27 fevereiro, 2013

Febre do Rato (BRA, 2012).


Cineasta bastante polêmico, o pernambucano Cláudio Assis (Amarelo Manga) é daqueles que se ama ou se odeia. Seus filmes (este é apenas o terceiro) são carregados de nudez, palavrões e bastante "realidade", tanto que Assis sempre referencia o neorrealismo italiano como uma de suas principais influências narrativas. Seus trabalhos anteriores não tinham papas na língua, sendo assim Febre do Rato também caminha pela mesma estilística. Contudo, apesar da proximidade, de certa forma com este filme Assis flerta com outras propostas artísticas, especialmente a poesia, o que ocasiona em um maior contorno subjetivo à obra. Protagonizado por um poeta anarquista - o personagem Zizo, interpretado pelo excelente Irandhir Santos - e tendo como cenário uma Recife bicromática, mas extremamente rica em significados.

A missão de definir o filme Febre do Rato é hercúlea e possivelmente não fará jus aos objetivos pretendidos pelo filme, que procura provocar sensações e não narrar uma história de forma objetiva. Brincando com extremos, transformando o caos em ordem e a ordem em caos, Cláudio Assis e cia. realizam aqui uma obra requintada, menos intelectual e pomposa do que aparentara ser, mas em compensação muito mais simbólica e poética, tendo na comunhão de sua imagem e som seu maior destaque. Quer proposta mais cinematográfica que esta?

Como uma experiência sensorial tipicamente audiovisual, não seria injusto apontar a fotografia, o som e a trilha sonora como os maiores destaques da obra. Walter Carvalho (Raul - O Início, o Fim e o Meio) mais uma vez dispõe de todo o seu talento e olhar diferenciado para compor a fotografia em branco e preto de Febre do Rato, que acaba conferindo ainda mais vida as paisagens "inóspitas" da periferia do Recife, além de destacar com brilhantismo as atuações do elenco, especialmente suas expressões faciais. A luz emanada pela película é sublime, em um trabalho que lembra bastante o realizado anteriormente por Carvalho na cinebiografia Heleno, de José Henrique Fonseca, mas que aqui ganha contornos ainda mais dramáticos, possivelmente pelo flerte com a poesia que Febre do Rato carrega. O que falar das tomadas em ploungé que ressignificam a poesia do filme ao propor um olhar divino perante aquele carnaval de conflitos que é o homem? Profundo, sem pedantismo ou informações mastigadas.

A sonorização do filme (William Lopes, Miriam Biderman e Ricardo Chuí), aliada a trilha sonora composta por Jorge Du Peixe (Amarelo Manga), complementa de forma competentíssima o visual do filme, inclusive caracterizando cada uma das personagens apresentadas de forma única. O som diegético também é disposto de forma inteligente, porém a mixagem de som ainda continua a ser o ponto fraco das produções nacionais, especialmente nas falas das personagens, visto que em alguns momento chega a ser difícil entender o que estas estão falando. No mais, um ótimo trabalho de toda a equipe de efeitos sonoros.

É sabido que aqueles que manifestam a "coragem" de trabalhar com Cláudio Assis deixam o pudor e o receio em casa, pois a nudez - não gratuita, pelo menos neste filme - é pré-requisito nas obras do cineasta pernambucano e serve a narrativa. Sendo assim, o elenco como um todo está de parabéns pela organicidade emanada, especialmente nas cenas de grande exposição. Contudo, apesar da unidade do elenco, não há como não destacar a performance visceral e desapegada de Irandhir Santos, que praticamente entra dentro da personagem e não a larga de forma alguma durante os cerca de 100 minutos de projeção do filme, tamanha a distinção entre este personagem e os demais de sua filmografia. Santos mostra-se crível desde o seu primeiro frame como um poeta anárquico do subúrbio, defensor da "liberdade da vida" e crítico da "prisão artística e social" vivida pelo Brasil hoje em dia (metáfora direta passada por Assis e o roteirista Hilton Lacerda, de Capitães de Areia). O filme pode ser dominado por Santos, mas Nanda Costa (Sonhos Roubados) - grande surpresa - e Matheus Nachtergaele (Narradores de Javé) também estão muito bem.

Vencedor de vários prêmios nacionais ano passado e eleito como um dos melhores filmes brasileiros de 2012, Febre do Rato não é um filme feito para todo tipo de público, não pelo seu conteúdo ou cenas "fortes", mas sim pela sensibilidade e mensagem apregoadas pelo filme serem altamente subjetivas, sugeridas e pouco mastigadas, o que pode provocar uma sensação de "do que se trata mesmo o filme?" no espectador menos preparado/conectado à proposta anárquico-poética do longa. Cláudio Assis comprova aqui que é um dos grandes nomes do cinema autoral brasileiro, que não teme em seguir o caminho da arte própria, em detrimento do que o público quer ou não ver e ouvir. Polêmico e ousado como seu filme, Assis nunca deixou de autorreferenciar-se em suas obras e nesta poesia anárquica em branco e preto não seria diferente.  

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26 fevereiro, 2013

Busca Frenética (Frantic, EUA/FRA, 1988).


"Perigo. Desejo. Desespero". (Livre tradução da chamada disposta no cartaz do filme).
Vindo de um dos maiores fracassos de sua carreira, o filme Piratas, o polêmico cineasta polonês Roman Polanski decidiu investir numa obra de menor orçamento, com uma pegada hitchcockiana, recheada de tensão e mistério, além de marcar a volta da parceria entre Polanski e um estúdio norte-americano - Warner Bros. - na produção de um filme. Busca Frenética representa, de certa forma, um condensamento de todos os maneirismos e particularidades apresentados pelo cineasta em seus trabalhos anteriores, contudo apresentados de forma um pouco mais digerível e objetiva. 

Em Busca Frenética são revisitados temas como paranoia e desprendimento da realidade, porém de forma mais "pé no chão" do que em títulos como Repulsa ao Sexo, mas nem por isso menos interessante. Contando com uma performance bastante emocional e um tanto ponto profunda - para filmes do gênero - de Harrison Ford (Blade Runner - O Caçador de Androides), Polanski e Gérard Brach, seu co-roteirista habitual, constroem aqui um thriller eficiente e instigante, mas que assim como as obras dos anos 1950 e 1960 (especialmente as dirigidas por Alfred Hitchcock), é construído de forma lenta e gradual, tendo a apresentação das personagens (especialmente a de Ford e Betty Buckley, que interpreta sua esposa) grande importância à narrativa. 

Tecnicamente o filme é irretocável. Polanski sabe utilizar a câmera como ninguém e aqui acaba investindo bastante em ângulos que provocam sensação de claustrofobia e aflição ao espectador, pois este se vê como parte do dilema vivenciado por Richard Walker (Ford). A música assinada pelo gênio Ennio Morricone, apesar de não ser dona de um grande tema, serve bem ao filme, ajudando a compor tanto o clima de descontração dos primeiros vinte minutos de projeção, quanto o clima de suspense crescente com o desenvolver da trama. A fotografia do veterano Witold Sobocinski também merece aplausos, pois vai mudando gradativamente conforme o desespero do filme vai aumentando, tendo o filme começado destacando cores mais vivas e se desenvolvido através de cores frias e acinzentadas.

É válido destacar que o filme conta com a participação da atriz francesa Emmanuelle Seigner (Lua de Fel), que viria se tornar a senhora Polanski. É certo que a moça encontrava-se belíssima, mas no quesito atuação deixa bastante a desejar, sendo até risível suas "técnicas" e expressões em alguns momentos. A coisa fica ainda mais crítica quando ela está ao lado de Ford, que mesmo não sendo um ator muito versátil, surpreende bastante e entrega uma atuação primorosa (ainda mais em comparação a da pobre Seigner). Sinceramente, não resta dúvida que a escalação da beldade francese deveu-se apenas ao nepotismo de seu futuro esposo.

Mesmo sendo uma obra de cunho comercial, Busca Frenética não foi bem em arrecadação, o que acabou mais uma vez por afastar Roman Polanski das produções hollywoodianas. Contudo, mesmo que seja um filme mais referencial que autoral, Busca Frenética é uma obra muito bem montada, que desperta o interesse num ritmo crescente, culminando num desfecho energético e tenso, mesmo que um tanto implausível. Certamente não é uma das obras-referência de Polanski, mas possui vida própria e diverte bastante, além de abrir um breve espaço para a discussão política no finalzinho da guerra fria. É certo que esta não é uma obra espetacular como Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, mas segue bem a cartilha deixada pelo mestre britânico. 

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23 fevereiro, 2013

Pink Floyd - The Wall (ING, 1982).


Experiência audiovisual das mais brilhantes, Pink Floyd - The Wall não é apenas música ou apenas cinema, mas sim uma comunhão de ambas com o objetivo de ressignificar conceitos e pensamentos. Inspirado no disco homônimo da banda Pink Floyd, mas construído em forma cinematográfica pelo então líder da banda (e principal responsável pelo álbum The Wall), Roger Waters, ao lado do diretor britânico Alan Parker (Coração Satânico) e do cartunista Gerald Scarfe, ela se caracteriza como uma peça à parte do trabalho musical, primeiramente por trabalhar com uma mídia distinta aquela e, também, por ser a conjunção de três cabeças pensantes numa só obra. Tanto fascinante quanto incômodo, Pink Floyd - The Wall pode ser classificado como uma obra abstrata e dona de uma narrativa mais próxima a poesia do que ao cinema clássico, o que só contribui para o seu duplo conceito de reflexão e espetáculo.

Apesar do grande apelo visual (onde as imagens muitas vezes podem causar certa confusão no espectador "despreparado" psicologicamente), o filme assinado pelo trio Parker, Scarfe e Waters narra uma história bastante peculiar, focada no jovem Pink (o músico Bob Geldof), órfão de pai (morto como combatente na II Guerra Mundial) que passa por uma infância e adolescência psicologicamente conturbada e que na idade adulta se encontra preso numa complexa rede de ilusões e miragens projetadas por sua mente perturbada. Com pouquíssimos diálogos, a narrativa do filme é quase que totalmente concentrada em canções do Pink Floyd - propositalmente adaptadas para se adequarem ao intuito do filme - e nas sensacionais pirações visuais tanto de Gerald Scarfe, responsável pela direção das animações, quanto por Alan Parker, que canaliza muito bem as viagens apenas sugeridas pelo autor do argumento, Roger Waters.

Certamente a música é elemento importantíssimo ao filme, contudo no contexto geral não a priorizo, pois o impacto causado pela junção das "pirações" em live-action com as em animação dão origem a um caldo de expressão totalmente a parte, que somados as músicas "pari" The Wall, a obra cinematográfica. Parker é bastante feliz ao coordenar toda a aparente confusão (visual e de egos) com o intuito de formatar uma obra concisa e inteligível, mesmo que bastante abstrata e dotada de certa complexidade. Bob Geldof, o protagonista do espetáculo, apesar de não ser um ator profissional, cumpre bem seu papel, talvez pela experiência como "rock star", mas surpreende mesmo nos momentos de maior decadência de seu personagem, quando este encontra-se não apenas destruído mentalmente, mas também fisicamente, devido ao alto consumo de drogas.

É interessante notar o quão influente foi o design  desenvolvido por Gerald Scarfe neste filme, pois de sua mente criativa saíram figuras, cores e criaturas bastante próprias, dotadas de personalidade e, apesar de não serem "digeridas" facilmente pelos nossos olhos, não deixam de despertar interesse e de serem compreendidas dentro do pacote surrealista do filme. Como não vibrar com as referências aos regimes totalitaristas, a iminência de um conflito nuclear, a intolerância e pequenez do sistema aristocrático de ensino, enfim, estes e outros momentos são pincelados por Scarfe de forma sublime, inerentemente metafóricas, contudo perfeitamente reconhecíveis. Raros são os artistas que conseguem transmitir sensações mesmo quando não compreendemos o por que de estarmo-nas sentindo e Scarfe pode ser considerado como um desses.

Certamente Pink Floyd - The Wall não seria uma obra audiovisual tão interessante, intrigante, complexa, madura, reflexiva e distinta caso não tivesse sido construída pelos três indivíduos já bastante citados. Mesmo que o conceito geral tenha saído da mente de Roger Waters, é impossível não reconhecer as contribuições de Alan Parker e de Gerald Scarfe (somados a todos os demais membros da equipe técnica, passando pela pré-produção, produção e pós-produção), que ressignificam o trabalho homônimo do Pink Floyd numa obra cinematográfica única, poderosa e independente, sem deixar a dever em nada ao cultuado disco. Alegoria acerca da condição humana ou simplesmente o registro dos devaneios da mente de um jovem perturbado, pouco importa. O que é digno de aplausos é a originalidade e a capacidade da obra em atribuir diversos significados a cada um daqueles que a conferem, atribuindo a todos estes importâncias inequívocas, pois acima de música ou cinema, poesia ou filosofia, Pink Floyd - The Wall é uma expressão artística completa e complexa e dessa forma deve ser internalizada.

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Observações:

  • Além de mim, alguém acha que Bob Geldof possuía uma fisionomia bastante parecida com o ator Guy Pearce
  • Já sei de onde veio a inspiração Ridley Scott, Damon Lindelof, Jon Spaihts e cia. na concepção das criaturas "genitais" de Prometheus: das "flores" de Gerald Scarfe.


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19 fevereiro, 2013

Django (ITA/ESP, 1966).

Um dos maiores faroestes spaghetti de todos os tempos, Django, de Sergio Corbucci (Joe, o Pistoleiro Implacável), pode não ter a fama e o reconhecimento da crítica quanto as obras de Sergio Leone, mas é um filme tão importante quanto, especialmente por ajudar à criação da "cena" dos "westerns made in Italy". Menos poético e mais violento que a trilogia dos dólares de Leone, o filme de Corbucci transborda testosterona do início ao fim e aposta na figura ao mesmo tempo forte e sedutora de Franco Nero (Duro de Matar 2) como o personagem título a fim de convencer o espectador da quase onipotência do mesmo. Não há background de Django, nem nos é mostrado com clareza qual é a sua missão - a caçada ao Major Jackson (Eduardo Fajardo, de A Vingança de Milady) é citada, mas não parece ser a verdadeira busca da personagem -, porém, o desdobramento dos eventos é feito de forma tão dinâmica que não sobra tempo ocioso para maiores reflexões, o que acaba importando é o despertar da diversão e esta é muito bem dosada por Corbucci.

Apesar de ser uma produção dona de um orçamento relativamente baixo (talvez nos moldes de Por um Punhado de Dólares), Django explora muito bem o que pode ser explorado. A sujeira da cidade e dos trajes das personagens saltam logo aos olhos e se as locações se resumem a um campo aberto, um pequeno povoado (pequeno mesmo) e as "bases" dos exércitos mexicano e norte-americano (não me recordo bem se sulista ou nortista), mas mesmo reduzidas são bem usadas e ajudam à imersão ao filme. O roteiro escrito pelos irmãos Sergio e Bruno Corbucci é até certo ponto simples, mas carrega um sub-texto bastante profundo e de importância à narrativa, que trata de preconceito (a bem verdade a disputa entre americanos e mexicanos, aos olhos do filme, é motivada principalmente por questões étnicas). Tal abordagem não é abraçada como o cerne da obra, mas tem lugar de destaque e sem sombra de dúvidas contribui positivamente para sua construção.

Talvez o maior diferencial da direção de Sergio Corbucci seja a maior objetividade de sua narrativa - tanto é que o filme mostra-se bastante enxuto, com seus três atos bem preenchidos nos cerca de noventa minutos de metragem -, fator preponderante para que o filme se torne tão dinâmico, haja vista que quase não há momento de respiro durante o mesmo. Isso não quer dizer que o mesmo tenha ação do início ao fim, mas sim que há sempre algo em tela com potencial de despertar a atenção do espectador. Outro ponto a se destacar é a a forma com que a violência é abordada no filme, que em momento algum soa gratuita ou gráfica em demasia, todavia é bastante forte e impactante, especialmente no desfecho da obra.

Franco Nero, apesar de não ter um carisma natural a lá John Wayne ou Clint Eastwood, convence como o pistoleiro misterioso que leva um caixão a tiracolo e que se mostra exímio atirador (cuja cena final apenas do filme apenas ratifica), além de ter o porte físico ideal para o tipo de personagem. O elenco de apoio não carrega nenhum grande nome, mas a intérprete da mocinha (Loredanna Nusciak) e o ator Ángel Álvarez (que vive o proprietário do saloon/hospedaria do povoado) se destacam dentre os demais hispânicos e italianos que preenchem o casting do filme.

Um dos referenciais do subgênero faroeste spaghetti, além de inspirador maior do recente Django Livre, de Quentin Tarantino, Django é um filme divertido, corajoso e inspirado, que de certa forma encontra-se mais próximo aos títulos norte-americanos pela simplicidade do enredo e por sua construção objetiva, mas sem deixar de referenciar o estilo "italiano" de faroeste, abraçando bastante a sujeira e a podridão, tanto na caracterização das locações e das personagens, quanto na composição destas, visto que não há espaço para maniqueísmo à obra, o que toma conta são as variações de cinza. 

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17 fevereiro, 2013

Raul - O Início, o Fim e o Meio (BRA, 2012).


A tarefa de resgatar um dos (senão o maior) ícones do rock nacional não deve ter sido fácil, mas o cineasta nordestino Walter Carvalho (Budapeste), um dos mais reverenciados diretores de fotografia do Brasil, conseguiu tal proeza neste documentário (co-dirigido por Leonardo Gudel) ao mesmo tempo informativo e reverenciador, que une com precisão a veia anárquica do eterno Raulzito com a função primordial de um filme, fazer um recorte e contar uma história. Eis que o resultado de uma extensa pesquisa e coleta de depoimentos com pessoas que conviveram com o mítico personagem da música nacional ocasionou em Raul - O Início, o Fim e o Meio, um filme em formato de documentário mas dono de uma energia e vigor tão fortes que foge ao didatismo e ao espectro do formato documentário, já que vez ou outra promove a ilusão de que estamos a acompanhar uma ficção, de tão fluido e surreal que nos são apresentados os causos e lendas no entorno do incompreensível (em sua totalidade) Raul Seixas.

Praticamente o iniciador de todas as correntes anarquistas no então (será?) quadrado Brasil, Raul Seixas não influenciou a cultura nacional apenas com sua musicalidade rock 'n' roll, mas também com seus discursos, postura e convicções ideológicas, que ainda hoje marcam o caldeirão que é o cenário cultural brasileiro. Carvalho e Gudel reúnem em mais de duas horas de projeção - que passam voando, verdade seja dita - tanto registros icônicos do ídolo nacional, quanto depoimentos reveladores que perpassam por familiares, amigos próximos, ex-esposas e ex-amantes de Raul, além de seus parceiros musicais ou de curtição, com óbvio destaque para o hoje mago Paulo Coelho Cláudio Roberto. Personalidades e jornalistas como Nelson Motta, Pedro Bial, Cateano Veloso e Marcelo Nova, este considerado por muitos como o grande responsável pelo retorno de Seixas aos palcos, mas também por muitos como um aproveitador da situação frágil do lendário Raulzito (o documentário é feliz ao abrir espaço às duas teorias e registra um depoimento no mínimo revelador de Nova, que não se vê nem como um santo salvador, nem como um salafrário).

É praticamente impossível dissociar a imagem que o público possui de Raul Seixas do aspecto mitológico, surrealista, maluco beleza mesmo e Raul - O Início, o Fim e o Meio cataliza muito bem todas essas nuances, aproveitando ao máximo o que o próprio personagem título expressou ou deixou registrado, utilizando assim os depoimentos apenas como complemento as arestas deixadas por Raul. É certo que ainda há muito o que se discutir e conhecer acerca desse homem ímpar das artes no Brasil e urge que haja um filme em ficção do mesmo, mas o documentário de Carvalho e Gudel supre bem a carência até então largamente escancarada, visto que honra o legado do ídolo maior do rock (e da contracultura) nacional, o resgata as novas gerações, além de funcionar como um entretenimento de primeiro nível, aspecto este cada vez mais difícil devido ao didatismo da maioria dos documentários musicais disponíveis em 

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16 fevereiro, 2013

Argo (EUA, 2012).

"Argo fuck yourself!" (Jargão comumente declamado pelos personagens de Alan Arkin, John Goodman e Ben Affleck).
Muito se falou que o filme O Espião Que Sabia Demais resgatava o estilo dos grandes filmes da década de 1970, mas ao ver ver quem promove um resgate maior é Argo, thiller político dirigido e estrelado pelo hoje badalado Ben Affleck (Medo da Verdade). Inspirado em eventos reais, o filme retrata um período de alta tensão da história mundial - Guerra Fria a todo vapor - e resgata uma missão secretíssima capitaneada pela CIA que é inacreditavelmente cinematográfica. Focado na esquematização do plano que prevê a retirada de seis cidadãos norte-americanos perseguidos por populares iranianos revoltosos quanto à atuação intervencionista dos americanos no local (novidade!) da embaixada canadense local, o grande barato do filme está tanto na imprevisibilidade quanto a eficácia do plano proposto pelo agente Tony Mendez (Affleck) quanto na tensão provocada pelo mesmo, especialmente com o clima de loucura e eferverscência política daquele momento.

O elenco, aliado à excepcional caracterização de época (maquiagem, direção arte e desenho de produção etc.), certamente é o grande destaque do filme, ao lado da direção segura e inspirada de Ben Affleck. Apesar de não ser dos mais expressivos, este até que realiza um bom trabalho como o agente condutor da operação Argo, alternando bem a frieza e precisão que um agente necessita, com certo olhar de angústia e temor, que é expresso de forma sutil (quem diria) pelo ator. Contudo, são os coadjuvantes que chamam mais atenção, como os personagens de John Goodman (O Voo) e Alan Arkin (Pequena Miss Sunshine), este último agraciado com uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante pelo papel. Ambos contribuem com um misto de alívio cômico (não forçado) e paixão ao desenvolvimento do filme, em seus papeis de grandes figuras da Hollywood do final da década de 1970. O elenco principal é completado por Bryan Cranston (O Vingador do Futuro), que está bem no filme, mas seu personagem não exige tanto do ator (uma pena, pois é sabido que o mesmo cresce em papeis mais complexos).

Apesar de terem pouco tempo de tela, os atores e atrizes que compõem o núcleo dos "resgatados" também estão muito bem caracterizados, em grande parte pelo ótimo trabalho da equipe de maquiagem, que os compõem com um visual setentista sem pudor algum, dos cabelos aos mustaches (além, obviamente, do vestuário). Não que algum deles se sobressaia tecnicamente, mas apontaria Scoot McNairy (O Homem da Máfia) como aquele dono do papel mais emblemático, especialmente no que se refere à jornada e evolução do personagem. 

Afora o enredo muito bem montado por Chris Terrio (Por Conta do Destino), que foi inspirado tanto no livro The Master of Disguise, escrito pelo verdadeiro Anthony J. Mendez (aka Tony Mendez), quanto no artigo jornalístico The Great Escape, assinado por Joshuah Bearman e acabou por ser indicado a diversas premiações (incluindo aí os sempre ambicionados Globo de Ouro e Oscar), destacaria também o estilo de filmagem abraçado por Ben Affleck, que não só emula a pegada dos thrillers da década de 1970, como imprime toda uma contextualização política ao filme que não atribui um status de inocência aos Estados Unidos como ente político, muito pelo contrário, o estabelece desde os primeiros minutos de projeção como um cúmplice do ocorrido, o que é no mínimo um ato corajoso por parte de Affleck. No aspecto técnico, o jovem diretor também surpreende pela decoupagem minimalista, a opção por tons de cores e enquadramentos que lembram bastante os filmes de Sidney Lumet e Sidney Pollack na década de 1970 - méritos também do diretor de fotografia Rodrigo Prieto (Babel) -, além da precisão do ritmo do filme, que alterna momentos de pura tensão - como a abetura e o encerramento, por exemplo - com outros de clima mais leve ou debate de cunho político. É surpreendente o quão Affleck vem amadurecendo e comprovando seu talento como cineasta.

Espécie de encontro entre os filmes setentistas como Três Dias do Condor (Sidney Pollack) e Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula) com o recente Munique, de Steven Spielberg, Argo é disparado um dos melhores filmes de 2012 - caso tivesse visto ano passado, certamente teria entrado em minha lista -, dentre vários fatores pelo fato de comprovar que ainda há como se investir em obras de entretenimento com bom conteúdo, que não desprestigiem o espectador. Um filme para as massas não necessariamente deve ser um filme obtuso e Argo dá vida a esta tese, de forma praticamente irrepreensível. Dos nove filmes indicados ao Oscar de melhor filme só pude conferir (até então) três deles - Django Livre, Os Miseráveis e, agora, Argo - e não seria justo apontar um deles como preferido com tão pouco conhecimento à respeito dos demais. Contudo, caso a cerimônia chegue e apenas estes continuem em minha rede de memória, torcerei pela vitória de Argo (que abocanhou o Globo de Ouro na categoria), mesmo com todo o auê e teórico favoritismo que os especialistas apontam para Lincoln, de Spielberg. A julgar pelas informações dispostas a cada um dos indicados, a disputa está acirrada (o que é excelente), mas minha torcida fica por Argo. And the Oscar goes to...

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13 fevereiro, 2013

Vida de Cachorro (A Dog's Life, EUA, 1918).


Primeiro título de Charlie Chaplin (Luzes da Cidadena First National Pictures (extinta produtora independente de filmes), Vida de Cachorro é um curta-metragem simpático e engraçado, que carrega as principais características que viriam a se tornar tão reverenciadas posteriormente, como seu comedimento ao abordar o humor físico (muitas vezes beirando o pastelão) e o olhar social arguto, mesmo que aqui ainda bem incipiente. Apostando na luta e na esperança, além de um pouco de sorte como engrenagens para o sucesso, Chaplin apresenta aqui uma peça de entretenimento singular, mesmo que seu roteiro não passe de uma colagem de esquetes.

Contando com a presença de nomes que viriam a trabalhar de forma recorrente com Chaplin, como Edna Purviance (O Garoto) e Tom Wilson, Vida de Cachorro pode ser caracterizado como um filme com alma de sessão da tarde, pois o otimismo contido no mesmo é acachapante e a moral da história inquestionavelmente edificante. Com pouco tempo para discursos mais elaborados, as desventuras do vagabundo e seu cão adotado são entrecortadas por perseguições da polícia e por uma ao mesmo irônica passagem a boate Green Lantern, que por sinal representa o fio condutor de toda a moral da obra, pois marca o encontro da personagem de Chaplin e de seu cachorro com a tristonha moça interpretada por Purviance.

Divertido, compacto (como não?) e edificante, Vida de Cachorro apresenta um Chaplin ainda em formação, mas que já deixa pistas da genialidade que viria a ser sedimentada em seus maiores clássicos, pois conduz aqui uma história leve e a bem verdade despretensiosa, mas que carrega em seu íntimo ecos com diversas outras obras "maiores" do cineasta, especialmente no que se refere à justaposição entre alegria e melancolia, mistura esta que pouco a pouco seria cada vez mais comum ao cinema chapliniano (que o diga Luzes da Ribalta).

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Instinto Secreto (Mr. Brooks, EUA, 2007).


"O homem que tem tudo tem tudo para esconder" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Apesar de ser um ator limitado, Kevin Costner (Pacto de Justiça) é um sujeito bastante carismático e sabe se posicionar em tela como poucos. Após os fiascos Waterworld - O Segredo das Águas e O Mensageiro sua carreira quase foi para o ralo, e é certo que desde então, apesar de ter se mantido atuante, inegavelmente há tempos não desperta atenção massiva do público (é válido destacar que em meados dos anos 1990 Costner era um dos mais bem sucedidos astros de Hollywood). Alternando sua carreira cinematográfica com a de músico (o ator possui um grupo country intitulado Kevin Costner and the Modern West), Costner segue conduzindo uma carreira menos ousada do que outrora, alternando participações em produções modestas como protagonista ou atuando como coadjuvante de luxo em produções mais badaladas e, apesar de não despertar mais o interesse de outrora, mantém o carisma e o jeitão de herói em alta, até mesmo ao compor o enigmático e bipolar Mr. Brooks no thiller Instinto Secreto, de Bruce A. Evans.

Espécie de modernização do clássico romance O Médico e o Monstro, de Robert L. Stevenson, Instinto Secreto é sagra-se como um suspense eficiente e de certa forma distinto, especialmente pela curiosa abordagem psicológica dada ao protagonista interpretado pela dupla Kevin Costner e William Hurt (A Vila) - que resguardam a ligação com romance de Stevenson, pois Hurt acaba representando a personalidade "malvada" de Mr. Brooks - e pelo fato do vilão ser conduzido como o mocinho do filme, dilema este que incomoda o personagem, mas que possivelmente passará batido pelos espectadores, que certamente ansiarão pela próxima vítima do perturbado Mr. Brooks. O diretor Bruce A. Evans, mais conhecido pelo roteiro de Conta Comigo, conduz com competência a produção e se não faz um filme imperdível, pelo menos apresenta uma obra de entretenimento bastante eficiente, graças ao seu trabalho como roteirista e a competência e carisma de seus dois protagonistas.

Talvez os pontos mais fracos da trama de Instinto Secreto sejam as encabeçadas por Demi Moore (Desconstruindo Harry) e Dane Cook (Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada). Enquanto aquela encontra-se bem em tela, mas sua personagem parece caminhar a margem do cerne do filme (ou seja, grande parte de suas cenas poderiam ser descartadas com um mínimo de prejuízo à trama), Cook não convence em um papel mais "dramático", o que poderá fazer com o que o espectador torça com mais afinco para que seu personagem seja assassinado por Mr. Brooks. No âmbito técnico, apontaria como ponto fraco a trilha sonora de Ramin Djawadi (série Game of Thrones), que investe em uma mistura de sons eletrônicos e sintetizados que pouca agregam ao filme, especialmente no quesito tesão. Não chega a estragar algumas cenas, mas certamente gera certo incômodo desnecessário nelas.

Misturando elementos de filmes criminais com toques psicológicos, especialmente na composição do personagem de Costner não como um sujeito maléfico, mas sim como possuidor de uma patologia particular, que o mesmo atribui como um vício em cometer assassinatos - chega a ser cômico quando o personagem participa de reuniões dos alcoólicos anônimos, apesar de não deixar de ser uma boa sacada -, o filme acaba despertando mais interesse pelo estudo deste personagem do que pela caçada liderada pela personagem de Moore ao assassino serial. 

Sucesso mediano de bilheteria e crítica, Instinto Secreto pode não ter trazido Kevin Costner de volta ao rol dos grandes astros ou iniciado nova uma franquia cinematográfica (o plano inicial de Evans era a realização de uma trilogia), mas sagra-se como uma boa revisão do clássico de  Robert L. Stevenson e um, acima de tudo, como um thriller competente, que possivelmente não se tornará um marco do gênero, mas funciona como uma boa peça de entretenimento. Além do mais, é sempre bacana acompanhar Costner se divertindo quando atuando e não preocupado em fazer um espetáculo.

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12 fevereiro, 2013

A Dama na Água (Lady in the Water, EUA, 2006).


Sou um em um milhão quando o papo em questão é a respeito de A Dama na Água, de M. Night Shyamalan (A Vila), pois vou contra a opinião pública e a grande corrente de críticos que consideram a obra um horror ou um vexame cinematográfico, já que vejo pontos mais do que positivos na mesma, que pode cometer certos pecados ou vícios em sua abordagem, devido a suposta arrogância de seu diretor, mas há de ser separado o joio do trigo e quando este recorte é feito um bom filme pode ser descoberto, mesmo que longe de poder ser tido como perfeito.

A Dama na Água não é um suspense fantasmagórico ou um thriller psicológico, mas sim um conto de fadas moderno, cujo subtexto trata tanto da redescoberta dos mitos e lendas como artefato de ressignificação    para a humanidade, quanto da arte de se conduzir uma estória, apresentando a formatação de suas personagens e como cada uma destas possuem funções narrativas importantes a consecução do começo, do meio e do fim da mesma. Existe um recorte óbvio acerca da figura do crítico (não necessariamente apenas o de cinema), que aqui é tratado de forma tão banal e enviesada que acaba surtindo o efeito posto pretendido por M. Night Shyamalan. De ódio pelo arquétipo apresentado, o espectador acaba sentindo graça e pena. O que poderia ser - para muitos críticos o é - o câncer do filme, para mim tornou-se apenas uma metáfora inexpressiva, que tira um pouco do brilho geral da obra, mas não desvirtua o seu caminho. Tanto é que a personagem do crítico - composta de forma blasé por Bob Balaban (Moonrise Kingdom) - mal aparece e, tirando seu monólogo dispensável em sua cena final, acrescenta razoavelmente bem ao esquema  de mistério (como não?) proposto pelo diretor.

Trabalhando mais uma vez com Bryce Dallas Howard (50%) como protagonista, Shyamalan soma forças aqui com o sempre competente Paul Giamatti (Rock of Ages) e constrói um conto de fadas com toques de horror bastante eficiente, tanto em estabelecer uma "mitologia própria" - onde existem os seres vindo do mundo das águas - quanto em criar tipos que despertem interesse. É claro que, se formos analisar friamente, é no mínimo duvidosa a forma com que a miríade de personagens do condomínio residencial apresentado no filme se convence quanto à realidade da criatura mítica que Dallas Howard interpreta, a tal dama da água. Contudo, como se trata de uma história que pede um afastamento de realidade ainda maior que os filmes anteriores de Shyamalan, essa forçação de barra não gera um grande incômodo e, há de se dar o braço a torcer, boas ou ruins, o cineasta sabe como lidar com os níveis de expectativa e curiosidade do espectador, que mesmo não apreciando a resolução de suas obras - esta inclusa -, acaba passando por bons momentos durante o seu desenvolvimento.

Lançado em 2006, mesmo ano em que saiu o bem mais aceito (e realmente superior) O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del Toro, encontro algumas similitudes entre esta obra e a de Shyamalan, tanto por utilizar o tom de fábula para construir significados mais profundos, quanto por ter o olhar da criança como testemunho (no caso deste filme interpreto a inocência e o compromisso do personagem de Paul Giamatti idênticos aos de uma criança ao descobrir todo um novo universo de conhecimentos). Obviamente a abordagem e a intenção dos filmes são distintas, além da sensibilidade de seus respectivos cineastas, mas acredito que a comparação é válida, em sentido de observação, nunca de embate quanto a elevar ou depreciar um ou outro.

Apesar de ser um filme composto por bons momentos, é inegável que a partir deste trabalho Shyamalan começou a apresentar certo cansaço criativo como cineasta, culminando até mesmo com sua maior participação como ator em um filme dirigido pelo próprio, papel este que contribuiu bastante para o enfraquecimento do filme (a síndrome hitchcockiana de Shyamalan beirou a senilidade com esta decisão). Soma-se o fato da presença em tempo integral do Shyamalan ator a alguns pequenos tropeços de pretensão em seu roteiro com algumas opções estéticas de enquadramento que não parecem tão eficazes e o que poderia ser mais uma grande obra assinada pelo então tido como fenomenal cineasta sagra-se apenas como interessante ou dona de um grande potencial, mas que não chegou lá. Os efeitos visuais do filme também soam um tanto esquisitos e a música assinada pelo colaborador atual do cineasta, James Newton Howard (Batman Begins), apresenta aqui talvez os temas menos inspirados de todos os filmes feitos para filmes de Shyamalan.

Alçado a condição de grande nome após o sucesso do longa O Sexto-Sentido, M. Night Shyamalan dividiu opiniões em seus longas posteriores até o corte estabelecido neste A Dama na Água, considerado por muitos o marco inicial da conscientização do cineasta como um engodo na indústria. Não partilho desta opinião, pois mesmo não o tendo como meu realizador favorito, nem o considerando genial, aprecio bastante a maior parte de sua filmografia, tanto pelo fato deste comumente buscar não se repetir - mesmo que na maioria das vezes acabe apelando para o artifício do desfecho "revelador" -, quanto pela criatividade do mesmo, que acredito eu é inegável. A Dama na Água pode não ser interessante quanto A Vila, criativo quanto Corpo Fechado, assustador quanto Sinais ou impactante quanto O Sexto Sentido, contudo não é descuidado e desalmado quanto os títulos que viriam a seguir, Fim dos Tempos e O Último Mestre do Ar, que para mim são as verdadeiras falhas de Shyamalan e que poderiam despertar o pensamento de fraude tão escancarado pela crítica à época de A Dama na Água

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11 fevereiro, 2013

O Garoto (The Kid, EUA, 1921).


Uma coisa é certa: como é gostoso assistir filmes de Charlie Chaplin. Um dos maiores nomes do cinema norte-americano, Chaplin nunca venceu um Oscar por algum de seus filmes e sempre foi considerado um sujeito difícil nos corredores de Hollywood, porém foi inquestionavelmente genial em vida e permanece mais do que vivo ainda hoje, devido a suas grandes obras cinematográficas.

O Garoto, lançado em 1921, pode não ser tão conhecido quanto Tempos Modernos ou Luzes da Cidade, muito menos profundo e urgente quanto O Grande Ditador, mas é um de seus trabalhos mais simples e encantadores. A química existente entre Chaplin e o garotinho Charlie Coogan é surreal, pois convence tanto nas cenas onde há a incidência de uma maior carga dramática quanto naquelas em que o pastelão impera. Eis que esta é outra característica bem mais amostra neste filme, talvez pelo mesmo ainda primar pela inocência em sua narrativa e pelo brilho circense de sua comédia.

É bem verdade que algumas esquetes são mais bem cuidadas que outras, tendo destaque aquelas que envolvem diretamente a relação entre o vagabundo interpretado por Chaplin e seu filho adotado. Sequências antológicas como as do menino quebrando as janelas das casas, enquanto seu "pai" vende novas vidraças para substituir as que foram danificadas rende alguns dos melhores momentos do filme, que pode não ser sublime, mas mantém-se magistralmente divertido.

Apesar de não ser muito aprofundado, a questão da miséria nos Estados Unidos pré-1929, além da discussão sobre o abandono de crianças devido a falta de condições financeiras e psicológicas de se criá-las são pontos de destaque no filme, que faz questão de realizar este recorte social - ainda comum, por sinal - sem esquecer de que sua função primordial é fazer rir e entreter, função esta que é mais do que bem sucedida.

A bem verdade é difícil saber se O Garoto seria uma obra tão interessante se não contasse com a presença de Jack Coogan, pois sempre que o pequeno surge em cena o filme parece crescer. É claro que Charlie Chaplin sabe disso e explora o máximo que pode o relacionamento entre seu personagem e o de Coogan. Bem conduzido e com uma moral da história mais do que explícita, O Garoto pode se orgulhar de estar no rol dos filmes atemporais, mesmo sendo em branco e preto, mudo e de época, pois sua essência continua atual até hoje e os temas abordados continuam a fazer links com nossas problemáticas sociais. Apresentando um Chaplin mais bufão do que crítico, o filme aposta na inocência como ponto primordial de seus eventos e, devido a escolha, acaba muito bem sucedido como um todo. 

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O Óleo de Lorenzo (Lorenzo's Oil, EUA, 1992).

"Algumas pessoas fazem seus próprios milagres" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Fazer um filme que tenha como tema principal um acontecimento trágico ou um evento real triste é bem complicado, pois é relativamente fácil cair na armadilha da falsa comoção e da exploração de lágrimas vazias. Contudo, O Óleo de Lorenzo, de George Miller (Mad Max), sai pela tangente e não guarda identificação direta com as características citadas, pois mesmo sendo um filme construído para sensibilizar - como não o ser ao abordar uma história tão dolorida? - sua construção não foca apenas no lamento, muito pelo contrário, o filme tem na luta, perseverança, superação e, principalmente, esperança seu direcionamento primordial, o que acarreta numa obra tributo não só a uma família que enfrentou o despreparo da ciência à época e até mesmo o axioma religioso caracterizado por "é a vontade de Deus" e operou seus próprios "milagres", mas também um exemplo de que o homem, quando em situações limites, possui capacidades cognitivas inimagináveis. Romanceamento a parte, Miller realiza aqui, ao lado de Nick Nolte (Cabo do Medo) e Susan Sarandon (A Viagem), uma obra sensível, preciosa e dona de um discurso simples e eficiente, que nos mostra que o escuro só teme a luz (e vice-versa).

A construção do filme é irretocável, pois não perde tempo ao apresentar a condição do menino Lorenzo (Zack O'Malley Greenburg) e enfoca sem meias palavras tanto na deterioração progressiva do garoto, que carrega uma doença genética denominada adrenoleucodistrofica (ALD) - doença esta até então pouquíssimo conhecida pela ciência médica nos anos 1980 -, quanto na angustiante missão comprada por seus pais, Augusto (Nolte) e Michaela Odone (Sarandon), que "enfrentam" a pragmática da ciência, a reticência das organizações de apoio aos pais de filhos portadores de ALD. Apesar de ter tido certo problema com a caracterização de Nolte, especialmente o sotaque carregado empregado pelo mesmo com o intuito de compor um italiano, tanto ele quanto Sarandon se entregam por completo aos seus personagens, não deixando de transparecer um segundo sequer que não são os pais do garoto e que mudariam o curso de rotação do planeta pela vida do filho, se assim pudessem fazer. Inclusive Sarandon abocanhou algumas indicações por este papel, incluindo os sempre visados Globo de Ouro e Oscar. Não levou nenhum deles, mas o reconhecimento é mais do que merecido.

A estrutura narrativa de O Óleo de Lorenzo é bastante objetiva, até por que sua função nada mais é do que condensar (e, por que não, romantizar quando necessário) pouco mais de um ano das vidas da família Odone em cerca de duas horas de filme, recorte este que mostra desde a identificação da condição de saúde do pequeno Lorenzo, até a "descoberta" do óleo com propriedades curativas à ALD, mas isso não significa que o filme torna-se menos impactante ou irretocável devido a possível "previsibilidade" do enredo. Além disso, tem-se como "complemento" a técnica de George Miller, que aposta em enquadramentos sutis, mas que reforçam o poder e o domínio de seu elenco, além da bela fotografia - o que dizer das tomadas nas ilhas Comoro, especialmente a cena das crianças correndo atrás de uma pipa, no início do longa - de John Seale (O Paciente Inglês).

Reverenciado pela crítica e esnobado pelo público à época de seu lançamento, aos poucos O Óleo de Lorenzo galgou sucesso entre a massa, especialmente com o advento do home-video (é possível que sua mãe ou tia tenha este filme como um dos mais emocionantes já vistos) e pode ser considerado como um dos mais bem equilibrados e contundentes filmes já feitos sobre eventos reais. Muito se discutiu acerca do que seria exagero ou não apresentado pelo filme. Considero este tipo de análise uma bobagem, pois o que aconteceu com o Lorenzo real não deve ser encarado como testemunho irretocável para a construção de um filme a seu respeito, já que o cinema, como arte e manifestação cultural, tem suas próprias leis a serem "obedecidas". O Óleo de Lorenzo é uma obra de ficção inspirada por eventos reais, contudo é construída de forma tão contundente e convincente que desconstrói metaforicamente seu aspecto ficcional em verdades ao espectador, que pode não sair totalmente convencido de suas palavras, mas é indiscutível que gera momentos de reflexão. Sendo assim, estão de parabéns George Miller, Nick Enright (co-roteirista), Susan Sarandon, Nick Nolte e demais membros da equipe do longa, além dos verdadeiros Augusto, Michaela e Lorenzo Odone, por sua batalha particular que se transformou em um exemplo da força positiva que o ser humano possui, acabando indiretamente inspirando esta pequena obra de arte e manifesto de luta sem violência que é o filme O Óleo de Lorenzo.

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09 fevereiro, 2013

O Voo (Flight, EUA, 2012).


Quão raro é hoje se envolver com um filme que deposita todas - isso mesmo, todas - as cartas em seu ator principal, deixando em segundo plano a ação, os efeitos, o romance, enfim, toda aquela gordurinha que permeia as grandes histórias, mas que de certa forma acaba por tirar um pouco o foco do cerne das mesmas. Não que esta "gordura" não seja necessária e preciosa quando bem aplicada, porém quando um diretor opta por deixá-la um pouco de lado, com o objetivo de com isso pontuar melhor um personagem-chave da história a ser contada, não é sentida sua falta, pois a conexão e o interesse despertados pelo tal personagem nos deixa totalmente focados no que ocorre em seu entorno e não no contexto geral. Robert Zemeckis (Forrest Gump - O Contador de Histórias) foi inteligentíssimo ao compor o filme quase que totalmente em favor de seu astro principal, Denzel Washington (Protegendo o Inimigo), que acaba brilhando mais uma vez ao compor um personagem forte, crível, no qual  as idiossincrasias saltam aos olhos, resultando em um papel não menos que complexo.

O plot inicial de O Voo foca na contradição entre o salvamento de praticamente toda uma tripulação por um piloto de avião (Washington) após uma pane no mesmo - ação esta que torna o personagem automaticamente um herói - e o fato do piloto seu alcoólatra e estar sob efeito de não só álcool, mas também de drogas durante todo o trajeto do avião, da decolagem à queda. Apesar desta premissa gerar momentos de tensão absurdos - Zemeckis orquestra com perfeição os momentos de angústia e aflição passados pelos tripulantes do voo - , o grande cerne do filme reside na exploração do personagem de Washington, um homem extremamente capaz e competente, mas que possui feridas mais do que aparentes. Feridas estas que são amenizadas, em grande parte, pelo seu vício. É certo que em nenhum momento nos é apresentado de forma clara qual seria o motivo (ou motivos) da condição atual da personagem - o fato deste ser divorciado não diz tanto -, mas a bem verdade este conhecimento não é exatamente necessário, em parte pela boa construção de personagem realizada por John Gatins (Gigantes de Aço), mas acima de tudo pela iluminada composição de personagem de Denzel Washington, merecidamente indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro.

Há tempos não conferia um filme tão bom e eficiente tanto dirigido por Zemeckis quanto atuado por Washigton (talvez o último deste tenha sido O Gângster, de 2007, enquanto o do primeiro certamente foi Náufrago, de 2000) e O Voo consegue de certa forma resgatar o que ambos os artistas tem de mais precioso: a capacidade de orquestrar uma obra de certa profundidade, mas que não descarta o caráter de entretenimento. Tanto o plot central quanto os assuntos periféricos tratados pelo filme são dignos de reflexão, pois perpassam não apenas pelo debate acerca dos dilemas próprios do personagem de Washington - que, por sinal, guarda ecos com as problemáticas de qualquer um de nós, quer queiramos enxergar esta relação ou não -, mas também reflexões de cunho ético, moral e até mesmo filosófico, onde a discussão dos fins e meios sedimentada por Maquiavel é vez ou outra levantada.

Tecnicamente O Voo não desperta tanta atenção, creio eu que de forma proposital, por que tudo (dos temas compostos por Alan Silvestri, parceiro habitual de Robert Zemeckis a própria abordagem visual deste) é feito de forma minimalista, saltando aos olhos não a técnica dos envolvidos no aspecto imagético, mas sim o trabalho do elenco. Este é recheado de grandes nomes alocados em participações pequenas, mas importantíssimas a complementação da discussão inicial do filme: a dualidade do acidente catastrófico e sua repercussão na vida do personagem de Washington. Dentre os nomes que contribuem para a sedimentação do longa, destaco Don Cheadle (Crash - No Limite), John Goodman (Vivendo no Limite), Kelly Reilly (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), James Badge Dale (Shame)  e Melissa Leo (O Vencedor), que dão ainda mais força à obra fílmica, mesmo que de forma indireta.

O enaltecimento dado ao filme neste texto não incide do fato deste ser perfeito ou totalmente crível, pois há elementos que suscitam dúvida no âmbito narrativo ou até mesmo um certo inchaço em sua metragem, todavia não concordo com a opinião de que o desfecho do filme, atribuído por muitos como moralista, descaracteriza a essência do longa ou o torna menor. É certo que nestes tempos de cinismo e desconfiança automatizada (ou seja, carente de reflexão pormenorizada) a descrença quanto a possibilidade de redenção e recomeço abstrato de um indivíduo, até mesmo na ficção, parece ser visto apenas como concessão por parte dos realizadores para os moralistas de plantão, quando o ideal deveria ser analisar o contexto que envolve as decisões - no caso do filme - antes de julgá-lo não crível ou decepcionante. Moralista ou não, é certo que Zemeckis, Gatins, Washington e cia. realizam um trabalho exemplar em O Voo, apresentando temas pertinentes a serem debatidos e (principalmente) refletidos, além de possivelmente elevar um pouco o ânimo e a estima daqueles que necessitam de exemplos de superação e de reencontro com a própria essência como forma de inspiração e, por que não, catalisador de transpiração. 

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08 fevereiro, 2013

Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, ING/EUA, 2011).

"O filme me surpreendeu. Uma performance impecável de Tilda Swinton" (Indiewire).
Os primeiros dez minutos de projeção de Precisamos Falar Sobre o Kevin podem gerar certa confusão e dificuldade de entendimento sobre o que se passa no espectador, muito pela rápida alternação de linhas narrativas de tempos distintos e pelo pouco espaço (até então) dedicado a apresentação da personagem principal, Eva, por sinal interpretada com  propriedade e incrível poder de imersão por Tilda Swinton (vencedora pelo Oscar de melhor atriz coadjuvante por Conduta de Risco). Contudo, logo essa primeira impressão de "bagunça" é assimilada com mais facilidade e a compreensão acerca do que se passa é sentida, num misto de choque e curiosidade, características que permanecem durante toda a projeção do filme, aliadas a um clima oscilante (no bom sentido) de tensão.

Adaptação direta homônimo de Lionel Shriver, o filme transporta para o mundo da ficção um evento que infelizmente hoje parece bastante "comum", especialmente na nação dos "loucos", os Estados Unidos da América, que é a deturpação juvenil arraigada a problemas familiares de cunho psicológico e a expressão de morte nos corredores da escola (aspecto já retratado anteriormente no filme Elefante, do cineasta Gus Van Sant). Tendo como fio condutor os personagens Eva e Kevin (interpretado pelo ótimo Ezra Miller, na fase adolescente da personagem) - mãe e filho - e seu relacionamento complexo, incômodo e muitas vezes repulsivo, o longa explora uma temática bastante difundida pela mídia nos últimos dez ou vinte anos, mas pouco compreendida pela sociedade, especialmente pelo seio familiar, que não se vê como ao mesmo tempo cúmplice e refém de acontecimentos como os apresentados em Precisamos Falar Sobre o Kevin, especialmente o seu desfecho mais do que trágico, altamente desestabilizador. Certamente a diretora Lynne Ramsay (ao lado do co-roteirista Rory Stweart Kinnear) optaram por dar um grande destaque em uma espécie de "demonização" das personagens Eva e Kevin e na concepção dos mesmos como antagonistas entre si e ao mesmo simulacros um do outro (as rimas visuais, como aquela em que ambos aparecem mergulhando o rosto na água são mais do que claros), que resulta bem a proposta do filme, todavia senti falta de uma objetividade maior na apresentação do histórico "largado" da personagem de Tilda Swinton, informações estas que certamente confeririam ainda mais propriedade a sua relação com o personagem de Miller.

Apesar de não ser exatamente dinâmico, Precisamos Falar Sobre o Kevin possui uma narrativa tão fluída que acaba despertando interesse quase que de imediato, além de imprimir um ritmo crescente de tensão, especialmente quando as variações de tempo começam a diminuir de intensidade, o que acaba por provocar um misto de angústia e aflição no espectador, que certamente prevê - como algumas cenas anteriormente já haviam adiantado - que nada de bom virá conforme o filme vai passando. Certamente Lynne Ramsay mostra-se como uma boa cineasta, compondo planos interessantes - alguns belíssimas e altamente metafóricos, como aquele que apresenta o pequeno Kevin sentado de costas a sua mãe, numa imagem que resume por completo o vácuo que existe entre ambos - e sendo direta quando necessário. No entanto, talvez sua maior contribuição ao filme tenha sido no quesito direção de atores, pois os mesmos são inequivocamente os grandes destaques da película. Mesmo que o excepcional trabalho de composição de Tilda Swinton a alce como o maior dentre estes destaques, o restante do elenco principal mostra-se bastante nivelado, especialmente John C. Reilly (Deus da Carnificina) - contido, mas não menos competente - e o até então desconhecido Ezra Miller, que sai muito bem sucedido na missão de não transformar seu personagem numa caricatura.

É certo que o filme não tem grandes artifícios no âmbito de composição técnica, já que certamente sua fotografia ou trilha sonora, por exemplo, não se sobressaem narrativamente - a bem verdade o que está sempre acima dos outros é o elenco, sem sombra de dúvida - mas não deixa a desejar em nenhum sentido, pois serve bem ao filme no âmbito geral. No entanto, apesar deste equilíbrio é válido destacar a recorrente inclusão da cor vermelha como elemento de ligação entre as ações futuras do filme, que culminam na tragédia envolvendo o jovem Kevin e sua escola. Da tinta anarquicamente posta na casa de Eva a geleia posta na torrada por Kevin, passando obviamente pelo sangue do massacre promovido pelo mesmo,  o vermelho é um elemento importantíssimo à narrativa do filme, especialmente como sinalizador do perigo inevitável (pelo menos para o filme). Além disso destacaria também a opção narrativa de Ramsay em apresentar o filme como objeto das reminiscências de Eva, o que por sinal justifica a confusão de imagens entre antes e depois bastante utilizada no filme.

Um filme dotado de opiniões fortes, com personagens tridimensionais e interessantes - mesmo que em momento algum os conheçamos a fundo -, possuidor de uma mensagem rica e de importância ímpar ao debate e a discussão, a bem verdade Precisamos Falar Sobre o Kevin não expressa nada de novo acerca das vicissitudes do mal  presente nos recônditos da natureza humana, mas o sintetiza de maneira tão profunda, urgente e, por que não, poética, que acaba sagrando-se único e, mais, importante. Certamente este não será o filme definitivo a abraçar tal temática, contudo apresenta-se como um dos mais sinceros e eficientes já feitos. Precisamos Falar Sobre o Kevin não está preocupado em passar a mão na cabeça de ninguém, muito menos em justificar ações, simplesmente registra um fato possível e nos faz sangrar junto as vítimas (mortas ou não), pois querendo ou não, todos estamos no mesmo barco quanto a imprevisibilidade  e a pequenez da existência, afinal de contas somos apenas humanos. Como provocou Nietzsche "demasiadamente humanos".

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05 fevereiro, 2013

Os Miseráveis (Les Misérables, ING, 2012).


"Luta. Sonho. Esperança. Amor" (Tradução do texto disposto no poster do filme).
Talvez impactante seja a palavra que melhor defina esta mais nova versão de Os Miseráveis, de Victor Hugo, para o cinema. Primeira aposta no gênero musical, o filme dirigido por Tom Hooper (vencedor do Oscar por O Discurso do Rei) é visualmente deslumbrante, com seus figurinos e recriação de época impecáveis, mas concentra sua força no comprometimento e performance de seu elenco primoroso, encabeçado pelos astros Hugh Jackman (Gigantes de Aço), Russel Crowe (Os Indomáveis) e Anne Hathaway (Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge). Não que o filme atinja a perfeição esperada - uma baita de uma relativização -, porém seu poder de convencimento e equilíbrio entre tensão, ação e emoção é tão bem aplicado que por alguns instantes "esquecemos" que a obra se trata de um musical, praticamente sem falas de acompanhamento.

Um dos maiores triunfos do filme de Tom Hooper é o direcionamento quase que total as canções em sua narrativa. Poucas são as falas entoadas pelas personagens que não expressas através de música. Para mim, este foi um ganho artístico tremendo a obra, que apostou no talento (uns mais, outros menos) vocais de seu elenco e costurou a história quase que completamente apenas por canções. Contudo, apesar da opção por musicar totalmente o filme, poucas são as sequências que envolvem danças coreografadas, o que também é, ao meu ver, um grande acerto, pois as poucas apresentadas acabam por gerar certo incômodo à narrativa apresentada até então de maneira sóbria.

As personagens Jean Valjean, Javert e Fantine são muito bem compostos por Jackman, Crowe e Hathaway, respectivamente. Tanto na qualidade vocal - sinceramente não compreendi a birra a respeito do desempenho de Crowe, que realmente não possui a desenvoltura e alcance dos outros dois, mas aqui realiza um trabalho interessante, transparecendo bastante melancolia ao seu acorrentado personagem - quento na expressão os três estão de parabéns, com óbvios destaques para Jackman e Hathaway - não à toa ambos acabaram indicados a diversas premiações -, que oscilam com bastante naturalidade expressões de decadência e glória, satisfação e pequenez a seus personagens. Fisicamente Jackman encontra-se perfeito, pois de forma quase camaleônica some das diversas versões temporais de sua personagem, desmistificando por completo sua figura de galã ou do X-Men Wolverine. 

O restante do elenco também não deve nada ao trio principal, especialmente no quesito qualidade vocal. Destacaria as performances de Samantha Barks (que vem do musical no qual o filme também foi inspirado), como Éponine, Daniel Huttlestone, como o pequeno mártir Gavroche e Amanda Seyfried (O Preço do Amanhã), que surpreende como cantora, apesar de sua composição de personagem não despertar muito interesse (Isabelle Allen, intérprete de Cosette quando criança, possui mais carisma que Seyfried). Eddie Redmayne (Sete Dias com Marilyn), Helena Bonham-Carter (Sombras da Noite) e Sacha Baron Cohen (O Ditador) não possuem um grande poder vocal, mas compõem bem suas respectivas personagens (mesmo que não tenha apreciado o excesso de alívios cômicos protagonizados pelos dois últimos, como anteriormente).

Com uma nomeação ao Oscar pelo seu trabalho em O Discurso do Rei, o diretor de fotografia Danny Cohen não consegue desenvolver aqui um trabalho tão bom, especialmente por adotar uma configuração visual demasiadamente escura, que se a princípio soa interessante no sentido dramático, no todo acaba por prejudicar o entendimento de certas sequências de ação, pois dificulta a visualização da cena. A decoupagem do filme também é irregular, visto que apresenta alguns planos com angulações estranhas, que ao meu ver não possuem uma função narrativa clara. Obviamente que nenhuma dessas duas opções estéticas chega a prejudicar o entendimento da obra, mas a tornam um pouco mais difícil de ser absorvida.

Em essência um filme de atores, Os Miseráveis versão 2012 é um filme realizado com gosto e bastante encaixado com os nossos tempos, pois resgata com louvor e competência um discurso sobre liberdade, poder, sistema, opressão, dentre outros, que ainda vigem nos nossos dias. A modernidade está a toda, com sua pretensa revolução a nos deixar abismados e esperançosos, contudo muito do que foi registrado por Victor Hugo no romance original e que acabou resgatado pelo filme de Tom Hooper mantêm-se atualíssimo, sendo impossível não visualizar a miserabilidade social e, principalmente, humanista apresentada pelo filme. Uma coisa é certa, esteticamente o filme é excelente, mas conceitualmente sagra-se primoroso.

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