30 novembro, 2012

Os Infratores (Lawless, EUA, 2012).


"Não é a violência que faz a coragem de um homem. É quão longe ele está disposto a ir..." (Forrest Bondurant, personagem de Tom Hardy a Jack Bondurant, interpretado por Shia Labeauf).
É bem óbvio que este novo trabalho do diretor australiano John Hillcoat (A Proposta) foi idealizado para o público masculino, tamanha a testosterona e - por que não - despropósito apresentado ao narrar a trajetória criminosa dos irmãos Bondurant durante os anos finais da lei Seca nos Estados Unidos e seu violento embate com a força policial local, regado a muita "honra" e sangue. Não que o mesmo não possa ser visto e apreciado por mulheres, porém a temática debruçada pela obra é absolutamente masculina no atingimento do seu cerne.

Com certeza podendo ser categorizado como mais um filme metafórico acerca da sedimentação do norte-americano como povo formado à sangue e suor e que prima pelo alcance do sucesso e da ascensão em vida com o próprio esforço, Os Infratores pode não se debruçar em grandes debates dramático- existenciais, mas resgata de maneira bastante forma crua e direta elementos presentes não só na estrutura "matricial" do homem norte-americano, mas alarga preâmbulo, falando assim do ser macho universal, em seu estado bruto e latente.

A condução da narrativa feita por Hillcoat e seu parceiro costumaz Nick Cave (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford) é direta, aplicando uma narração introdutória que resume a figura de cada um dos três irmãos Bondurant, para assim poder desenvolver a trama que acompanha os principais percalços sofridos por eles, especialmente com o afunilamento da persecução da lei devido a chegada de um distinto policial de Chicago. É certo que, apesar de baseado em fatos reais e ambientado no período dourado do contrabando de bebidas nos Estados Unidos, há muito de faroeste neste filme, tanto pela fotografia aplicada por Benoît Dellhomme (1408) quanto pela técnica de Hillcoat, que de certa forma mantém o olhar estético apresentado em seus dois filmes anteriores, A Proposta e A Estrada.

Mesmo que a violência (pesada, mas nunca sem finalidade aos objetivos propostos pela obra) e seus desdobramentos catárticos subliminares (ou não) do espectro homem-macho citado a pouco seja um personagem fortíssimo, não há como negar a força que o elenco de Os Infratores traz ao filme, elevando-o de um bom filme de época para uma quase obra-prima do gênero. Os arquétipos distintos dos irmãos Bondurant distribuídos entre os atores Tom Hardy (Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge), Shia LaBeauf (Transformers) e Jason Clarke (Inimigos Públicos) literalmente ganham vida, especialmente na composição dos dois primeiros (Clarke tem bem menos tempo em cena do que ambos), tendo Hardy assumido de vez a categoria de criador de tipos (o cara é muito bom) e LaBeauf comprovando que, quando quer, entrega atuações convincentes que não remetam a adolescentes nerds e/ou problemáticos. As  (poucas) mulheres do filme são representadas por Jessica Chastain (O Abrigo) e Mia Wasikowska (Jane Eyre), que mesmo não tendo um grande desafio em mãos, despertam interesse por suas personagens.

Entretanto, se há um nome a ser destacado no elenco é Guy Pearce (Prometheus). Interpretando o estranho e deslocado policial Charley Rakes, o inglês surpreende ao abraçar a caricatura para construir um ser duplamente repugnante e curioso, que desperta o interesse imediado do espectador acerca de qual seria a verdadeira natureza do mesmo. Do visual desconexo ao ambiente do filme aos trejeitos e inflexões ao reverberar palavras, Pearce constrói juntamente a Hillcoat e Cave um dos "vilões" mais interessantes dos últimos anos, quiçá o mais estranhamente curioso desde o Anton Chigurh de Javier Bardem, em Onde os Fracos Não Tem Vez. Parece que o ator se mostra sempre a vontade ao trabalhar com o diretor, vide que esta é a terceira parceria entre ambos. Por fim, mas não menos importante, destacaria a presença do jovem Dane DeHaan, que recentemente foi "revelado" ao grande público com o sucesso do filme Poder Sem Limites (e que está muito bem neste Os Infratores), como também a pequena - e narrativamente dispensável - ponta de Gary Oldman (O Espião Que Sabia Demais), cuja participação é sempre interessante.

No todo Os Infratores é um filme muito bem cuidado, que abraça com força um pedaço não muito belo da história norte-americana (que reflete a da própria humanidade) num filme corajosamente violento, mas que carrega no seu íntimo uma poesia visível, não somente acerca do resgate do instinto assassino e da confusão entre honra e vingança tão comum aos seres humanos (tanto machos quanto fêmeas), mas também quanto a mais do que natural tendência dos nossos tempos em trocar os papéis entre ordem e caos, certo e errado, bem e mal, ao traçar os teoricamente vilões do filme (os Bondurant) como mocinhos e os teoricamente heróis do mesmo (Charley Rakes e demais oficiais de polícia) como os bandidos. Os Infratores não é o primeiro filme, muito menos o último a apresentar esta inversão de valores e conceitos, porém o faz de forma objetiva e própria, qualidades estas que asseguram esta incômoda produção como uma das melhores do ano. Pena que as grandes premiações (Oscar incluso) possivelmente irão preteri-la, especialmente devido as não concessões quanto a violência gráfica presentes na obra. 

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29 novembro, 2012

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, ESP, 2011).

"Loucura, Fúria. Paixão" (Tradução da chamada disposta no poster do filme).
Realmente este é um filme de Pedro Almodóvar (Carne Trêmula)? Não que a técnica do mesmo não se encontre no filme, porém a estética apresentada neste primeiro thriller do espanhol carrega influências outras que até então não haviam sido percebidas por mim ao acompanhar parte de sua filmografia. Com um escancarado ar hitchcockiano, A Pele Que Habito é um filme surpreendente do início ao fim, seja pelo aspecto técnico ou pela narrativa e desenvoltura da trama, que guarda sim ecos do universo fantástico e      particular do diretor, contudo este são concebidos de maneira tão discreta que a essência da obra acaba quase que totalmente direcionada para a construção da fábula medonha e curiosa intitulada A Pele Que Habito.

Tendo como fonte de inspiração o romance Mygale, do francês Thierry Jonquet, Almodóvar constrói aqui um misto de drama e suspense que tem tudo para prender a atenção do espectador do início ao fim. Comprovando mais uma vez que seu talento narrativo não se resume apenas aos melodramas pelo qual o cineasta acabou conhecido, aqui o enfoque é tanto na apresentação das motivações experimentais do cirurgião plástico (ou esteticista) Robert Ledgard (Antonio Banderas, de A Toda Prova) quanto na exploração da mente do mesmo, onde Almodóvar monta não apenas o vilão sádico comum as produções do gênero, mas sim o destaca como um louco bem motivado, um pai em busca não só de vingança e reparo, mas também em conflito interno com a próprio ofício, que infere nele uma lógica de criador, como se pudesse "consertar" as fatalidades do seu passado literalmente através das próprias mãos.

A concatenação de eventos que dá vazão à questão da mudança de personalidade e da troca de sexo, através dos experimentos do doutor Ledgard possivelmente incomodará alguns, pois lida com o recorte (argh!) de paradigmas óbvios ao clássico entendimento humano de que macho é macho e fêmea é fêmea, no mais puro sentido biológico. Mas, apesar de ser partidário de rompantes de extravagancia em suas comédias de costumes, o cineasta espanhol nunca foi deliberadamente explícito em suas abordagens mais dramáticas (afinal de contas, não estamos falando de Eli Roth ou até mesmo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez), apostando mais na sugestão dos eventos de cunho mais pesado (o que, ao meu ver, provoca temores iguais ou maiores do que os apresentados de forma explícita) e na construção do clima,  plantando assim sugestões (perturbadoras ou não) à mente do espectador com muito mais eficácia e profundidade.

Entretanto, não é apenas o forte aspecto psicológico inserto à trama que possivelmente despertará a atenção do espectador pela obra, pois há um conjunto de fatores que alicerçam com força. Em primeiro lugar, não há como não incutir o trabalho de composição de Alberto Iglesias (O Caçador de Pipas) como sendo vital para a consumação do clima de tensão que o filme pede, pois tanto o emprego dos clássicos temas de piano presentes em grande parte da filmografia de Pedro Almodóvar quanto (principalmente) o tema principal (e suas variantes) impregnado de violinos dissonantes que provocam uma forte sensação de urgência e angústia são essenciais a imersão total à obra. O cinematógrafo José Luís Alcaine (Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos) também aparece como peça fundamental à boa construção do filme, já que ao lado do diretor define os tons visuais, as lentes e as angulações que permitem ao espectador tanto acompanhar o desenrolar dos eventos de forma fixa quanto insere a cadência dramática - ao lado de Iglesias - do filme.

Merecem aplausos também a equipe de arte - composta por Antxón Gómez (design de produção) e Carlos Bodelón (direção de arte), que confere um ar peculiar de "esterilidade" a atmosfera do filme e o departamento de maquiagem, especialmente o especialista em efeitos de maquiagem Tamar Aviv (Pandorum), que ajuda a compor a ilusão proposta pelo filme seja através dos aparatos utilizados pelo personagem de Banderas, seja pelos efeitos referentes aos processos cirúrgicos apresentados pelo filme. Obviamente os demais membros da equipe também realizaram um ótimo trabalho, mas aplico aos citados como os que se destacam mais, muito devido a própria abordagem do filme, que acaba por destacá-los com maior frequência.

No quesito elenco A Pele Que Habito também surpreende. Marisa Paredes volta a trabalhar com Almodóvar após os cultuados A Flor do Meu Desejo e Fale Com Ela e mesmo com o pouco tempo em cena, confere profundidade a sua personagem e enriquece a trama do filme. A bela Elena Anaya (Alatriste) mostra-se a vontade no papel de Vera, a misteriosa paciente de Robert Ledgard, especialmente se levarmos em conta que a personagem é bastante complexa, mas Anaya se sai muito bem e entra de corpo e alma na personagem. Jan Cornet (There Be Dragons), apesar de não chamar tanto a atenção, também entrega uma boa atuação a Vicente, personagem que a exemplo do de Paredes aparece pouco,  mas cresce bastante neste ínterim. Contudo, ao meu ver o grande destaque encontra-se na composição complexa de Antonio Banderas ao seu personagem, conferindo reação múltiplas ao mesmo, passeando por angústia, desdém, cólera, vingança e, por que não, certa "insanidade funcional", nesta que para mim é a melhor interpretação de sua carreira, até por que a mesma causou uma grande surpresa em minha pessoa, visto que nunca o considerei um grande ator e como Robert Ledgard Banderas está impecável, quiçá o grande motor do filme, ao lado do sempre onipresente Almodóvar.

Talvez o único ponto falho no âmbito de roteiro seja a conclusão um tanto quanto apressada dada ao filme com o intuito de elevar o clímax ao máximo e este ponto é especialmente coroado com a descoberta altamente dedutiva (e pouco crível, ao meu ver) do então parceiro de clínica do personagem de Banderas, que soma x + y e "descobre" praticamente todo a maquinação do cirurgião. Certamente esta cena não chega a arranhar o bom trabalho desenvolvido até então por Almodóvar e cia., mas é inegável que engasga um pouco a credibilidade da sequência de cenas apresentadas até então, talvez servindo para lembrarmos que , apesar de distinto de suas outras realizações, ainda estamos a conferir um filme de Pedro Almodóvar e o mesmo tende ao histrionismo e ao drama escancarado vez em sempre.

Obviamente as possibilidades de discussão acerca do conteúdo explorado pelo filme são inúmeras e não cabe aqui sequer tentar elencá-las, pois muito do prazer (tem que ser esta palavra) despertado por ele deve ser visto/sentido de maneira natural, tendo o espectador o mínimo de informações possíveis acerca da essência da obra. Que o filme bebe bastante de Alfred Hitchcock não há como negar, até por que o próprio diretor faz questão de apontar o mestre do suspense como uma de suas influências, porém vou um pouco mais longe. A temática, a elegância dos enquadramentos, a composição cena a cena, a ambientação, a montagem (por José Salcedo, ótimo também) não-linear, a música como elemento explicitamente narrativo e o clima erótico-masoquista me remete instantaneamente outro "filhote" de Hitchcock, o também genial (porém um tanto à margem do panteão dos grandes diretores norte-americanos de sua geração) Brian De Palma, que se destacou justamente pela abordagem de filmes como este A Pele Que Habito, o qual considero (ironicamente ou não) como o melhor filme de De Palma dos últimos vinte anos, mesmo tendo sido concebido e brilhantemente realizado por um aparentemente pássaro fora do ninho, o "porra-louca" Pedro Almodóvar. Tomara que o vindouro Passion te traga de volta ao topo por suas próprias mãos, De Palma, pois senão teu último grande thriller registrado em minha mente será este que acabou por não ser teu.

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28 novembro, 2012

Shame (ING, 2011).


As implicações psicológicas trazidas por Shame, de Steve McQueen (Hunger), são inúmeras, todavia não possuo competência ou conhecimento suficientes para esmiuçá-las, mesmo possivelmente as identificando. No entanto, não é apenas no âmbito psicológico que a obra se faz presente, pois o estudo de personagem (ou personagens, já que há uma forte exploração da família no filme) empregado por McQueen e Abi Morgan (A Dama de Ferro) passeia pela fotografia do homem em si e com isso transpassam elementos que beijam a sociologia, antropologia, filosofia, biologia e a própria psicologia, reunindo um verdadeiro carrossel de "logias" com o "simples" intuito de refletir aspectos da condição humana.

Shame não é um filme fácil e isso não se dá por uma possível complexidade de sua trama (que é complexa, mas não ininteligível), mas sim pelo seu largo caráter subjetivo, que requer paciência, sensibilidade e principalmente interesse do espectador, já que o barato do filme não é resolução de respostas ao conflito proposto, muito menos a explanação das possíveis perguntas, mas sim constatar que há pequenos detalhes no íntimo do ser humano praticamente indecifráveis quanto ao seu por que, mas existem e nos transtornam.

Após visualizar o estupendo trabalho de interpretação de Michael Fassbender (Um Método Perigoso), é praticamente impossível acreditar que o mesmo foi descartado entre os indicados ao Oscar (e outras importantes premiações) por esta atuação, tamanha a densidade, profundidade, desapego e entrega demonstrados pelo ator, que apresenta a evolução (ou degeneração) da sua personagem não só através do texto, mas principalmente através da sutileza de suas expressões, especialmente o olhar, que a medida do avanço do filme fica cada vez mais cansado e distante, como que sucumbindo ao despropósito e vazio do vício num caminho sem volta.

Há um episódio interessante que acontece com Brandon, personagem de Fassbender, quando este parece se envolver sentimentalmente (pela primeira vez ou em muito tempo) com uma mulher (Nicole Beharie), sendo curioso notar que o fato desta ser negra, enquanto Brandon é caucasiano, pode apontar para uma relação subliminar acerca da incompatibilidade deste para com a possibilidade de um relacionamento complexo, sem a necessidade biológico-compulsória pelo ato sexual. Pode ser que o contraste "branco e preto" não tenham sido posto com este intuito, mas é óbvio que entre estas duas personagens foi despertado um sentimento diferente, especialmente em Brandon, o que acarretou na "perda" temporária de sua "aptidão" masculina, refletindo num ato de impotência por parte do personagem, que culminaria na declínio quase que total de sua percepção psico-sensorial de mundo, como o tenso clímax do filme mostra.

Carey Mulligan (Educação), que interpreta a problemática e "indesejada" irmã de Brandon, tem pouco tempo em cena, mas sempre que aparece chama a atenção, seja pelo seu charme de menina ou mesmo pela densidade dramática que a mesma traz a personagem, até por que a grande maioria de suas cenas rendem conflitos ou momentos inusitados. Pouco lembrada por esta atuação, talvez pelo grande desempenho de Fassbender, Mulligan traz um pouco de luz ao filme, o que não deixa de ser irônico, visto que sua personagem é tão machucada e perdida quanto Brandon.

No âmbito técnico, destacaria dois pontos: em primeiro lugar, a fotografia composta por Sean Bobbitt (parceiro do diretor Steve McQueen), especialmente pela forma com que posiciona a câmera, empregando um olhar direcionado ao personagem de Fassbender, mas sempre de uma certa distância, quase que como se fosse um "analista" perante as ações tomadas pelo personagem. A bem verdade as lentes de Bobbitt transmitem um clima voyeur as cenas, que mostram-se amplificadas pela utilização de reflexos e espelhos (especialmente nos momentos de maior confusão de Brandon). A iluminação das cenas noturnas também é belíssima, com destaque para a sequência onde os personagens de Fassbender, Mulligan e James Badge Dale (série The Pacific) passeiam de táxi após um jantar, quando vislumbramos através do reflexo da janela da porta do carro as propagandas luminosas do coração de Nova Iorque, que parece querer invadir o carro. Para mim, um momento belo e com toques de lisergia.

O trabalho do diretor Steve McQueen merece destaque, pois só o fato de dar sentido lógico e, por conseguinte, despertar o interesse do espectador para uma trama que, num primeiro olhar, não traz grandes viradas dramáticas (pois, como comentei, aposta muito mais na subjetividade), já comprova sua capacidade, porém o cineasta não se contenta apenas em organizar (ou pelo menos guiar o espectador) o sentido do filme e imprime sua marca visual no mesmo, através dos enquadramentos peculiares ao personagem de Fassbender - a sequência inicial do filme já deixa o espectador pensativo quanto à proposta do filme -, indo da primeira cena vista em plounge ao desfecho carregado num plano aberto.

Todavia, apesar de bem executado e possuidor de uma mensagem absolutamente relevante e atual, confesso que a concepção em tons realistas do filme me soaram pessimistas em demasia, até por que acredito que se o excesso de positividade em determinadas obras podem causar certo desconforto (afinal de contas, nem tudo que é doce faz bem, não é), a dose extra de negativismo também pode soar desinteressante, o que ao meu ver acaba acontecendo com Shame em alguns momentos. Me considero bastante "resolvido" quanto a enxergar as agruras de nossos tempos, porém mesmo partidário da máxima hobbesiana que confere o "homem como o lobo do homem", confesso que como espectador me senti incomodado em demasia durante alguns momentos do filme (me refiro a ideia do mesmo, não tanto a exploração imagética), principalmente ao imprimir a imagem de Brandon a minha própria persona e, com isso, me sentir acorrentado ao determinismo negro de sua existência proposto por McQueen e Morgan. Obviamente isto não faz do filme melhor ou pior, porém assinala sua complexidade subjetiva e sua tendência a enxergar o pior do homem. Infelizmente, não creio que neste sentido a teoria esteja errada.

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27 novembro, 2012

Distrito 9 (District 9, EUA/NZE/CAN/AFS, 2009).


"Nenhum ser humano é permitido. Você não é bem vindo aqui" (Livre tradução das frases dispostas no cartaz oficial do filme).
Uma boa ideia e muita criatividade valem muito mais do que um grande orçamento à disposição e Distrito 9, estreia do sul-africano Neill Blomkamp na direção de um longa metragem, atesta essa assertiva. Apadrinhado pelo oscarizado Peter Jackson (trilogia O Senhor dos Anéis), Blomkamp conseguiu realizar uma ficção-científica contemporânea  e recheada de crítica social, com ecos óbvios do regime do apartheid de seu pais - o filme se passa em Joanesburgo, África do Sul -, mas sem soar maçante ou político demais, muito pelo contrário, apesar de brincar com a estética de documentário, Distrito 9 é entretenimento acima de tudo, com efeitos visuais competentes e diálogos espertos.

O filme estrelado por Sharlto Copley (Esquadrão Classe A) tem como pano de fundo a transferência de uma comunidade alienígena (isso mesmo) de um bairro periférico (o tal Distrito 9) para uma instalação "supostamente" mais adequada aos mesmos. São quase dois milhões de habitantes no tal distrito e obviamente tanto a remoção deles quanto as motivações por trás desta ação não são lá das mais prodigiosas. Copley interpreta um Zé Ninguém que recebe a "honra" de liderar a equipe de despejo, mas acaba infectado por uma misteriosa substância, que acaba transformando-o pouco a pouco num dos "camarões" (termo pejorativo aplicado aos alienígenas) que tanto o enoja.

Apesar do pano de fundo já confirmar a criatividade de Blomkamp e da co-roteirista Terri Tatchell (ou, no mínimo, o seu poder metafórico), o grande chamariz do filme reside mesmo na transformação de caráter pela qual passa o personagem de Sharlto Copley, Wikus van de Merwe, quando o mesmo passa a sentir na pele (literalmente) como é ser e viver como um "alienígena marginalizado". É impossível não associar os "camarões" as minorias marginalizadas, mais especificamente os negros sul-africanos, tanto pelo filme se passar no país, como também pelo criador da trama ser cidadão deste país.

Fazendo um recorte, é válido destacar que, apesar de no panorama geral os alienígenas de Distrito 9 ganharem uma aura de vítimas, o diretor acerta ao não generalizar tal conceito, pois estabelece os personagens com características próprias, tendo inclusive espaço para "camarões" criminosos (ladrões, assassinos etc.) e violentos, tanto quanto os seres-humanos, dando assim uma abordagem mais crível à trama, que os apresenta de forma generalista como vítimas da exploração humana (nenhuma novidade, não é?), mas sem os santificar, construindo-os também como seres falhos, possivelmente de caráter tão bifurcado quanto o nosso.

Uma das maiores surpresas do ano de 2009 (tanto é que o filme acabou sendo indicado ao Oscar de melhor roteiro, melhor montagem, melhores efeitos visuais e até mesmo melhor filme), Distrito 9 pode ser classificado como um filme multidisciplinar, já que tem essência de ficção-científica, apresenta cenas de ação dotadas de efeitos especiais bacanas (é certo que neste sentido o filme não é "perfeito", mas quando é sabido que foram gastos "apenas" 30 milhões de dólares para a confecção do mesmo, tal discussão perde a validade, tamanha a competência apresentada com "tão pouco orçamento") e um pano de fundo político-social crítico que chama a atenção, propõe reflexão, porém sem nunca soar pedante, muito pelo contrário, pois Distrito 9 se assume desde o início como entretenimento puro e acaba comprovando isso do início ao fim de sua projeção, mas sua "pureza" não inibe a relevância de seu conteúdo, até por que todos as boas obras de "puro" entretenimento em essência trazem bem mais do que explosões e gargalhadas e Distrito 9 é sem sombra de dúvidas um perfeito exemplar de puro "puro" entretenimento (com cérebro).

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26 novembro, 2012

2 Coelhos (BRA, 2012).


A originalidade não é o forte de 2 Coelhos, mas com ele é ratificada a ideia de que sim é possível a produção de filmes de gênero (com qualidade) made in Brazil. Claramente influenciado pela estética de cineastas como Guy Ritchie (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), Tony Scott (Inimigo do Estado) e Quentin Tarantino (Pulp Fiction - Tempos de Violência), o roteirista e diretor Afonso Poyart emprega um verdadeiro caleidoscópio de referências e homenagens a cultura pop no filme, inclusive com a inserção de sequências de animação à narrativa do filme. Narrativa não-linear, slow-motion, explosões e sangue, eis alguns dos elementos que mostram-se presentes em 2 Coelhos, talvez o primeiro grande filme de ação nacional sem medo de assumir a bandeira do gênero (mil perdões aos amadoríssimos Federal e Segurança Nacional).

Bancado quase que totalmente sem ajuda de recurso público (sendo esta praticamente a única forma de se conceber cinema no país), 2 Coelhos surpreende do início ao fim, especialmente no quesito estético. Não que o conteúdo do filme não seja válido de aplausos, até por que se não mostra-se interessante de pouco valeria o arroubo visual do filme, porém é evidente que neste sentido não houveram grandes intervenções por parte do roteiro ou do enredo em si, sendo a trama quase que uma "adaptação" de um script gringo à realidade brasileira (tanto é verdade que Hollywood já está se mexendo com o intuito de realizar uma refilmagem do filme para o público norte-americano). 

2 Coelhos conta com bons nomes em seu elenco, tendo como destaques a sempre sensual Alessandra Negrini (Os Desafinados), o competente Caco Ciocler (Bicho de Sete Cabeças) e o protagonista da piração visual de Poyart, Fernando Alves Pinto (A Via Láctea), que surpreende e segura bem o filme. Também aparecem bem Mart Descartes (Trabalhar Cansa) e os rappers-atores Thaíde e Thogun (O Palhaço). Mesmo não sendo uma obra que aprofunda bem seus personagens, o elenco se sai bem e ajuda a sedimentação da credibilidade apresentada pelo projeto de Afonso Poyart.

Filmado em 2009, apenas este ano 2 Coelhos conseguiu enxergar a luz e ser lançado e parece ter agradado grande parte do publico e da crítica. Não credito o filme como perfeito - na minha opinião Poyart exagera além da conta no uso de câmera lenta e nos elementos digitais à lá Sucker Punch - Mundo Surreal, de Zack Snyder -, contudo o mesmo é tão bem amarrado, conduzido e "surpreendentemente" bem feito (tecnicamente falando) que os óbvios excessos de quem quer provar sua capacidade (este é o primeiro filme de Poyart) passam a ser irrelevantes. Um ótimo respiro a tendência de mesmice da produção cinematográfica nacional, 2 Coelhos pode ser metaforizado como um diamante em estado bruto, que deveria ser lapidado com cuidado, mas que não deixa de despertar atenção e, por conseguinte, cobiça.

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25 novembro, 2012

Memórias (Stardust Memories, EUA, 1980).


Mais uma comédia experimental de Woody Allen (Hannah e suas Irmãs), Memórias em essência trata da crise existencial de um renomado cineasta (Sandy Bates, alter-ego de Allen) e seus dilemas amorosos, nada mais do que os velhos temas de recorrente discussão pelo cineasta, porém impressos aqui de maneira menos convencional, através da estrutura narrativa cheia de avanços e retornos, ou seja, não exatamente linear, a forte exploração de metáforas texto-visuais e a interessante opção estética pela fotografia em branco e preto, a cargo do renomado cinematógrafo Gordon Willis (O Poderoso Chefão). Considerado pelo próprio cineasta como um de seus filmes preferidos, Memórias mostra-se como uma interessante mistura entre cinebiografia e crítica cômica ao culto as celebridades e ao entorno da indústria cinematográfica à época.

Como não poderia deixar de ser, Allen investe bastante no texto do filme, que traz ótimas sacadas e alguns dos seus maneirismos mais marcantes, inclusive a óbvia verborragia, que em seus trabalhos quase sempre se mostram bem-vindas. Temas como fé, filosofia, existencialismo (como não), paranoia, insegurança, simbolismo e política são abordados com maior ou menor atenção pelas linhas escritas pelo cineasta, mas seguramente tem papel fundamental na contextualização da obra, especialmente por esta se tratar de uma reflexão à época do cineasta sobre suas realizações, seu entorno e sua concepção de vida.

As figuras femininas se fazem presente com muita força em Memórias, tendo amplo destaque as interpretadas pelas atrizes Charlotte Rampling (O Veredito), Jessica Harper (Suspiria) e Marie-Christine Barrault (Cousin, Cousine), que influenciam as conjecturas e ações de Bates, inquestionavelmente um homem refém do poder de sedução feminino (mesmo que seja um impreterível traidor). É certo que a estrutura e a pegada reflexiva encontra-se em primeiro plano neste trabalho de Woody Allen, porém o filme em momento algum sagra-se enfadonho ou excessivamente complexo, muito pelo contrário, mesmo apoiado nas reminiscências e ideologias do ator autor, o tom de comédia e entretenimento se sobressai, tornando este um ótimo exemplara para aqueles que admiram ou não a filmografia do cineasta.

Apesar de apontado como um dos trabalhos preferidos pelo próprio autor, não enxergo Memórias como um filme irretocável ou espetacular, até por que muitos dos ecos propostos e das ideias pregoadas pelo mesmo são quase que totalmente desabafos do cineasta à época, possivelmente não refletindo os seus paradigmas de hoje, muito menos o do seu público (seja o daquela época, seja o de hoje). Todavia, mesmo não encontrando-se entre os meus preferidos do autor, Memórias não deixa de ser um grande filme e mais um registro importante da capacidade de Woody Allen em se renovar constantemente mesmo abordando as mesmas temáticas e problematizações.

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24 novembro, 2012

Anjos da Lei (21 Jump Street, EUA, 2012).


Para aqueles que não estão presos a tendência politicamente correta e as pseudo-pedagogias infantilizantes pregadas por alguns sabichões da educação moderna (e haja aluno batendo em professor), esta versão cinematográfica do seriado oitentista Anjos da Lei pode ser um divertimento bacana e interessante. É certo que não há profundidade nesta comédia de costumes que utiliza uma dupla de policiais como desculpa para piadas colegiais antenadas com a geração i-tudo, porém estas são tão bem organizadas e sinceramente engraçadas que o filme acaba crescendo, sagrando-se uma boa surpresa, ressoando no limite entre o escracho de um Superbad - É Hoje com a pegada indie de um Juno (a comparação pode parecer grosseria, mas creio que funciona). Também podia, Anjos da Lei (o filme) foi co-escrito (além de co-estrelado e co-produzido) por Jonah Hill (O Homem Que Mudou o Jogo), um dos comediantes revelados nas produções de Judd Apatow e que aqui comprova perícia além.

É ótimo quando um trailer te "vende" a informação errada, pois não acreditava na química proposta entre Jonah Hill e Channing Tatum (Para Sempre), contudo quebrei a cara e credito a esta parceria como um dos maiores acertos deste filme comandado pela dupla Phil Lord e Chris Miller (Tá Chovendo Hamburger) - por sinal diretores de animação que debutam aqui no comando de um filme live-action -, pois mostram-se a vontade juntos, dando a impressão de realmente serem amigos em tela, além de Tatum surpreender pelo carisma em tela. Ademais, quanto a Tatum, não afirmo que este é um grande ator, mas não sou partidário da opinião de que ele é um cara sem expressão ou talento, pelo contrário, o vejo como um cara esforçado e competente, que tem tudo para evoluir ainda mais como profissional e o método de escolha de projetos por parte do ator, variando entre gêneros (já fez drama, romance, ação, épico e agora, comédia), comprova seu bom olhar sobre a indústria cinematográfica.

Quanto ao roteiro, Anjos da Lei  não traz grandes novidades - além da óbvia contextualização com a realidade juvenil atual, tendo a esquematização das diversas (põe diversas nisso) tribos sociais grande destaque -, mas é bem construído e, quando não exagera nos diálogos de baixo calão (que, afinal de contas, fazem rir), traz uma moral bem interessante, obviamente ligada a amizade, mas também reflete sobre a construção social do jovem homem (adolescente) e sua postura (ou lugar no mundo) quando adulto. Falando assim parece até que o filme possui lapsos de profundidade, não é? Longe disso, pois apesar desses elementos serem inseridos à trama o grande mote do filme é mesmo diversão e neste sentido, para aqueles que não foram picados pelo vírus do conservadorismo ou simplesmente não sabem rir de eventos engraçados que possuam um mínimo de lógica - a exceção é a perseguição de carro e motos do filme, mas mesmo assim acaba soando engraçada também - o filme funcionará muito bem (se alguém se sentir incomodado, fica o registro de que a classificação indicativa do filme é de 12 anos).

Misto de comédia e ação, pode ser que o filme Anjos da Lei não tenha nada a ver com o seriado no qual foi baseado (nunca o vi), contudo funciona muito bem como obra "inédita" e cumpre sua função maior, entreter. Bem dirigido (não há grandes novidades, mas o básico é feito com competência), com boas performances da dupla principal (talvez a exceção resida na de Ice Cube, que exagera na caricatura, mas não compromete) e uma - SPOILER A FRENTE - ótima participação especial de Johnny Depp (protagonista do seriado original nos anos 1980), que assim como Tom Cruise no filme Trovão Tropical, rouba a cena numa atuação descolada e intensa, me fazendo lembrar que Depp é um ótimo ator e que quando quer, encanta. 

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23 novembro, 2012

Ran (JAP/FRA, 1985).


Akira Kurosawa (Rashomon) é um gênio e ponto final. Precisa comentar mais alguma coisa? Pior que sim, pois debater acerca de suas obras é sempre um misto de desafio e prazer, tamanha a riqueza e poder do seu cinema, tecnicamente e conceitualmente. Apesar de não ter lido obra alguma de William Shakespeare, afirmo sem pestanejar que Ran (algo como Revolta) é uma das melhores adaptações da peça Rei Lear, do citado autor. Mesmo que insira elementos de uma antiga lenda japonesa (das três flechas) à obra, é perceptível a essência da obra de Shakespeare no filme, que mostra-se como uma espécie de balé trágico, essencialmente dramático e com rompantes de teatro, que aliados a magistral técnica de Kurosawa entregam um dos maiores filmes do mesmo.

Primeira obra em cores do cineasta que confiro, Ran é um poema épico belíssimo, que contrasta as belas imagens concebidas pelos cinematógrafos Asazaku Nakai, Takao Saitö e Masaharu Ueda com a trama densa, de cunho trágico (ora bolas, é Shakespeare) e um tanto quanto pessimista, mas de olhar arguto quanto as peculiaridades da intitulada condição humana. Sendo assim, temos em Ran morte, traição, vingança e covardia, mas também fé, perseverança, hombridade e esperança. Não só os temas, mas a estrutura narrativa do filme carrega a essência da filmografia de Kurosawa, como o foco na gestualidade dos atores e a falta de verborragia, tendo o filme falas apenas e quando percebe-se necessário. Escrito pelo diretor em conjunto a Hideo Oguni (Trono Manchado de Sangue) e Masato Ide, este é um épico de mão cheia, tanto pelo tamanho de sua produção, quanto pela robustez de seu conteúdo.

Apesar de não contar com seu maior parceiro no elenco - me refiro ao célebre ator Toshiro Mifune -, Kurosawa escalou aqui grandes nomes, com óbvio destaque para Tatsuya Nakadai (Kagemusha, a Sombra do Samurai), simplesmente brilhante como o Lorde Hidetora (ou seria Rei Lear?) em todas as fases pela qual este passa; Mieko Harada, fascinantemente odiável como Lady Kaede, esposa de Taro (Akira Terao), um dos filhos de Hidetora; e, por fim, mas não menos marcante, Shinnosuke Ikehata, que dá vida e densidade ao "bobo da corte" do mesmo Hiderata e que é responsável por alguns dos momentos mais marcantes do filme. Mesmo que o espectro metafórico seja um elemento muito forte na composição destas personagens, a espaço para a humanização dos mesmos, o que é feito de forma sublime pelo elenco.

Não há como não destacar a música e os elementos sonoros de Ran. A primeira, a cargo de Toru Takemetsu, se faz praticamente de sons de flauta e percussão e, mesmo com a suposta "economia" instrumental, consegue conferir tensão durante todas as passagens do épico, indo da singeleza de uma cena intimista ao pandemônio de uma sangrenta batalha entre exércitos. Como a música, os efeitos sonoros do filme seguem o mesmo ritmo, pois sagram-se precisos e pontuais, compondo bem o filme, mas sem chamar a atenção para si. 

Falando em batalhas, o que dizer da composição e coreografia das mesmas? Akira Kurosawa praticamente pinta as sequências da sua mente em tela, alternando planos abertos e fechados na condução das mesmas e provocando (pelo menos em mim) reações mistas de catarse eufórica e ansiedade, tamanha a "realidade" e imersão causada por estas ambiciosas (e bem realizadas) batalhas. Ainda no âmbito de composição, também é interessante notar a fixação do cineasta em focar o céu durante alguns momentos cruciais do longa, céu este que parece refletir o porvir dos eventos ou simplesmente o clima do momento, já que a coloração das nuvens mostram-se sempre distintas a cada foco.

Ao iniciar o filme, apesar de ter a segurança de que conferiria uma boa obra, duvidava que esta pudesse se igualar a clássicos como RashomonOs Sete Samurais ou Trono Manchado de Sangue, contudo a mesma destruiu essa certeza pré-determinada, mostrando-se tão impecável e magnífica quanto. É sempre complicado comentar sobre um filme exagerando nas adjetivações, mas neste caso esta parece a única maneira de proceder sem que haja desmerecimento a magnitude (outro adjetivo) da obra. Em suma, Ran encontra-se entre as melhores obras de Akira Kurosawa, que consegue aqui construir mais um épico trágico de cunho filosófico inspirado em Shakespare, com o distinção (positiva) de que este encontra-se em cores.  

Obs.: Tenho que ler William Shakespeare urgentemente. O grande problema é a linguagem de suas obras, pois tenho "dificuldades" com peças. Todavia, creio que Shakespeare vale o esforço.

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22 novembro, 2012

Virada no Jogo (Game Change, EUA, 2012).


"A política nunca mais seria a mesma". (Livre tradução da chamada do cartaz do filme).
Para alguns o diretor Jay Roach (Entrando Numa Fria) e o roteirista Danny Strong (Recontagem) pegaram leve na exposição das personas de Sarah Palin (Julianne Moore, de Ensaio Sobre a Cegueira) e John McCain (Ed Harris, de O Show de Truman), dupla republicana concorrente à presidência do Estados Unidos da América no pleito que elegeu Barack Obama pela primeira ao cargo político mais importante do mundo, todavia a essência dos eventos que abraçam quase toda a campanha política está presente nesta produção da HBO, um ótimo filme não apenas sobre este período em particular, mas também pela exploração de uma das personagens políticas mais controversas dos últimos tempos, a carismática e despreparada governadora do Alasca, Sarah Palin.

Virada no Jogo não é um filme de muitos mistérios, a bem verdade mostra-se bem linear e tradição narrativamente, apresentando os principais eventos que nortearam o lado republicano da campanha e, em especial, os conflitos surgidos entre a administração da campanha de John McCain e os "pitis" e despreparos de Sarah Palin. Com isso, apesar de direção segura e do roteiro relativamente dinâmico, o grande destaque do filme fica mesmo para o elenco, que liderado pela performance competentíssima da premiada Julianne Moore, vencedora do Emmy de atuação por esta performance, praticamente leva o filme nas costas.

Seria irônico se os eventos mostrados no filme não tivessem mesmo ocorrido, pois as pataquadas e falta de preparo - até mesmo intelecto - da "personagem" Palin chegam a ser no mínimo absurdas e graças as ótimas atuações de Woody Harrelson (Jogos Vorazes) e Ron Livingston (série Band of Brothers), por exemplo, sentimos a angústia que tornou-se o "erro estratégico" da escolha da jovem e promissora governadora do Alasca como vice-presidenta. Outros nomes, como Sarah Paulson (The Spirit) e Peter MacNicol (Battleship - A Batalha dos Mares), também se saem bem como estrategistas da equipe republicana, assim como Ed Harris, que apesar de aparecer menos em tela e não ter nenhum grande momento dramático, convence como o determinado, porém cansado presidenciável John McCain.

Baseado no best-seller dos jornalistas Mark Halperin e John Heilemann, Virada no Jogo registra um momento ímpar da política norte-americana de forma objetiva e interessante, consagrando a ideia de "peixe fora d'água" de Sarah Palin, mas ao mesmo tempo confirmando seu insuperável carisma como ponto-chave de seu destaque no cenário político norte-americano. Um misto de drama com pastiche (como poderia deixar de ser, com a Palin no palco?), este segundo filme político de Jay Roach (o outro foi Recontagem, que abraça a escandalosa eleição entre George W. Bush e Al Gore) é coerente e centrado, mesmo que narrativamente convencional, registra um período recente e importante da política moderna - esta talvez tenha sido a primeira grande eleição a utilizar (e ser utilizada pela) a internet - e comprova mais uma vez a competência da HBO na produção de ótimos filmes para a tevê, com qualidade similar a qualquer título do gênero disponibilizada nos cinemas.

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21 novembro, 2012

360 (FRA/AUS/BRA/ING/ESL, 2012).

"(...) Só se vive uma vez. Quantas chances teremos?". (trecho de reflexão oralizada por alguns personagens do filme).
Dentre todos os filmes dirigidos por Fernando Meirelles (Cidade de Deus), com certeza 360 é o mais fraco. No entanto, isto não significa que o mesmo é um filme ruim, por que não o é, todavia é o mais pretensioso e monótono da carreira do cineasta brasileiro, que parece ter realizado esta obra apenas para poder trabalhar com o premiado roteirista e dramaturgo inglês Peter Morgan (A Rainha) e com um elenco de estrelas de quase todos os cantos do mundo. Dono de uma narrativa que bebe bastante do estilo dos filmes da dupla Alejandro González Iñárritu Guillermo Arriaga, especialmente ao relacionar personagens desconhecidos e separados geograficamente a eventos em comum, 360 é sabotado pela própria ambição, visto que mesmo possuindo um elenco magnífico e abraçar uma trama com óbvio conteúdo reflexivo, acaba não funcionando por completo, justamente por que nem todas as histórias paralelas que conjugam a trama do filme mostram-se interessantes. A bem verdade algumas são tão apáticas e desinteressantes que poderiam ser descartadas sem prejuízo quase algum ao produto final.

Chega a ser triste constatar que algumas tramas do filme são tão insípidas, pois é mais do que notória a qualidade de Peter Morgan como escritor e, como o problema de 360 encontra-se na construção do roteiro, cabe  a responsabilização ao roteirista pela inconstância de bons e maus momentos que se apresentam à obra. Fernando Meirelles, apesar de não ter tido uma sensibilidade acurada para amarrar com mais força o script problemático de Morgan, dá um show de direção, estabelecendo elementos interessantes nos enquadramentos e filtros fotográficos - destaque para o bom trabalho do seu cinematógrafo, o também brasileiro Adriano Goldman (Jane Eyre) -, inclusive apresentando muitas cenas onde os reflexos das personagens no espelho tem papel fundamental na sedimentação da temática explorada pelo filme (conexão entre as pessoas, busca por completude, falhas de caráter, dúvidas, ânsias etc.), além de estabelecer com brilhantismo (mesmo que, as vezes, em excesso) os signos aeroporto e avião como praticamente protagonistas deste filme sem rosto próprio, até por que não há uma única história que possa ser apontada como principal (mesmo que existam as desnecessárias).

Apesar do elenco de 360 contar com nomes do gabarito de Anthony Hopkins (O Silêncio dos Inocentes), Rachel Weisz (A Fonte da Vida), Jude Law (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), Ben Foster (Contrabando), Jamel Debbouze (Angel-A), Moritz Bleibtreu (A Experiência) e Maria Flor (Proibido Proibir) entregando boas performances, o plot de alguns deles é tão sem expressão dramática que a "coisa" simplesmente não pega, tornando a experiência cinematográfica cansativa e morosa. Destes citados, acredito que os personagens de Law e Weisz sejam os menos interessantes e o de Debbouze o mais deslocado para o "sentido" da obra, "salvando-se" assim a pequena (em comparação as dos demais) mas marcante participação de Hopkins e a interessante intersecção entre as personagens de Flor e Foster, que juntamente ao clímax do filme (onde acompanhamos os personagens de Vladimir Vdovichenkov, Gabriela Marcinkova, Lucia Siposová e Mark Ivanir) sagra-se como o melhor momento de 360.

Mesmo que o grande elenco e com a direção segura de Fernando Meirelles não sobra muito em termos de interesse a 360 como obra cinematográfica. A premissa e o conteúdo reflexivo desta apresenta-se pequena diante da irregularidade na construção das tramas e a montagem do filme não ajuda neste sentido (por sinal, a cargo de outro parceiro recorrente de Meirelles, o competente Daniel Rezende), torando este um produto cinematográfico aborrecido e chato, que erra o alvo ao exigir reflexão perante o espectador, pois a bem verdade a suposta profundidade "vendida" pelo longa não se apresenta tão profunda assim.

Entretanto, apesar deste não ser o trabalho mais interessante e competente de Meirelles e Morgan - além de não mostrar nenhuma performance absolutamente arrebatadora por parte de algum membro do elenco -, 360 não é o filme ruim que a crítica especializada atestou (e que, por sinal, acabou - teoricamente - afastando o público do filme), pois mesmo que conceitualmente seja falho, traz lampejos de inventividade, em especial pela direção competente de Meirelles e pelo esforço de grande parte do elenco, que parecem realmente comprar a obra. 360 está consideravelmente longe da qualidade temático-conceitual (e de execução, por que não) dos últimos trabalhos do diretor, especialmente se comparado aos três últimos (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira), mas apresenta alguns bons momentos, mesmo que em essência seja um filme bastante enfadonho, narrativamente e conceitualmente.

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20 novembro, 2012

Narradores de Javé (BRA, 2003).


"Uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado no escrito de forma melhor para que o povo creia no acontecido" (Uma das várias tiradas de Antônio Piá, personagem de José Dumont).
Talvez falte um pouco de unidade ao roteiro de Eliane Caffé e Luiz Alberto de Abreu, mas a concepção por trás deste é tão bacana e os tipos apresentados em tela são tão interessantes e carismáticos que tal desordenação passa batida, não atrapalhando em essência o bom filme que é Narradores de Javé. Segunda incursão de Caffé na batuta de diretora, o filme estrelado por José Dumont (2 Filhos de Francisco) representa uma divertida viagem pelos costumes e peculiaridades de uma pequeno povoado ribeirinha do sertão brasileiro, unindo tipos exóticos e cheios de personalidade, que entremeiam histórias orais das origens da Javé do título.

Narradores de Javé surpreende não só pelo roteiro ágil e pelos diálogos que misturam nonsense - pokémon de Jesusespermatozoide de ninja, por exemplo - à espontaneidade do povo brasileiro, mas também por tratar com profundidade de temas como resgate da cultura popular (e dos populares, por que não), análise de caráter - o personagem Antônio Piá, de José Dumont, é em essência o estereótipo do brasileiro capaz, porém oportunista - e até mesmo uma leve crítica política, no que se refere a construção de uma hidroelétrica exatamente na área de Javé.

Não vale a pena aqui destacar os tipos que aparecem em cena, pois cada um que surge "supera" o anterior, tamanha o convencimento aplicado por suas atuações, mesmo que muitos destes não sejam atores profissionais. Méritos da diretora Eliane Caffé, que conduziu bem tanto os rostos conhecidos - dentre eles Nelson Xavier (Sonhos Roubados), Gero Camilo (Bicho de Sete Cabeças), Nelson Dantas (O Que é Isso, Companheiro?) e Matheus Nachtergaele (Baixio das Bestas) - quanto os não, fazendo com que ambos somassem positivamente a unidade do filme.

A fotografia do filme também é interessante, principalmente por ter pelo menos três filtros de luz distintos, justamente para simbolizar as temporalidades apresentadas à trama, sendo a primeira o presente, onde o personagem de Nelson Xavier narra as peculiaridades dos habitantes de Javé em sua busca por registrar cientificamente a história do povoado, que se encontraria como segundo tempo e os eventos narrados pelas pessoas, que figurariam como um terceiro tempo. Todas estas fases são apresentadas e captadas de uma forma visual particular, o que ajuda ao imergir na obra.

Premiado no Festival do Rio (melhor filme pelo juri popular e juri oficial e melhor ator: José Dumont) e no Festival de Recife (melhor filme), Narradores de Javé é um filme leve, inteligente e divertido, presta tributo à própria essência do brasileiro e, em especial a sua brasilidade e mesmo tendo como cenário o sertão nordestino tão presente no inconsciente coletivo, possui essência universal, sendo "entendível e inteligível" por qualquer nacional, do Oiapoque ao Chuí. Prestes a completar dez anos, está aí uma obra que deveria ter tido mais reconhecimento à época de seu lançamento, pois encontra-se naquela rara categoria de entretenimento essencialmente inteligente. Portanto, caso você ainda não tenha tido a oportunidade de conferir esse ótimo título brasileiro, sugiro que corra atrás, pois nosso cinema necessita ser visto, especialmente os bons títulos.  

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19 novembro, 2012

Dia dos Mortos (Day of the Dead, EUA, 1985).

Fechamento da trilogia dos mortos-vivos de George A. Romero, iniciada por A Noite dos Mortos Vivos e continuada com Despertar dos Mortos, Dia dos Mortos mantém a essência dupla de crítica social e estética gore dos filmes de Romero, ao mesmo tempo em que assume uma pegada ainda mais exagerada, talvez por ter sido produzido nos coloridos anos 1980. O próprio cartaz do filme já adianta a referência metafórica e a unidade temática destes filmes ao apresentar em sua arte alusões a noite, ao amanhecer e ao dia. 

Concentrando na premissa uma discussão que aposta numa certa inversão de valores, onde os humanos apresentam-se cada vez mais podres e mesquinhos, enquanto um cientista descobre que há possibilidade de compreensão por parte dos estigmatizados mortos-vivos, Romero mais uma vez dá margem a crítica social, especialmente ao caráter corruptível do homem, afeito a tragédia e que mesmo na mais calamitosa situação não deixa de tomar atitudes egoístas e visar apenas o controle e a manutenção do poder. Dia dos Mortos lida muito bem com a questão da manutenção do status quo, porém se em A Noite dos Mortos Vivos o que predominava era o clima de suspense e a sensação de desconhecimento do que acontecia ao redor, neste filme o clima é direcionado para o exagero e humor involuntário, abraçando de vez a estética B (no bom sentido) tão cara a filmografia de Romero.

Tecnicamente o grande destaque do filme vai para a caracterização dos mortos-vivos e os efeitos de maquiagem dos mesmos. Praticamente sem utilizar efeitos digitais, a equipe de efeitos especiais e maquiagem brilha ao compor criaturas bastante realistas, com certeza superior a muitas de filmes recém-lançados. As  sequências de ataques e mortes elaboradas por George A. Romero são bastante criativas, dando a impressão de que o filme não foi lançado há longínquos vinte e sete anos.

No entanto, apesar da trama interessante e do visual arrebatar, é justo afirmar que o nível do elenco do filme é muito baixo, entregando atuações no mínimo duvidosas, o que acaba por reforçar o caráter B do filme. Ao contrário do primeiro título da trilogia, onde a urgência e o clima de tensão residiam no primeiro plano, em Dia dos Mortos parece oferecer apenas arquétipos e estereótipos na construção de seus personagens - incluindo aí o cientista abilolado e o militar "porra-louca" -, o que acompanhado dos diálogos oitentistas da fita acaba por deixá-la menos "séria" do que o esperado.

Mesmo não sendo tão interessante e impactante quanto A Noite dos Mortos Vivos, Dia dos Mortos é uma boa obra de George A. Romero e oferece um prisma distinto acerca do mesmo tema, aspecto comum ao diretor. Menos assustador, contudo mais gore (não recomendado aqueles de estômago fraco), Dia dos Mortos fecha bem a trilogia, especialmente por manter a veia crítica dos filmes anteriores e atualizá-las ao contexto social da época. Resta agora conferir o capítulo segundo, Despertar dos Mortos, pois assisti apenas a sua refilmagem, por aqui intitulada Madrugada dos Mortos e dirigida pelo "visionário" Zack Snyder.

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18 novembro, 2012

O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, EUA, 2012).



Apesar de ter mais de duas horas de duração, esta mais nova investida do Homem-Aranha nos cinemas apresenta-se corrida e falha em muitos momentos. Longe de ser um filme ruim, O Espetacular Homem-Aranha apenas não possui o brilho e o senso de novidade do filme de 2002, que estabeleceu o personagem perante grande parte dos que hoje consomem suas histórias (seja no cinema ou nos quadrinhos). Uma espécie de reboot da franquia comandada anteriormente por Sam Raimi, a versão 2012 do "cabeça de teia" traz alguns bons momentos e até mesmo melhora alguns pontos dramáticos em comparação a primeira aventura do herói nas telas. Todavia, não o faz de forma plena, acabando por engalfinhar-se em seus próprios elementos narrativos, muitos destes apoiados em coincidências que acabam por prejudicar a magia promovida pelo filme, o que para uma aventura escapista como esta é um demérito.

É inegável que, no âmbito visual, o filme encontra-se impecável. Evoluído em todos os sentidos, a organicidade dos efeitos visuais quanto a dar vida ao Homem-Aranha beira a perfeição, sendo uma pena que as sequências de ação - à exceção da cena final do filme - não empolguem tanto, talvez pela falta de criatividade na elaboração das mesmas. Primeiro filme da franquia a adotar a tecnologia 3D, O Espetacular Homem-Aranha parece ter conduzido suas cenas de ação para funcionar neste quesito, mas não deixam a desejar quando visualizado no tradicional 2D (por sinal, conferi o filme neste formato).

A opção dos produtores em renovar a franquia é válida, contudo, o fato de escolherem recontar a mesma história vista há exatos dez anos sobre um "novo" prisma gerou desconfiança perante os entusiastas do personagem (me incluo nestes), talvez pelo bom trabalho realizado por Sam Raimi nos três filmes anteriores (ou seria nos dois primeiros?) e pelo fato de não ser necessário rever todo o background de Peter Parker/Homem-Aranhamais uma vez, já que apresentar o personagem já formado e atuante caberia perfeitamente neste filme. Logo, apesar do resultado final não ser de todo ruim, ao meu ver o filme não conseguiu superar a abordagem feita anteriormente, o que por si só acaba por classificá-lo como falho.

Este universo rebootado teve alguns novos acréscimos interessantes. Andrew Garfield (A Rede Social) se encaixou muito bem tanto como Peter Parker quanto como Homem-Aranha, inclusive convencendo mais do que o intérprete anterior da personagem, Tobey Maguire (Seabiscuit - Alma de Herói), muito devido ao seu porte físico, que convence mais como um adolescente desajustado (físico e emocionalmente). Enquanto Maguire explorava muito a inferioridade de Parker, Garfield emprega mais energia dramática ao seu personagem, tornando-o mais complexo. Entretanto, apesar da óbvia entrega do ator, o roteiro parece não explorar tanto a motivação de Peter Parker, deixando-o excessivamente refém de acontecimentos e circunstâncias alheias ao seu poder de decisão.

ATUALIZAÇÃO (3/9/2013).

Sem contar com a presença da personagem Mary Jane, o interesse amoroso do nosso herói encontra-se na doce e prestativa Gwen Stacy, interpretada com graça por Emma Stone (Histórias Cruzadas). Mesmo que a personagem não seja tão trabalhada, a química entre esta e Andrew Garfield acaba por preencher algumas lacunas, fazendo com que compremos a paixonite entre ambos. Já o vilão composto pelo inglês Rhys Ifans (Anônimo), Dr. Curt Connor/Lagarto, acaba sendo o personagem que mais sofre no filme. Antes do experimento que origina a persona Lagarto, o ator consegue compor um cientista de personalidade tridimensional, cujos traumas e feridas transparecem em seu olhar. Contudo, após o experimento a impressão passada é a de que reaproveitaram os desdobramentos do Duende Verde de Willem Dafoe (Homem-Aranha, de 2002), visto que os roteiristas depositam toda a vilania do personagem em uma suposta loucura adquirida pelo mesmo após sua transformação.

A fragilidade do personagem Lagarto deve ser atribuída não ao desempenho de Ifans, que encontra-se bem no papel, mas sim as opções tomadas pelos roteiristas James Vanderbilt (Zodíaco), Alvin Sargent (Homem-Aranha 3) e Steve Kloves (franquia Harry Potter), que não amarram tão bem alguns elementos narrativos, pesando a(s) mão(s) quando investem nas coincidências envolvendo os pais de Peter Parker e sua futura transformação em Homem Aranha, além da caricatura na qual transformam Connor, que até então se apresentava como um personagem interessantíssimo, devido a sua tridimensionalidade (quando este se torna Lagarto a única tridimensionalidade que permanece é a dos pixels e da texturização virtual). Por outro lado, a abordagem mais sóbria que a da trilogia anterior e a opção de ambientar a história em um ambiente mais próximo à realidade, afastado do cartunesco abraçado pelos filmes de Sam Raimi, fazem muito bem ao longa, pois acaba fazendo com que o espectador se importe mais com os personagens.

Apesar de algumas falhas do roteiro, a direção do jovem Marc Webb (500 Dias com Ela) é eficiente e aposta em uma pegada mais "séria" que a da trilogia de Raimi, que investia mais em uma aura mágica. É certo que Webb não se sobressai ou deixa sua assinatura, mas realiza um trabalho correto, bem feito. Talvez os momentos onde o Webb mais se destaca sejam aqueles em que o relacionamento dentre Peter e Gwen são objeto da trama, pois as cenas de ação, apesar de bem orquestradas, não marcam tanto por lembrarem muito o que já fora feito anteriormente. Nota-se que a equipe de efeitos visuais tentou emular uma estética mais próxima a dos vídeo-games e tal abordagem funcionou em alguns momentos, já em outros não. Talvez na sequência isto também seja ajustado. Já a trilha sonora composta pelo veterano James Horner (Titanic) segue a mesmo tom do filme, destacando-se em alguns momentos - em especial os mais introspectivos e o tema do filme - e "desaparecendo" em outros.

CONCLUSÃO ORIGINAL (18/10/2012)

Longe de ser um filme ruim, O Espetacular Homem-Aranha carrega bons momentos e é visualmente deslumbrante, contudo a tentativa de dar certa "sobriedade" ao personagem - influência direta do Batman de Christopher Nolan? - e a de interligar eventos passados com a origem do mesmo não soam tão consistentes, descaracterizando a essência maior do herói, que é puramente aventura. Com muita ambição e uma suposta complexidade para uma trama apenas regular - ao meu ver as presenças de Martin Sheen (Apocalypse Now) e Sally Field (Forrest Gump, o Contador de Histórias), interpretando tio Ben e tia May respectivamente,  foram desperdiçadas -, o filme acaba por não superar a franquia original em sua totalidade, mostrando-se em muitos níveis inferior aquela, resultando num ótimo espetáculo visual, mas que não empolga ou causa adrenalina como era esperado. Particularmente prefiro a visão cartunesca, porém mágica de Sam Raimi e cia.

CONCLUSÃO ATUALIZADA (3/9/2013)

Superada a birra inicial pela má impressão sentida pelo fato do filme "recontar" uma história já muito bem abordada há pouco mais de dez anos, percebo que O Espetacular Homem-Aranha é sim um bom filme, cuja construção é, no geral, bem executada, além de ser dono de uma algumas sequências memoráveis. Seu elenco rivaliza com o dos filmes anteriores, tendo inclusive um intérprete de Peter Parker/Homem-Aranha mais bem encaixado e verossímil. Existem pequenos detalhes na montagem do filme que incomodam, pois enquanto temos alguns momentos bem destacados, outros são apresentados de forma apressada, prejudicando a coerência narrativa do filme, que almeja o topo, mas patina bastante para chegar próximo a ele. Talvez o termo Espetacular seja um exagero para classificar o filme, mas é perceptível a vontade dos envolvidas em alcançarem tal marca. Não conseguiram com este primeiro novo longa, mas não fizeram feio.

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