29 abril, 2012

Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jō, JAP, 1957).


"Olhe este lugar desolado
Onde existiu um castelo majestoso
Cujo destino caiu na rede da luxúria e do poder
Onde vivia um guerreiro forte na luta
Mas fraco diante de sua mulher
Que o induziu a chegar ao trono
Com traição e derramamento de sangue
O caminho do mal é o caminho da perdição
E seu rumo nunca muda"
(Canção que introduz e fecha o filme).

Apesar da péssima qualidade de imagem e som da edição do filme que conferi (versão em DVD da Continental Filmes), Trono Manchado de Sangue (a tradução literal do título original Kumonosu-jô, seria Castelo Teia de Aranha, referência crucial para o objetivo do filme), uma obra-prima de Akira Kurosawa (Rashomon), pôde ser apreciada e absorvida com plenitude. Adaptação livre de Macbeth, de William Shakespeare, para o Japão feudal, este filme é um verdadeiro tratado acerca da ambição e ganancia humana, da capacidade do ser-humano de partir ao encontro do mal, de sua fragilidade ao ser manipulado principalmente por aqueles a que mais confia.

Mais uma vez trabalhando com o carismático Toshirô Mifune (Os Sete Samurais), Kurosawa desconstrói a poética de Shakespeare em um filme de ação dramático, repleto de simbolismos presentes na cultura japonesa, mesclando o lúdico com o real, no intuito de contar a trajetória de um homem que, sob a influência do sentimento de ambição da esposa, comete atos de desespero e violência até chegar ao trono, mas  não o sustenta por muito tempo, sucumbindo à loucura antes do seu destino trágico. Quando destaco que o cineasta desconstrói Macbeth, não quero dizer que a obra é transformada, mas sim que toda a complexidade daquele é totalmente captada nesta versão de Kurosawa, ou seja, o cineasta desconstrói visando reconstruir, e consegue este feito com primor.

Indicado ao Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza, Trono Manchado de Sangue não arrematou nenhuma grande premiação, mas pode ser considerado como um dos mais complexos e elaborados filmes de Kurosawa, além de ser tido pelo crítico literário Harald Bloom como a melhor adaptação cinematográfica de Macbeth até hoje. Eis aí mais um marco na carreira do até hoje considerado mais importante cineasta japonês. E este ainda é o terceiro filme de sua vasta filmografia que tive o prazer de conferir.

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Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jô)
Filmes de AKIRA KUROSAWA comentados:

Jornada nas Estrelas: O Filme (Star Trek: The Motion Picture, EUA, 1979).

"A aventura humana está apenas começando" (Chamada do poster oficial do filme).
Realmente há muita diferença nas abordagens dos filmes das séries Jornada nas Estrelas e Star Wars. Ao contrário do clima épico e de aventura desta, Jornada nas Estrelas investe mais na ambientação e no discurso, tendo como meta a "descoberta" de galáxias inexploradas em detrimento de combates e ação. Primeiro filme derivado do seriado dos anos 1960, Jornada nas Estrelas: O Filme é uma eficiente ficção-científica, que preserva o clima dos filmes clássicos dos anos 1950 e 1960 que ambientavam o espaço sideral, ao mesmo tempo em que acrescenta uma carga filosófica e científica ao seu argumento. Ademais, a não ser pelo visual incômodo, em especial o figurino, que realmente se apresenta datado, o argumento elaborado por Alan Dean Foster e desenvolvido por Harry Livingston é relativamente bem mais rico e complexo do que a maioria das ficções-científicas contemporâneas.

Dirigido pelo experiente Robert Wise (A Noviça Rebelde, O Dia em Que a Terra Parou) e estrelada pelo mesmo elenco do seriado, inclusive com as célebres presenças de William Shatner, Leonard Nimoy e DeForest Kelley (nos papéis icônicos que resumiriam suas carreiras), Jornada nas Estrelas: O Filme é um filme interessante, consciente de suas limitações, mas com esmero suficiente para deixar marcas no gênero. Entretanto, apesar do cuidado de todos os envolvidos, a ambição do filme não foi cumprida a contento, visto que o mesmo apresenta sérios problemas em sua estrutura narrativa, possuindo uma boa introdução e conclusão marcante, mas peca bastante em seu desenvolvimento quebrado e relativamente confuso. Além do elenco, é importante destacar a excepcional trilhas sonora assinada por Jerry Goldsmith (A Profecia), que criou um dos temas mais conhecidos e queridos do cinema.

Entretanto, apesar de não alcançar a perfeição e não ter os efeitos visuais mais impactantes da década de 1970 (esse posto foi alançado com sobras por Star Wars), Jornada nas Estrelas: O Filme é justamente tido como um dos marcos do gênero, conseguindo construir um entretenimento eficaz e divertido, sem deixar de abordar seu mais caro atributo, que é a discussão científica vinculada ao ser-humano. Por fim, é válido ainda destacar as presenças de dois nomes que credibilizam ainda mais a produção: o cultuado escritor Isaac Asimov (trilogia Fundação, Eu Robô) como consultor e John Dykstra (Homem Aranha), um dos responsáveis pelos efeitos visuais, hoje um dos mais respeitados coordenadores da indústria cinematográfica americana.

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Texto sobre Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa (1986)

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28 abril, 2012

A Proposta (The Proposition, AUS/ING, 2005).


Vendido como uma espécie de faroeste ambientado na Austrália, esta quando colônia britânica, A Proposta na verdade parece uma mistura de Além da Linha Vermelha e Um Novo Mundo, de Terrence Malick, com Os Imperdoáveis, de Clint Eastwood, além de ter um "quê" da trilogia dos dólares de Sergio Leone. Visualmente deslumbrante, dono de um argumento forte, onde a vingança é o mote principal, mas principalmente cheio de cenas e diálogos em tons poéticos, este filme que despontou o diretor e roteirista australiano John Hillcoat e o músico Nick Cave, líder da banda de rock Nick Cave and the Bad Seeds, como roteirista, é um verdadeiro estouro mental, enfim, um filme de difícil assimilação, mas bastante interessante do começo ao fim. É válido destacar que esta dupla repetiu a parceria no posteriormente reverenciado A Estrada, adaptação cinematográfica do romance de Cormac McCarthy (Cave co-assinou a trilha sonora) e no aguardado Lawless, que estreará ainda este ano, trabalho no qual Cave acumula os cargos de roteirista e compositor.

A Proposta conta com um elenco de primeira, dentre os quais se destacam Guy Pearce (Amnésia), Danny Huston (O Aviador), Ray Winstone (Os Infiltrados), Emily Watson (Cavalo de Guerra) e John Hurt (Imortais). Entretanto, dentre estes os que se sobressaem são Hurt e Watson, o primeiro entregando um misto de intelectualismo e manipulação à construção de seu caçador de recompensas, já a segunda consegue transmitir toda a dor e medo sentido pela personagem através de pequenos detalhes de sua expressão facial. Entretanto, apesar do recorte, houve um grande trabalho não só desses, mas de todo o elenco do filme.

Como já destacado acima, o visual do filme é simplesmente matador. As locações foram captadas de maneira sublime, ambientando com competência o terreno árido e isolado que é o cenário da trama. Outro aspecto magistral é a sujeira e pobreza empregada através dos figurinos e design de produção, numa espécie de evolução caótica do apresentado no já citado Os Imperdoáveis, já que neste A Proposta o que não falta é poeira, roupas sujas, sangue, suor e mosquitos em todos e tudo apresentado no filme.

Com um tom intimista, contemplativo, filosófico e, por que não, "viajado" como os filmes mais recentes de Mallick, uma aura de desapego, virilidade e estetização do real de Eastwood, além da violência e urgência dos faroestes de Leone, A Proposta conduz o espectador numa trama estranha, repleta de angústia, tensão e violência, que apesar de difícil digestão, é encerrado com um final apoteótico, quando mostra ao espectador um amálgama de violência e tensão pouco visto no cinema contemporâneo. Apesar de não ser um filme para todos os público, A Proposta talvez ganhe relevância pelo fato de ser tão único, mesmo que a mensagem do mesmo não se torne tão clara na primeira conferida. 


AVALIAÇÃO: 7 de 10.

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A Proposta (The Proposition)
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Irmãs Diabólicas (Sisters, EUA, 1973).


Este primeiro filme de destaque do cineasta Brian De Palma (Missão: Impossível) é um primor em termos de narrativa e técnica. Como o próprio destaque no cartaz oficial anuncia, Irmãs Diabólicas bebe muito do estilo hitchcockiano de filmar, tanto pelo estilo de câmera do diretor quanto pela trama repleta de mistério e reviravoltas, um prato cheio para os fãs do cineasta inglês. Estrelado pelas até então novatas Margot Kidder (Superman, O Filme) e Jennifer Salt (Perdidos na Noite), o filme não está preocupado com a verosimilhança ou realidade dos fatos mostrados, mas sim com o despertar do interesse do espectador pela trama e em criar uma conexão com o mesmo, aspecto este fundamental para o sucesso do filme.

Apesar de contar com efeitos especiais e maquiagem de gosto duvidoso - vale frisar que além de ter sido filmado no início dos anos 1970, o filme teve um orçamento muito baixo -, Irmãs Diabólicas é um grande filme, muito mais pelo clima da obra, que lembra um casamento entre Psicose e Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, do que pelo enredo, que soa surreal e fantasioso em muitos sentidos, além de alguns furos um tanto quanto óbvios, mas que soa tão fascinante e bem filmado que acaba deixando os problemas narrativos em último plano. Além disso, há a presença de outro aspecto hitchcockiano, a presença do maestro Bernard Herrmann, autor da clássica trilha de Psicose, que faz também um grande trabalho aqui.

Talvez não haja dúvida acerca do esmero de Brian De Palma como construtor de grandes cenas, em especial seu cuidado e vasta criatividade na criação dos planos, ângulos e sequências complexas, às vezes sem corte algum, entretanto talvez agora seja claro que seus dotes tenham sido expostos pela primeira vez, de forma massiva, neste interessantíssimo Irmãs Diabólicas. Como não deixar de notar a bela condução da sequência de cenas entrecortadas do primeiro assassinato, inclusive com dois pontos de vistas apresentados simultaneamente, através do recurso de divisão de tela? Simplesmente perfeito tecnicamente. Mas como não poderia ser, visto que foi concebido pelo mestre (para muitos sucessor de outro) De Palma.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Irmãs Diabólicas (Sisters)

27 abril, 2012

Tropas Estelares (Starship Troopers, EUA, 1997).


Já se passaram  duas décadas e meia desde que o visionário cineasta holandês Paul Verhoeven (Robocop, o Policial do Futuro, Instinto Selvagem) entregou seu último filme evento, um blockbuster de raiz – O Homem Sem Sombra, de 2000, apesar de comercial está longe de apresentar a grandiosidade até então recorrente nas produções do holandês – , dono de quase todos os elementos que marcaram seus filmes hollywoodianos. Tropas Estelares tem a cara do seu realizador. Está nele a ironia, o pessimismo, o sarcasmo, o futuro recente distópico, a crítica midiática, o exagero artístico e, principalmente, as altas doses de violência estilizadas que são marcas de Verhoeven. Entretanto, apesar dos elementos estarem dispostos, isso não faz de Tropas Estelares um grande filme. Pelo contrário, talvez a reunião da marca do cineasta com um orçamento gigantesco tenha feito mal a produção, que tem poucas cenas realmente marcantes e, mais do que isso, pouco carisma. Ou seja, apesar de hiperbólico e visualmente estupendo – principalmente para a época -, o filme resulta num produto apático e sem grandes atrativos, além de pouca ou nenhuma inovação (ou evolução) na estética do diretor.

Na verdade, o filme só engata mesmo após a primeira hora de projeção, quando as tropas do título finalmente entram em combate com os insetos alienígenas, visto que sobra pouco espaço para o texto em si e sobra para as cenas de ação, que apesar de não serem espetaculares, são o que dão refresco e interesse ao filme. Utilizando uma óbvia metáfora ao pensamento militarista do homem, onde a invasão e a antecipação de conflitos (te ataco antes que você decida me atacar) é razão de ser, além da manipulação midiática com relação a patriotismo e engajamento nacionalista, e a própria inexperiência da juventude, com sua sede muitas vezes irracionais como tentativa de provar sua capacidade perante os “adultos”, o filme tenta correlacionar tais aspectos num caótico futuro alternativo, onde o planeta Terra encontra-se em constante conflito com um planeta alienígena.

No entanto, apesar das qualidades poéticas, o desenvolvimento por parte de Verhoeven e, principalmente, pelo roteirista Edward Neumeier (que trabalhou com holandês anteriormente no primeiro Robocop) beira ao banal. Muitas vezes tola, a linguagem optada por este exagera no tom cartunesco e sarcástico, transformando algo que deveria e tinha o potencial de ser irônico numa galhofada sem limites. O elenco também não ajuda, visto que talvez este seja o pior de toda a carreira de Verhoeven – onde nomes como Casper Van Dien (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) e Denise Richards (Garotas Selvagens) atuam? – porém, como não acredito que o cineasta tenha acreditado na qualidade deste, creio que a escolha tenha sido proposital, na tentativa de ambientar melhor a trama no intuito de estabelecer um misto de filme de ficção-científica B (como as dos anos 1950) com a já conhecida mensagem crítica antibelicista e violentíssima do holandês. Infelizmente, não deu certo, causando ao filme mais mal do que o previsto.

Por outro lado, apesar de no geral ser um desastre na pretensão de tornar-se um grande filme do gênero, Tropas Estelares galgou o status de obra cult, muito pela pegada visceral de Paul Verhoeven como realizador, tanto que além de gerar algumas seqüências lançadas diretamente em home-video, o original é bastante cultuado pelo público nerd, além de muitos o considerarem um dos melhores filmes do cineasta, opinião esta que com certeza discordo.

Enfim, Tropas Estelares não é um filme ruim, contudo também não é uma grande obra. Sua pretensão de entretenimento inteligente acabou dando errado e, por diversos motivos (alguns já apresentados aqui) acaba soando mais como um entretenimento bem intencionado mais muito tolo do que como uma grande referência de uma geração. Para finzalizar, devo fazer um recorte que envolve uma questão distante do conteúdo e que também não fez bem ao filme, principalmente com o passar dos anos, que é o quesito estético. Não só os efeitos visuais envelheceram (apesar de uma outra produção lançada no mesmo ano, Titanic, continuar praticamente “perfeito” até hoje), como a concepção visual, no que se refere aos figurinos e ao design do filme em geral, soam muito ultrapassados - mais até do que o de outro filme do cineasta, O Vingador do Futuro (Total Recall), de 1990 -, mais um ponto negativo para a imersão do espectador no mundo apresentado pelo filme. A título de comparação, sem avaliar a questão técnica e orçamentária (até por que a mesma não cabe), o design futurista dos militares e dos veículos de Avatar, de James Cameron (também diretor de Titanic), soam muito mais críveis e apoiados numa lógica funcional do que os de Tropas Estelares, que além de parecerem extremamente artificiais e não operacionais como instrumentos de guerra, após estes 15 anos desde seu lançamento, estão cada vez mais longe do que imaginamos existirá num futuro próximo.

* Texto originalmente publicado no blog Teia Pop.

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Tropas Estelares (Starship Troopers)
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Filmes de PAUL VERHOEVEN já comentados:

O Preço do Amanhã (In Time, EUA, 2011).


"Ninguém é culpado pelas condições em que nasce". (Will Salas, personagem de Justin Timberlake).
O maior problema de O Preço do Amanhã é sua ambição, já que ela nunca é justificada durante toda a projeção do filme. Dono de um tema interessante e de um início promissor, pouco a pouco a trama do filme vai se perdendo, principalmente pela inconsistência em termos de credibilidade dos eventos e pela falta de foco do filme em si: seria um thriller, um drama, um romance ou uma aventura? Este carrossel de gêneros acabam por diminuir a obra, que de aparentemente complexa torna-se não mais do que uma aventura divertida e bem filmada, mas com um senso de discussão vazio. Enfim, o que provavelmente fica na cabeça ao término do filme é: mas do que se trata mesmo filme?

Admiro muito o trabalho de Andrew Niccol, tanto apenas como roteirista (O Show de Truman) quanto como roteirista e diretor (Gattaca, O Senhor das Armas), pelo fato deste ser criativo e contundente em suas histórias, quase todas construídas com um realismo palpável, não em busca de passar mensagens negativas, mas simplesmente construir e apresentar histórias mais próximas a vida comum, mesmo que através do método metafórico, visto que Niccol "sempre" se sai melhor quando "cria" possíveis realidades futurísticas. Entretanto, este sempre realmente realmente é frágil, já que o cineasta errou bastante em O Preço do Amanhã.

Com um currículo tão bacana e ideias interessantes, é uma pena constatar o fiasco que este filmou acabou se tornando. De uma premissa inteligente acabou por se tornar num filme bobo, com cara de inteligente mas que na realidade não quer dizer nada. A estética dos relógios que marcam quanto tempo de vida os homens possuem é bacana, a química entre os protagonistas Justin Timberlake (A Rede Social) e Amanda Seyfried (Mamma Mia!) funciona - apesar do desenvolvimento tolo que os une e, principalmente, os mantém unidos -, mesmo que particularmente não goste do trabalho desta como atriz. Entretanto, no que se refere ao elenco, quem realmente ganha destaque é Cilliam Murphy (Extermínio), que mesmo conduzindo um personagem menor - e sem tanta profundidade -, entrega uma performance forte e viril, dando uma segunda dimensão ao vilão que interpreta.

Como ponto positivo, devo destacar o quesito estético. Apesar de nada inventivo, a opção por deixar a concepção visual do futuro apresentado pelo filme mais próxima a dos nossos dias faz contribui para que o espectador compre mais fácil a realidade do futuro apresentado. Sendo assim, nada de carros voadores ou armas lasers na concepção de Niccol. De certa maneira, o design de produção lembra bastante o de Gattaca, primeiro filme deste como diretor (talvez o trabalho mais interessante de sua carreira) e o recente Os Agentes do Destino, de George Nolfi (filme baseado num conto de Philip K. Dick). Afora a ambientação, destacaria também a trilha sonora assinada por Craig Armstrong (Ray), que pontua bem o clima de urgência da trama. 

Como afirmado, O Preço do Amanhã torna-se pior pelo fato de conhecer quem está por trás do seu desenvolvimento. O filme não foi concebido para ter como foco um romance entre classes sociais distintas, muito menos para discutir as injustiças obtidas pelo sistema que segrega os homens e apresenta oportunidades distintas aos mesmos (ora bolas, o sistema econômico capitalista), mas sim para apresentar qual seria o próximo passo deste mesmo sistema quando a tecnologia evoluir ao ponto de, ao invés de papel representar os recursos e patrimônios de cada um, o tempo seria a única moeda capaz de mover a economia (leia-se: sociedade). Infelizmente, esta premissa foi engolida por Niccol pouco tempo após o início do filme, de uma forma que poderia ser definida como suicídio conceitual.

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O Preço do Amanhã (In Time)
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26 abril, 2012

Rashomon (JAP, 1950).


"É por serem fracos que os homens mentem até mesmo para eles". (personagem de Machiko Kiô).

Dá até tristeza pensar que este é apenas o segundo filme que confiro de Akira Kurosawa (o outro foi Os Sete Samurais), visto a qualidade visual, narrativa e de conteúdo destas duas obras do cineasta japonês. Referência no quesito de mostrar uma mesma história sobre mais de um ponto de vista (no caso deste filme, pelo menos três), Rashomon é na verdade mais um trabalho do cineasta que discute a essência do ser-humano, suas particularidades, suas incompletudes e subjetividades, tudo isso elencado sob o ponto de vista da moralidade, reunindo aqui personagens aparentemente sem conflitos, espectadores de um enredo alheio, mas que na verdade acabam se mostrando mais mais conflituosos do que o próprio conflito proposto pela trama. Realmente o trabalho de Kurosawa é complexo, entretanto, quase tudo é mostrado através de signos, de mensagens subliminares, sub-textos numa trama que em essência é simples, sem grande arroubo ou complexidade narrativa, até por que o que se destaca neste filme pela complexidade é o quesito técnico, de montagem dos diversos pontos de vista e do posicionamento de câmera, um tanto quanto "voyeurístico", que guia o espectador aos diversos olhares apresentados pelo longa.

Relativamente curto (cerca de 90 minutos) e com um sentimento de tensão crescente, Rashomon tem a qualidade de passar num piscar de olhos, tanto pelo interesse despertado ao espectador (qualidade narrativa), quanto ao vai e vem da história, que de certa forma auxilia na manutenção deste interesse. Distante do cinema feito hoje, mas ainda referência à diversos novos e velhos cineastas, este grande vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza é óbvio pré-requisito para qualquer um que admira cinema - como talvez todos os filmes de Kurosawa -, pois apesar do pouco orçamento (aparentemente) do filme e do enredo composto mais por metáforas do que por trama em si, Rashomon é um filmaço em todos os sentidos, daqueles que em cada nova visita mais elementos são descobertos, além de ser um filme único, daqueles que inspiram e inspirarão diversos outros, mas que certamente nunca serão superados.

: : :

Destaque especial para a interpretação do ator Toshirô Mifune, como o bandido Tajômaru, que o compõe com camadas de exagero e comicidade, mas também com humanidade e medo. Um grande trabalho do companheiro quase que constante de Akira Kurosawa.

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Rashomon
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Anônimo (Anonymous, ING/ALE, 2011).


"Toda arte é política, Jonson, ou seria apenas decoração. E todo artista tem algo a dizer, ou fabricaria sapatos". (Edward de Vere, personagem de Rhys Efans, em conversa com o poeta Ben Jonson, personagem de Sebastian Armesto).

Anônimo é uma deslumbrante obra de ficção disfarçada de drama histórico. Dirigido pelo comumente conhecido como destruidor de filmes (literalmente) alemão Roland Emmerich (Independence Day, 2012), este misto de drama e thriller é com certeza seu melhor trabalho como cineasta, pena que foi tão pouco visto (infelizmente foi um fracasso financeiro, dando margem ao retorno do diretor aos filmes de catástrofes naturais e não-naturais, o que é uma pena). Dono de uma trama cheia de conspirações, onde o ponto fulcral é a velha teoria de que não teria sido William Shakespeare (Rafe Spall, de Um Bom Ano) o consagrado autor das obras certificadas ao mesmo, como Henrique V e Romeu e Julieta, por exemplo, mas na verdade este teria servido apenas de engodo para o verdadeiro autor, o nobre Edward de Vere (Rhys Efans, que despontou para o mundo como o amigo "estranho" de Hugh Grant no badalado romance Um Lugar Chamado Notthing Hill, co-estrelado por Julia Roberts), o 17º Conde de Oxford. No meio de tudo, muita politicagem, traições, dramaturgia e mortes, bem ao estilo das obras do autor "biografado". O saldo do filme é positivo primeiramente por assumir-se como ficção, apesar de todo o cuidado da produção em transmitir realidade ao período abordado e, segundamente, pelo fato de que a própria história de Shakespeare é controversa até hoje, tendo os registros da época e as comprovações de que todas as obras ligadas ao mesmo seriam mesmo de sua autoria não são totalmente conhecidas.

Tecnicamente deslumbrante, bem-amarrado e com um enredo bastante interessante, Emmerich e o roteirista John Orloff (O Preço da Coragem) conseguem construir aqui um filme com estilo das obras de Dan Brown (escritor do best-seller O Código Da Vinci), de fácil consumo, com grande grau de interesse, com potencial para polêmicas, apoiadas num estilo de narração crível, mas que são assumidamente ficcionais. Tanto é que, para reunir tamanho nomes importantes no elenco, em especial figuras carimbadas do teatro inglês (que muito provavelmente transpiram Shakespeare desde o início de suas carreiras), como a eterna dama Vanessa Redgrave (Blow-Up - Depois Daquele Beijo), Joely Richardson (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) - ambas interpretam a rainha Elizabeth I, da Inglaterra e, a título de curiosidade, são mãe e filha na vida real -, David Thewlis (O Menino do Pijama Listrado) e sir Derek Jacobi (Hamlet), a produção teria que ter méritos positivos e ser competente ao apostar na desmistificação de uma figura importantíssima da arte  e da ocidental, assumindo-se como obra de entretenimento e apoiado na ficção, mas com qualidade e realidade na ambientação apresentada.

Sendo assim, considero Anônimo um ótimo filme, uma grande surpresa na filmografia do diretor alemão, mostrando que apesar de suas escolhas duvidosas como cineasta possui discernimento, sensibilidade e talento para conduzir um filme interessante e bem cuidado (não só no aspecto visual, como sua filmografia atestava), sem assim preferir, além de apresentar um baile de belos figurinos (indicado ao Oscar), cenografia caprichado, efeitos especiais sutis e bem colocados e performances impecáveis de todo o elenco, em especial do "protagonista" Rhys Ifans, Sebastian Armesto e Edward Hogg (Alfie, o Sedutor), construindo com competência talvez o grande "vilão" da história.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Anônimo
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25 abril, 2012

Os Indomáveis (3:10 to Yuma, EUA, 2007).


"Até mesmo os bandidos amam as suas mães". (Ben Wade, personagem de Russel Crowe).
Gosto muito do trabalho de James Mangold (Garota Interrompida) como diretor, não só por seu estilo de filmar (bem clássico, por sinal), mas principalmente pelo ecletismo apresentado pelo mesmo, tendo trabalhado com praticamente todos os gêneros e subgêneros cinematográficos conhecidos - talvez faltando apenas embarcar num filme horror ou animação - e este Os Indomáveis (mais um péssimo título nacional) um de seus melhores. Baseado num conto do conceituado romancista policial norte-americano Elmore Leonard (O Nome do Jogo, Jackie Brown) e remake de uma produção dos anos 1950, o filme "evolui" o conceito iniciado por Clint Eastwood em Os Imperdoáveis e revisitado por Kevin Costner em Pacto de Justiça, só que com um estilo mais moderno e mais focado na ação. Entretanto, apesar do ritmo ágil e do enredo um tanto quanto simples, Mangold e a dupla de roteiristas Michael Brandt e Derek Haas (Procurado) trabalham os personagens de maneira aprofundada, mostrando dilemas de caráter e justiça que culminam num dos melhores finais de filmes de faroeste em muitos anos. 

Estrelado com competência e boa-vontade pelos astros Russel Crowe (Gladiador) e Christian Bale (Batman Begins), Os Indomáveis é um filme divertidíssimo, bem filmado, envolvente e com um conteúdo interessante, mostrando-se equilibrado entre entretenimento e levantamento de questões relevantes para discussão, nunca sendo chato, muito menos tolo. Possuidor de um excelente elenco de apoio, com destaque para o talentoso  - e ainda não notado pelo grande público - Ben Foster (Pandorum), que transforma um personagem caricato num dos grandes destaques de todo o filme e o veterano Peter Fonda (Sem Destino), retornando ao gênero imortalizado por seu pai, Henry Fonda, além da participação do então desconhecido Logan Lerman, que anos depois viraria "herói" infanto-juvenil ao protagonizar filmes como Percy Jackson e o Ladrão de Raios e a versão de Paul W. S. Anderson do clássico Os Três Mosqueteiros.

Com duas indicações ao Oscar (melhor trilha sonora e melhor mixagem de som), Os Indomáveis é um dos  bons filmes que deram sobrevida a um gênero hoje tão raro na indústria do cinema, que envolve e desperta curiosidade, não apenas prestando tributo ao jeito clássico de se captar um longa do estilo, mas ousado o suficiente pra dar uma cara modernosa a este, seja através da edição mais dinâmica e das bem postas cenas de ação, ou simplesmente pelo grau de profundidade dado aos personagens geralmente unidimensionais dos faroestes, provocando assim uma empatia mais imediata do espectador para com as figuras apresentadas no filme.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Os Indomáveis
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Sete Dias com Marilyn (My Week With Marilyn, ING, 2011).



Uma verdadeira homenagem não só ao mito Marilyn Monroe, mas ao cinema da década de 1950 - talvez o último suspiro da aura clássica da indústria -, Sete Dias com Marilyn traz como pano de fundo a primeira participação da atriz numa produção totalmente inglesa, co-estrelada e dirigida por sir Laurence Olivier (Kenneth Branagh, de Frankenstein de Mary Shelley) e os eventos que circundaram esse trabalho, em especial o breve affair de Monroe com o jovem auxiliar de Olivier, Colin Clark (Eddie Redmayne, de Cavalo de Guerra). Um filme de poucos eventos, que se apoia quase que totalmente nas performances de seu elenco, um verdadeiro colírio para os olhos de todos os entusiastas da sétima arte.

Além das magistrais participações de nomes respeitadíssimos do cinema e do teatro como Judi Dench (Notas Sobre um Escândalo), Derek Jacobi (Hamlet), Toby Jones (Capitão América: O Primeiro Vingador), Julia Ormond (Lendas da Paixão) e o já citado Branagh e de jovens promissores como Dominic Cooper (A Duquesa), Emma Watson (série Harry Potter) e o também citado Redmayne, o filme conta com a brilhante, dedicada e delicada interpretação de Michelle Williams (Namorados para Sempre) como a deslumbrante Marilyn Monroe, que transmite com perfeição e sensibilidade os contrastes desse mito tão conhecido, mas pouco compreendido, além de fisicamente lembrar muito a original - óbvios aplausos para os responsáveis pelo figurino e maquiagem da atriz.

Quanto ao enredo, Sete Dias com Marilyn não apresenta nada de fantástico. Sua trama, baseada em eventos reais, é redondinha e interessante, mas sem um brilho que a torne especial, talvez por isso a qualidade e empenho do elenco se destaque mais do que o próprio enredo. Sem grandes falhas, talvez o ponto mais baixo do filme seja o seu estilo de montagem, dono de muitos cortes bruscos, que em momentos podem chegar a atrapalhar a concentração e o entendimento do espectador.

Dirigido com capricho pelo inglês Simon Curtis, dono de grandes performances - em especial dos indicados ao Oscar por este trabalho, Michelle Williams e Kenneth Branagh -, Sete Dias com Marilyn é, mais do que tudo, uma bela homenagem ao cinema, um filme dedicado a uma musa que continua referência até hoje, mas que na verdade retrata mais do que uma simples pessoa, mas sim todo um estilo de época, uma era cinematográfica, um cabedal de artistas, uma época que não mais voltará. Um belo e bem acabado filme, que se mostra tão divertido quanto elucitativo.

AVALIAÇÃO: 7 de 10.

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