras) ajuda a sedimentar a sensação de dever cumprido. Todavia, apesar de não ter nenhum grande problema no sentido narrativo, falta algo no roteiro de Orci, Kurtzman e Lindelof. As conexões funcionam, inclusive a "revisão" de um ícone da franquia, mas o fio condutor, algo na essência da trama não soa tão perfeita, deixando um gostinho de quero mais, um sentimento de que faltou algum detalhe. Este não é o primeiro filme conduzido por J. J. Abrams que aparenta ser mais do que é. Contudo, por ter uma temática um tanto mais "séria" do que outros trabalhos do cineasta, a possível falta de "conteúdo" - possível, não é uma sentença fechada - acaba transparecendo mais do que em outros títulos do pupilo de Steven Spielberg e George Lucas (tanto é que acabou assumindo a franquia Star Wars).

Se alguns detalhes da trama geram discussão, acredito eu que a presença de Benedict Cumberbatch (Cavalo de Guerra) como o grande "vilão" do filme seja exaltada por todos aqueles que o conferiram. Sério, discreto e minimalista, o britânico entrega aqui o que infelizmente Eric Bana (Munique) não pôde no longa anterior (não pela falta de talento do ator, mas sim pelo pouco espaço dado pelo roteiro no que tange ao desenvolvimento de seu personagem, Nero), usando e abusando da "fala mansa" e do poderio de sua voz (não à toa Cumberbatch foi chamado para "ser" a voz do dragão Smaug, na trilogia cinematográfica O Hobbit, de Peter Jackson). Realmente o ator é um grande achado e, comparações à parte, faz um ótimo trabalho neste filme.

Se no filme anterior já era perceptível a existência de um foco maior na relação Kirk (Chris Pine, de Incontrolável) e Spock (Zachary Quinto, da série American Horror Story) em detrimento do terceiro elemento McCoy "Magro" (Karl Urban, de Dredd), aqui este distancia-se ainda mais dos dois primeiros. Acredito eu que, se por um lado isto destaca as personas de Kirk e Spock, por outro diminui bastante a importância de McCoy, que na série clássica e nos filmes anteriores funcionava como instrumento de equilíbrio entre os dois primeiros. Certamente tal abordagem não desqualifica ou diminui o filme, mas o enfraquece um pouco.

Dono de ótimos efeitos visuais - possivelmente o filme ganhará uma indicação ao Oscar -, com um elenco mais maduro e a vontade e atraente como peça de entretenimento, Além da Escuridão - Star Trek dá prosseguimento aos elementos apresentados no longa de 2009 e mantém a mesma "pegada", adicionando uma camada a mais de seriedade (alguns brincam comparando-no com Batman, o Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan), mas permanece menos cerebral do que a série Star Trek costumava ser. Particularmente sinto falta daquela pegada, especialmente pelo fator inovação que esta trazia - enquanto nos filmes das décadas de 1970 e 1980 vez ou outra surgia algum equipamento ou ideia que futuramente sairia do âmbito ficcional e seria "aproveitada" na "vida real", pouco (ou até mesmo nada) disto é visto no novo Star Trek, o que, ao meu ver, o enfraquece conceitualmente -, mas é inegável que veia espetáculo do filme de Abrams é atraente e, por que não, bem executada.

Há quem diga que este filme não é Star Trek, mas prefiro acreditar que seja. Entendo que o detalhe é que este encontra-se formatado para um outro público, uma audiência de uma outra época, o que não o torna nem perfeito nem horroroso, mas sim uma obra adaptada ao seu tempo. Vejo Além da Escuridão - Star Trek como um bom filme de aventura espacial, que apresenta charme próprio e tem poder de convencimento suficiente para formar um novo público, mas obviamente poderia ter sido menos "acomodado" e buscado alçar voos bem maiores, "indo aonde nenhum homem jamais esteve".

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21 outubro, 2013

Faroeste Caboclo (BRA, 2013).


Adaptação cinematográfica da mítica canção da banda Legião Urbana, Faroeste Caboclo é uma peça de entretenimento bacana, calcada no clima 'western' - como o próprio título adianta - e nas interpretações fortes da sua dupla de protagonistas, Fabrício Boliveira (400 Contra 1 - A História do Comando Vermelho) e Isis Valverde, além de possuir uma direção segura e inspirada do estreante (em longas-metragem) René Sampaio. Longe de ser um primor narrativo, o filme carrega bons momentos, especialmente quando constrói o caráter de João de Santo Cristo (Boliveira) e sua relação com o mundo que o cerca. Há algumas incoerências no que se refere a verossimilhança do texto de Victor Atherino Marcos Bernstein (Somos Tão Jovens), mas estas não chegam a ferir o objeto central da história: a história de amor e vingança de João de Santo Cristo.

O prólogo do filme, que nos apresenta de forma compacta, porém suficiente, a formação do personagem João é muito bacana, pois estabelece toda a série de reações tomada pelo personagem a partir do desenvolvimento da história, ratificando suas escolhas, mesmo aquelas cuja solução dada pelo personagem possam soar, no sentido ético/mora, um tanto duvidosas. É bem verdade que o destrinchamento da personalidade do personagem não é o forte do roteiro de Atherino e Bernstein, o que faz muita falta, pois Boliveira acaba bastante sobrecarregado na tentativa de estabelecer entendimento e empatia perante o público espectador. No fim das contas, apesar de refém do texto, o ator consegue sobressair a estas pequenas armadilhas, entregando um personagem convincente e que desperta simpatia.

A química entre Boliveira e Isis Valverde pode ser tido como um dos destaques da obra, que possui no romance entre João e Maria Lúcia o principal fio condutor da trama. Com isso, é uma pena que esta personagem seja pouco desenvolvida, em detrimento do protagonista da história, pois as motivações de Maria Lúcia seriam muito mais plausíveis caso o relacionamento entre ela e seu pai (Marcos Paulo, em seu último trabalho para o cinema) tivesse sido melhor aproveitado.

Dois outros nomes merecem destaques distintos. Enquanto o uruguaio Cesar Troncoso (XXY) compõe bem seu personagem - o "primo" de João, Pablo -, inclusive abraçando a caricatura, sem que esta incomode ou destoe do tom do filme, o jovem Felipe Abib (Vai Que Dá Certo) decepciona em sua composição de Jeremias, o grande "vilão" da história, que aqui surge sem background, caracterizado com um bigode à lá vilão de folhetim mexicano e cuja motivação surge forçada e trôpega, tanto por conta da falta de um passado para o personagem, quanto pelas atitudes bobas tomadas pelo mesmo durante o desenvolvimento do filme. Abib se esforça, mas (aqui) não demonstra possuir carisma suficiente para que compremos o personagem, sendo inclusive risível acompanhar seu estratagema de vingança contra João de Santo Cristo e Maria Lúcia.

A fotografia de Gustavo Hadba (Malu de Bicicleta) mostra-se acertada, abraçando a luz do sol e dando ênfase aos planos abertos, numa clara homenagem a cinematografia de faroeste. Também estão de parabéns Valeria Stefani (Heleno), pela bela composição de figurinos e Tiago Marques Teixeira (Ensaio Sobre a Cegueira), pelo bom gosto na condução da direção de arte. Por fim, destaco também o trabalho de montagem de Márcio Hashimoto Soares (Serra Pelada), que, ao lado de René Sampaio, consegue dar um bom ritmo ao filme, mesmo ao alternar alguns flashbacks entre cenas e as músicas de Felipe Seabra (vocalista e guitarrista da banda Plebe Rude), que estreia aqui (e bem) como compositor da trilha sonora incidental.

Um filme visualmente atraente e possuidor de alguns personagens marcantes, Faroeste Caboclo tem na construção de seu roteiro - e na personagem de Jeremias - seus pontos mais frágeis, mas graças a direção segura de René Sampaio, ao primor e dedicação do elenco principal e ao bom trabalho da equipe técnica, a obra sai do lugar comum e se apresenta como uma das mais interessantes do cinema nacional lançada este ano. Construído como uma peça de entretenimento tanto para os amantes da canção composta por Renato Russo quanto para os entusiastas de um bom bang bang, Faroeste Caboclo sagra-se como uma boa surpresa do cinema nacional, já que aparentava ser bem menos, apesar de possuir o potencial de ter sido bem mais.

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19 outubro, 2013

Alvo Duplo (Bullet to the Head, EUA, 2013).

"A vingança nunca envelhece" (Livre tradução da frase disposta no poster do filme.
A onda de filme cuja essência e envólucro tenha por base a cinematografia de ação dos anos 1980 continua, especialmente após o sucesso dos filmes Os Mercenários. Alvo Duplo, estrelado pelo maior responsável por este resgate, Sylvester Stallone (Rocky Balboa), pode ser categorizado como um filme de premissa interessante - mesmo que óbvia e recheada de furos -, mas cuja execução e tratamento a deixaram desinteressantíssima. Contando com a direção do veterano Walter Hill (A Encruzilhada), este filme de vingança mostra-se fraco não apenas pelo roteiro frágil (apesar deste ser uma "homenagem" ao cinema oitentista, não há cabimento em deixar um roteiro tão furado em pleno século XXI), mas também pela falta de empatia despertada pelos personagens (incluindo o de Stallone), pela direção preguiçosa de Hill (parece que este encontra-se cansado, além de sua tentativa de "modernizar" seu estilo de direção não funcionar) e pela falta de conexão entre a ação mostrada e a catarse a ser provocada. Existem bons filmes vazios por aí (especialmente os originais da década de 1980). Alvo Duplo não encontra-se entre estes.

Adaptação de uma graphic novel assinada pelo francês Alexis Nolent, a trama do filme nunca engrena, tanto pela indecisão climática entre o humor negro e a violência gratuita, quanto pelo excesso de frases de efeito e domínio em tela de interpretações exageradamente caricatas. É claro que não se deve exigir demais de um filme cujo objeto é ser puro escapismo, mas há de se ter um limite para tudo e, no caso da obra escrita por Alessandro Camon (co-roteirista de O Mensageiro), falta equilíbrio e sobra exageros. Há algo errado na interação texto/interpretação, dando a impressão de que todos - especialmente elenco, roteirista e diretor - encontravam-se perdidos quanto ao objetivo do longa, a sua finalidade.

É claro que nem tudo é dispensável no filme. Apesar de - no caso deste filme - demorar a convencer, é sempre bacana acompanhar Sylvester Stallone no cinema. Seu personagem semi-herói/semi-bandido, apesar do péssimo texto, vez ou outra consegue envolver (mérito do ator). Stallone mostra que está em dia com a forma física, mas é inegável que sua movimentação (especialmente a forma de andar) é estranha, dando a impressão de que esta casca de saúde na verdade esconde um velhinho de mais de 60 anos que realmente sente o peso desta idade.

Quem surpreende no filme é o ator Jason Momoa, estrela do mais recente filme do Conan, o Bárbaro e aplaudido como o personagem Khal Drogo, na série Game of Thrones, pois apesar do arremedo de personagem que lhe é entregue, consegue compor o típico antagonista de filme B, seguro de si, arrogante e autoconfiante (além de, claro, não possuir um objetivo definido, inclusive revelando não estar em busca de dinheiro). São poucas as falas dadas ao ator havaiano, mas este encontra-se bem no papel, utilizando bastante do seu potencial físico (os embates entre este e Stallone marcam os melhores momentos do filme).

Em contrapartida, a atuação do parceiro de Stallone na empreitada, Sung Kang (Velozes e Furiosos 5), é fraquíssima. É certo que seu personagem é mal construído, tendo uma influência quase nula no que se refere ao desenvolvimento da trama, mas a apatia do ator acabam por destruir ainda mais a necessidade da existência do mesmo (ou seja, o que Stallone tem de carisma, Kang tem de antipatia). Completam o elenco o ex-astro Christian Slater (O Nome da Rosa), em um papel minúsculo e risível e Adewale Akinnouye-Agbaje (série Lost), caricato ao extremo, mas aparentemente se divertindo a beça.

Dando a impressão de ter sido realizado às pressas, Alvo Duplo tinha tudo para ser uma peça de ação corriqueira, mas cujo charme de "nostalgia" o alçasse um tanto mais longe, concretizando-se como um filme bacaninha. Todavia, os desenganos em sua construção e a aparente falta de direcionamento entre os envolvidos à produção acabaram por sabotá-lo, tornando o produto final pouco atraente, mesmo que pelo menos duas de suas sequências de ação - a cena de luta de Stallone em uma sauna e o confronto final entre este e o personagem de Momoa - elevem um pouco a condição do filme, mas que não muda sua condição de filme problemático.

Alvo Duplo, assim como O Último Desafio estrelado por Arnold Schwarzenegger, marca o primeiro filme "solo" de Stallone pós Os Mercenários - aquele marcou o de Schwarzenegger - e foi um baita fracasso de bilheteria. Dentre ambos, fico com o filme do austríaco radicado nos Estados Unidos, tanto pelo "frescor" da trama, como também pela pegada "descontraída", sem se levar (propositalmente) tão a sério. Quanto ao eterno Rocky Balboa e John Rambo, creio que já passou da hora deste mesclar projetos recheados de testosterona (e equivocados) como o visto neste Alvo Duplo com filmes dotados de um pouco mais de substância, pois senão correrá o risco de entrar no ostracismo cinematográfico outra vez.

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13 outubro, 2013

Ferrugem e Osso (De Rouille et D'os, FRA/BEL, 2012).


Jacques Audiard já tinha entregue pelo menos um grande filme com O Profeta, de 2009, mas, sem sombra de dúvidas, o diretor francês se superou com o drama Ferrugem e Osso. Sensível e complexo, mas sem soar maçante ou subjetivo em demasia, Audiard entrega aqui uma obra artística equilibradíssima, que reconhece o existencialismo inerente a percepção de vida de cada indivíduo, aplicando um olhar arguto e, por que não, delicado, acerca de temas tão comuns a todos nós, como amor familiar, relacionamentos amorosos, relação paternal e o ato e desdobramento da perda, seja esta física ou psicológica. Atribuo a esta obra o selo de corajoso, pois é fato que, observando a safra cinematográfica dos últimos anos, é cada vez mais raro encontrar um filme que preze pelo esmero em todos os elementos que compõem o produto cinema: roteiro, luz, som, atuações e "realidade". É preciso "comprar" um filme para que este possa transportá-lo para um outro estado de consciência e isto Ferrugem e Osso consegue.

Afora o primor do roteiro - a cargo de Audiard e Thomas Bidegain, colaborado usual do primeiro -, um dos grandes destaques do filme se encontra na dupla central de atores, que vivem os protagonistas 'ferrugem e osso', Stéphanie e Alain, interpretados respectivamente por Marion Cotillard (Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge) e Matthias Schoenaerts (A Espiã). O método/abordagem de atuação de ambos é distinto, mas encaixam-se perfeitamente ao enredo desenvolvido por Audiard e Bidegain, inclusive sendo aqueles responsáveis por preencher com vida uma trama que, caso analisada sob um olhar mais criterioso, realmente não traz grandes novidades. Todavia, a inter-relação entre Cotillard e Schoenaerts e seus respectivos personagens é tão forte e crível, que o espectador acaba comprando todos os seus passos, que perpassam momentos de felicidade e tristeza, mas especialmente de reencontro com a própria vida. Apesar de muito acertado, o desempenho de Schoenaerts vez ou outra acaba ofuscado pela composição hipnótica e recheada de camadas da bela e talentosíssima Marion Cotillard, que já papou um Oscar pela cinebiografia Piaf - Um Hino de Amor, de 2007 e, por sua performance em Ferrugem e Osso, acabou recebendo ainda mais indicações (algumas sagrando-a vencedora) nos maiores festivais e premiações ao redor do globo, a exemplo BAFTA, César e Globo de Ouro.

Os demais membros que compõem a equipe comandada por Jacques Audiard também são primorosos, mas destacaria o trabalho de Alexandre Desplat (Moonrise Kingdom) na construção da estupenda a trilha sonora, que nunca se sobressai à proposta narrativa do filme, surgindo e mantendo-se oculta nos momentos exatos. Méritos não apenas para Desplat e Audiard, mas também para a montadora Juliette Welfling (Jogos Vorazes) e para a equipe de som, que adequaram perfeitamente a eliminação do som ambiente (ou diegético) em algumas cenas para que a metáfora visual pudesse se fortalecer, sobressair. Somado ao ótimo trabalho sonoro não poderia deixar de destacar a qualidade estético-visual do filme, cujo maior responsável é o diretor de fotografia Stéphane Fontaine (72 Horas), que utiliza bastante a 'câmara de mão' - o que dá certa 'autenticidade' ao filme - e a utilização pontual de flair, composto utilizando (pelo menos aparentemente) luz natural - certamente J. J. Abrams ficaria com inveja tamanha a poesia proporcionada por Fontaine e Audiard -, o que dá uma beleza (literalmente) resplandecente a obra.

Existencial e otimista, mesmo tendo como corpo muito mais tragédias humanas do que momentos de 'iluminação', Ferrugem e Osso é um filme coerentemente melancólico e abstrato, mas sem deixar de lado a contundência, a 'mensagem redentora', o oportunizar da segunda chance, da renovação, da metamorfose psíquico-existencial. Certamente minha percepção quanto a este filme foi amplificada (ou direcionada, vai saber) devido ao momento bastante delicado pelo qual estou passando, sendo toda essa empatia causada devido a essa conexão mútua entre obra/indivíduo (eu). Abstrações íntimas a parte, é inegável  a qualidade técnica e conceitual do filme Ferrugem e Osso, estando de parabéns Jacques Audiard e sua equipe, que conseguiram canalizar a história do escritor canadense Craig Davidson em um filme bonito, puro e cheio de significados. Espero que, assim como as personagens de Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts você consiga compreender a correlação existente entre a dita 'ferrugem e osso'. Particularmente, esta obra me ajudou a reequilibrar parte do meu próprio caminho.

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01 outubro, 2013

King Kong (EUA, 1976).

"O  filme evento mais excitante de todos os tempos". (Livre tradução da frase nada pretensiosa disposta no poster promocional do filme)
Apesar de em alguns momentos possuir um gorila gigante mais próximo ao risível que ao aterrador, esta primeira refilmagem de King Kong é bem construída e dirigida, possui um bom elenco e, efeitos especiais ultrapassados a parte, convence a maior parte do tempo, tendo o seu primeiro ato (pré-descoberta da besta símia) como destaque, pois além de estabelecer a dinâmica da obra como um todo, nos apresenta aos personagens de Jeff Bridges (Tron, o Legado) e Jessica Lange (Cabo do Medo), provavelmente o maior atrativo (ao lado de Kong) do filme. Dirigido com esmero por John Guillermin (Morte no Nilo), King Kong é mais uma das produções grandiloquentes capitaneadas pelo italiano Dino de Laurentiis e, ao contrário de outros títulos assinados pelo mesmo, esta é interessantíssima.

É perceptível o cuidado estético da produção, que dispôs de um orçamento (à época) generoso e sagrou-se como um dos maiores sucessos de bilheteria no ano de 1976, mas se o roteiro não funcionasse minimamente esta poderia ser caracterizada como uma obra bem feita, mas esquecível, o que, no meu ponto de vista, não acontece. Certamente esta versão não é tão icônica quanto o filme original de 1933 ou muito menos tão épica quanto a versão dos anos 2000, dirigida por Peter Jackson. Todavia, mesmo não sendo imbatível ou referência maior, o filme de John Guillermin é bem construído, empolga e emociona.

Vencedor do Oscar de melhores efeitos especiais (Carlo Rambaldi, Glen Robinson e Frank Van der Veer) e indicado as categorias de fotografia (Richard H. Kline, de Jornada nas Estrelas: o Filme) e som (Harry W. Tetrick, William L. McCaughey, Aaron Rochin e Jack Solomon), além de ter levado a estatueta no Globo de Ouro de melhor atriz revelação (Jessica Lange), King Kong traz, além de uma atualização do filme de 1933 (a ambientação do filme de Guillermin se dá na própria década de 1970, inclusive o destaque dado a indústria petrolífera - no caso do filme, a Petrox - reflete bem tal período sócio-político-econômico), bastante reverência a clássico conto francês A Bela e a Fera, elemento este que futuramente viria a ser extrapolado no filme de Peter Jackson.

É sempre bacana redescobrir obras cujo aparato de ilusão sob a égide dos efeitos visuais se dá sem nenhuma influência das técnicas digitais (CGI), apostando apenas na construção artesanal destes, cuja magia se dá através de efeitos de luz, do uso de maquetes e do trabalho de composição da equipe de maquiagem, especialmente dos responsáveis pela criação do gorila gigante, que funciona (no que se refere a autenticidade) na maior parte do tempo. É válido destacar que quem acabou interpretando Kong foi o maquiador Rick Baker (Videodrome, a Síndrome do VídeoHomens de Preto, Planeta dos Macacos), que posteriormente viria a ser reconhecido como um dos melhores profissionais da área.

Ao lado do carisma dos protagonistas, da fotografia charmosa de Richard H. Kline e da condução acertada de Guillermin, talvez o grande destaque do filme se encontre na trilha sonora ao mesmo tempo épica e doce composta e arranjada por John Barry (responsável por algumas das mais icônicas trilhas da franquia 007, tais quais Moscou Contra 007 e 007 A Serviço de Sua Majestade, dentre outras). Ao conferir o filme torna-se impossível dissociar som de imagem, inclusive alguns dos temas (em especial o referente a morte do personagem título) possuem o poder de permanecerem gravados à mente do espectador mesmo após o encerramento do filme. Certamente a sensibilidade e o cuidado de Barry no ao casar imagem e som deu vazão a um ótimo trabalho, sagrando-se assim como um dos maiores acertos do filme.

É bacana constatar que tanto Jeff Bridges quanto Jessica Lange já externavam seus talentos neste filme, lembrando que King Kong marcou a estreia de Lange no cinema. Não há grande profundidade no desenvolvimento destes personagens por parte do roteirista Lorenzo Semple Jr. (Papillon), mas ambos acabam se encaixando bem aos arquétipos do aventureiro inteligente e da donzela em perigo não muito inteligente. Lange esbanjava mais beleza do que nunca, enquanto Bridges se servia do estilo "machão sensível". Por fim, o fato é que a dupla esbanja carisma e nos ajuda a comprar a ideia fantasiosa do filme.

Possuidor de uma trama simples, mas eficiente e empolgante, King Kong não é lá bem quisto atualmente - apesar de, à época de seu lançamento, ter sido laureado com boas críticas de gente do porte de Pauline Kael e Roger Ebert -, mas é certo que cumpriu a função de entretenimento fantástico muito bem e encontra-se longe de ser categorizado como um filme ruim ou de possuir elementos thrash (no mau sentido). Dono de uma produção cuidadosa, de uma trama bem amarrada e de uma montagem eficiente, King Kong pode não ser hoje considerado como um primor no que tange aos efeitos visuais, mas funciona como filme por si só, apesar das produções de 1933 e 2005.

Obs.: Havia conferido este filme quando criança, mas confesso que já não me lembrava de quase nada. Agora, com o saldo mais do que positivo após revê-lo, irei atrás de sua sequência (esta assim malhada por crítica e público), que viria a ser lançada exatos dez anos após este filme, em 1986. Tomara que não seja tão ruim assim...

AVALIAÇÃO
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