31 agosto, 2012

Heleno (BRA, 2012).


É inegável o excelente trabalho de composição feito por Rodrigo Santoro (Bicho de Sete Cabeças) ao interpretar o primeiro craque problema do futebol brasileiro, Heleno de Freitas. Seja em sua fase boêmia, seja no auge de sua doença, Santoro constrói um personagem intrigante, profundo e humano, conduzindo o espectador neste filme de vem e vai no tempo intitulado apenas Heleno.

Dirigido por José Henrique Fonseca (O Homem do Ano), Heleno tem importância ímpar, visto que promove o resgate de uma figura deliberadamente esquecida da história do nosso futebol, que endeusou (com mérito, obviamente) figuras como Pelé e Garrincha, mas vez ou outra acabou por esquecer outros nomes de grande importância não só para o esporte, mas também para a cultura geral do país. Dito isto, devo destacar que o filme é no geral bem acabado, magistralmente fotografado por Walter Carvalho (Abril Despedaçado) - que optou por filmar todo o filme em branco e preto, conseguindo estabelecer uma unidade, coerência e deslumbre visual magníficos, para mim até mesmo superior a outra recente composição em branco e preto, a do Oscarizado filme francês O Artista - e conta com uma direção inspirada de Fonseca, que aplica aqui uma técnica bastante similar ao das cinebiografias norte-americanas. Em suma, Heleno é visualmente deslumbrante.

Contudo, nem tudo são flores ao filme. A opção dos roteiristas (Felipe Bragança, Fernando Castets e o próprio Fonseca) de intercalar tempos narrativos distintos não soa tão orgânica, pois às vezes soa demasiadamente expositiva antes do tempo, noutras acaba por privilegiar mais a enfermidade do protagonista do que seu desenvolvimento como personagem. Este ponto nos leva a outra fragilidade do roteiro, que reside no corte feito pelo mesmo. Ao meu ver faltou um pouco mais de informação (em forma de cenas) acerca da figura Heleno de Freitas caminhando rumo ao sucesso como futebolista e interagindo com a alta sociedade carioca, não só metido em "baladas" e tendo "piti" nos treinos e na concentração do Botafogo. Obviamente que em cenas como estas citadas Rodrigo Santoro realiza um trabalho magnífico, convencendo tanto como um sujeito arrogante e charmoso, quanto como um homem frágil, diminuído moralmente e com semblantes de óbvia loucura. Entretanto, faltou esse recheio para o melhor encaixe do roteiro, em especial para alcançar a finalidade do filme - a "vida" do jogador - a contento.

Apesar de ser quase totalmente centrado na interpretação de Santoro, o filme traz a presença de bons nomes da dramaturgia nacional, como Alinne Moraes (O Homem do Futuro), que interpreta a mulher de Heleno, Erom Cordeiro (O Palhaço), vivendo o melhor amor amigo (e também jogador) do protagonista, a colombiana Angie Cepeda, o veterano Othon Bastos (Central do Brasil), como o presidente do Botafogo, dentre outros. Apesar de um ou outro momento de brilho próprio, este elenco acaba funcionando muito bem como escada para a performance de Santoro, o que em não é necessariamente uma crítica, visto que o foco da história é o personagem interpretado pelo ator.

Apesar do vácuo causado pela falta de certas informações e da tentativa (em exagero) de conquistar primeiramente o espectador pela doença do jogador, Heleno é um bom filme, que acerta ao não cometer juízo de valor acerca das "escolhas" do ídolo botafoguense, constrói bem o ambiente da época retratada (dos anos 1940 aos anos 1960), com um ótimo trabalho de direção de arte, figurino e trilha sonora e que funciona como filme, mesmo que talvez acabe sendo lembrado mais como um grande trabalho de Rodrigo Santoro do que como uma grande obra de José Henrique Fonseca, o que na minha opinião é um pouco injusto com o diretor, mas como o próprio filme trata de injustiça - como dito acima, Heleno quem, cara pálida? - tal martírio indiretamente pode vir a calhar. Mais um bom título nacional pouco visto, o que é uma pena.

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30 agosto, 2012

Vivendo no Limite (Bringing Out the Dead, EUA, 1999).

É mais do notável que Vivendo no Limite guarda ecos de Taxi Driver, também dirigido por Martin Scorsese. Ambos tratam de neurose e paranoia, têm a cidade de Nova York como ambiente e traçam um olhar direcionado a arquétipos de seres marginalizados, pouco notados dentro da imensa massa de gente que é a Big Apple. Entretanto, ao contrário do filme do motorista de táxi, que trabalha a violência sob um prisma externo, neste filme temos um olhar internalizado, caracterizado pela dor carregada pelo personagem de Nicolas Cage (Os Vigaristas), um paramédico com a mente em fragalhos, que salva vidas diariamente quase como se estivesse numa batalha. Contando também com roteiro de Paul Schrader (autor de Taxi Driver), o filme promove um bem vindo retorno a linguagem apresentada nos filmes dos anos 1970, apresentando um clima particular, num misto de claustrofobia e lisergia, construindo através dos olhos do personagem de Cage um choque constante entre realidade e alucinações.

Formatado como uma crônica, onde acompanhamos três dias seguidos de trabalho de Frank Pierce (Cage), são apresentados temas como culpa e remorso, solidão, angústia e esperança, num ambiente tomado por sujeira, caos e insatisfação, que é o da emergência médica. A construção deste universo ganha ainda mais vida com a utilização de efeitos que evidenciam ainda mais o brilho da cidade de Nova York, as luzes do tráfego, o contrate entre escuridão (noite) e claridade (dia), culminando num encerramento sensível e poético, quando visualizamos um amanhecer tanto natural (pelo horário sugerido pelo filme) quanto para o renascimento de Pierce, que encontra paz após uma série de eventos trágicos e quase não notados pelos olhos que permeiam àqueles ambientes.

Vivendo no Limite não é um filme dos mais dinâmicos, sendo necessário paciência e boa vontade do espectador para a imersão nesse universo caótico, mas plenamente reconhecível. O filme conta também com a presença de John Goodman (Speed Racer), Tom Sizemore (O Resgate do Solado Ryan) e Ving Rhames (Missão: Impossível) em pequenos papéis, mas bem desenvolvidos e interessantes, especialmente por servirem de contraponto ao personagem de Cage. Patricia Arquette (Stigmata), ex-senhora Cage, tem um papel importante à trama, mas não corresponde a contento, sendo talvez o ponto mais frágil do filme, visto que seu desempenho fica a desejar. Quanto a Cage, apesar de vez ou outra seu histrionismo - marca registrada do ator - aparecer, faz um excelente trabalho, convencendo tanto físico quanto mentalmente como um homem no limite, como diz a tradução nacional.

Um filme pouco visto, discutido e, consequentemente conhecido de Martin Scorsese, Vivendo no Limite não deixa de ser um trabalho interessante, meticuloso, cheio de elementos visuais que complementam a trama e despertam até mesmo alguns pensamentos que aparentemente não estão contidos no roteiro de Schrader, amplificando assim a complexidade do filme, que tem um tema bem centrado, mas não deixa de abrir espaço para discussões mais aprofundadas, visto que à espaço aqui para discussão técnico-cinematográfica, psicológica, social e até mesmo humanística, visto que, assim como acontecera em Taxi Driver, no centro de tudo reside a percepção de um ser-humano, e este olhar nos guia por este emaranhado de questionamentos e possibilidades de análises.

Baseado no livro autobiográfico de Joe Connelly, Vivendo no Limite é um filme pequeno, sem tantas ambições, mas que encontrou o caminho certo nesta união entre Scorsese, Schrader e Cage, sendo assim uma ótima pérola a ser descoberta e/ou redescoberta perante o público. Como último destaque, colocaria a ótima seleção de canções do filme - Rolling Stones, Johnny Thunders, dentre outros, permeiam todo o filme -, aspecto recorrente na filmografia de Martin Scorsese, além dos temas originais, compostos pelo já falecido Elmer Berstein, autor das trilhas de grandes clássicos do cinema como Sete Homens e um Destino, Os Dez Mandamentos e Os Caça-Fantasmas, por exemplo. Em resumo, Vivendo no Limite encaixa-se perfeitamente na batida descrição "pequeno grande filme".

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29 agosto, 2012

O Homem Sem Sombra (Hollow Man, EUA, 2000).


"Você acha que está sozinho? Pense novamente". (Frase do poster oficial do filme).
"Quem vai saber?" (Reflete o Dr. Sebastian  Caine, personagem de Kevin Bacon, antes de cometer inegavelmente imoral)
O Homem Sem Sombra não é dos mais conceituados filmes do diretor holandês Paul Verhoeven (O Vingador do Futuro), mas pessoalmente gosto muito dele. É certo que, em comparação a outros títulos do cineasta, este filme acaba devendo um pouco no quesito conteúdo, entretanto o mesmo não deixa de ser um thiller eficiente e, ao mesmo tempo em que absorve os clichês do gênero, possui uma cara própria, o que por si só é salutar para uma produção dessas.

Vindo do não muito bem sucedido Tropas Estelares, de 1995, o holandês parece ter cedido inda mais a pressão da indústria de cinema norte-americana para a consecução de um filme mais acessível as plateias em geral, sendo assim toda a sua técnica e composição próprias e emprega num filme cuja missão principal é causar medo e incômodo, visto que, apesar das ótimas possibilidades de debates acerca das motivações de um sujeito que não pode ser visto, o foco dos roteiristas Gary Scott Thompson (Velozes e Furiosos) e Andrew W. Marlowe (Força Aérea Um) é mesmo suspense e a tensão. Como Verhoeven não é bobo, pontuou o máximo que pode de temas como caráter e poder absoluto durante o filme, em especial nos dois primeiros atos, mas como o direcionamento do enredo destacava o âmbito do horror pelo horror, tais aspectos acabaram não sendo tão visíveis, mas basta-se olhar com mais cuidado para perceber que estes estão presentes na trama.

Esta fita tem três bons atores como protagonistas, tendo como mocinha a beldade dos anos 1980 Elisabeth Shue (Despedida em Las Vegas), que interpreta uma das cientistas responsáveis pelo experimento que confere invisibilidade ao também cientista vivido por Kevin Bacon (Sobre Meninos e Lobos). O par romântico de Shue é feito por Josh Brolin (Onde os Fracos Não Tem Vez), que era relativamente desconhecido até então, interpretando o derradeiro cientista da trinca. Como esperado, o grande destaque dos três é Kevin Bacon, visto que seu personagem, apesar de já sugerir alguns elementos de malevolência antes do experimento - na minha opinião, uma muleta preguiçosa empregada pelos roteiristas -, convence pela exploração do temperamento intempestivo e pela forma com que conduz a loucura do personagem. É certo que não há sutilezas ou um grande trabalho de interpretação por parte de Bacon, mas o ator convence no papel, em grande parte pelo seu carisma, mesmo com seu personagem de índole mais do que dúbia.

A condução do filme é competente até o início do terceiro ato, visto que trata melhor do contexto científico e da condutas éticas que permeiam o filme. A partir do terceiro ato há uma acachapante mudança de tom, com o filme virando quase que uma mistura entre thriller de vingança a lá Super Cine com altas doses de slasher movies dos anos 1980, uma espécie de encontro entre os filmes Dormindo com o Inimigo e Sexta-Feira 13. Tal abordagem não chega a estragar toda a construção (embasada particularmente por tensão) até então - neste âmbito é mais do que notável a contribuição do maestro Jerry Goldsmith (Poltergeist II: O Outro Lado), que dá ainda mais urgência a esta tensão através de suas composições -, mas fragiliza o filme de maneira negativa, tendo seu único ponto positivo o fato de "libertar" Verhoeven para a elaboração de sua grande assinatura, a exposição da violência como elemento narrativo. O que dizer da cena do cachorrinho? Sutileza não é uma das qualidades do cineasta holandês.

Um aspecto que continua a surpreender encontra-se nos seus efeitos. Enquanto algumas produções mais recentes que O Homem Sem Sombra já apresentam uma ou outra fragilidade neste aspecto - filmes da trilogia Homem-Aranha e os primeiros episódios de Harry Potter, por exemplo -, o filme de Verhoeven continua fascinante no que tange a trinca efeitos visuais, efeitos especiais e maquiagem. Tanto a ilusão proporcionada pelo "homem invisível" de Kevin Bacon quanto a visceral transformação do ser visível em ser invisível ainda convence hoje, sendo uma pena que os responsáveis por essa verdadeira mágica não terem sido agraciados com Oscar da categoria, mesmo que tenham sido preteridos pelo também fascinante Gladiador, de Ridley Scott.

A grosso modo, numa comparação entre O Homem Sem Sombra e títulos como Conquista Sangrenta, Robocop e O Vingador do Futuro - só para destacar as obras hollywoodianas de maior impacto de Verhoeven -, aquele realmente fica devendo, principalmente no que se refere ao elemento conceitual e discursivo, que aqui aparece pouco e de maneira não aprofundada, responsabilidade esta que atribuo aos roteiristas da obra, já que no aspecto visual (e, por conseguinte, no que ele infere de significações) o filme é bastante coerente, graças obviamente à qualidade Paul Verhoeven como contador de histórias no audiovisual.

Em suma, O Homem Sem Sombra é um entretenimento válido e competente, possuidor de alguns falhas que podem atrapalhar em alguns momentos a diegese proposta pela obra, mas que à exceção dos exageros apresentados no terceiro ato não avacalha ou perde o rumo, entretendo da mesma forma que em seus minutos iniciais, mesmo que naquele seu conteúdo reflexivo tenha sofrido do mal do personagem título, ficar invisível. 

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28 agosto, 2012

O Vingador do Futuro (Total Recall, EUA, 1990).

"Se eu não sou eu, quem eu sou?" (Douglas Quaid, personagem de Arnold Schwarzenegger).
É certo que este O Vingador do Futuro é menos cerebral do que Blade Runner, o Caçador de Androides - também uma adaptação de uma obra do escritor Philip K. Dick -, mas é bem mais divertido e instigante que o filme estrelado por Harrison Ford. Dirigido por Paul Verhoeven (Tropas Estelares), que vinha do sucesso de Robocop, o Policial do Futuro e estrelado por Arnold Schwarzenegger (O Sobrevivente), no auge de sua carreira, esta primeira adaptação do conto Can Remember It For You Wholesale continua relevante e eficiente até hoje, vencendo - na medida do possível - a barreira do tempo, aspecto este raríssimo para filmes de ficção-científica, que tendem a ficar datados com o passar dos anos.

Feito em grande parte com efeitos práticos, o que confere uma credibilidade maior ao filme quando visto hoje - é mais do que claro que efeitos "reais" perduram por mais tempo do que os realizados por computação gráfica -, o filme apresenta uma história de paranoia e conflito social ambientada no futuro, onde acompanhamos a busca de identidade do personagem de Schwarzenegger, Douglas Quaid, enquanto nos é mostrado que a humanidade hoje também habita o planeta Marte e de lá extrai um minério importante para a economia terrestre, mas ao custo de muita miséria e "efeitos colaterais" àqueles que residem e trabalham no planeta vermelho. Geralmente qualificado como filme de ação, O Vingador do Futuro é muito mais que isso, pois a problemática apresentada é o fio de sustentação principal da trama recheada de espionagem e perseguições por que passa Quaid.

É notório que este é um filme de Paul Verhoeven desde a primeira cena, quando acompanhamos um pesadelo de Douglas Quaid, visto que todo o apelo visual do diretor nos é mostrado já ali. Verhoeven também se mostra bem a vontade com a exposição de cenas violentíssimas, mas que não deixam de mostrar-se coerentes com a proposta do filme. É interessante notar que enquanto nesta primeira versão de O Vingador do Futuro não há pudor em se mostrar cenas de alta violência ou estabelecer alusões a sexualidade, no remake lançado este ano há uma excessiva esterilização nesse sentido, o que acaba não deixa de ser contraditório, pois será que não progredimos no que se refere ao extinção do pudor e a maior abertura para a livre exploração artística durante estes 22 anos que separam uma produção da outra? Creio que não.

No âmbito técnico, apesar da tecnologia de alta definição não ter feito bem ao filme, o mesmo continua eficiente na medida do possível. Como dito, o filme foi feito ainda numa era pé-CGI (computação gráfica), sendo assim, apesar de grande parte dos efeitos especiais e de maquiagem serem tangíveis aos olhos (mérito dos envolvidas nestas áreas), a realidade proposta por alguns já apresentam certa fragilidade, contudo para o aficionado por cinema isso será irrelevante, pois os elementos do filme funcionam bem e ajudam a coerência narrativa deste. E, mais do que a realidade dos efeitos, o que mais se destaca é a composição das cenas em que eles aparecem, que tornaram-se antológicas, desde os efeitos de maquiagem e prostéticos das pessoas expostas ao ar rarefeito de Marte ao disfarce de Douglas Quaid em uma cena chave do filme. Enfim, a elaboração e execução das cenas transcendem a realidade - em comparação a tecnologia atual - sugerida pela mesma.

A trilha sonora composta pelo saudoso maestro Jerry Goldsmith (Jornada nas Estrelas, O Filme) pontua muito bem os climas do filme, mas em alguns momentos acaba lembrando demais a trilha original do filme Conan, o Bárbaro, que foi composta por Basil Poledouris. Por coincidência estes nomes não são estranhos a Scharzenegger  e Verhoeven, visto que enquanto este trabalhou com Poledouris na trilha do filme Robocop, aquele estrelou o filme Conan, o Bárbaro. Quanto ao elenco, além de Schwarzenegger, podemos destacar a participação do Jack Nicholson genérico e figura carimbada como vilão em filmes do final da década de 1980 e início de 1990,  Michael Ironside (O Exterminador do Futuro: A Salvação), a ótima presença da até então desconhecida Sharon Stone (que retomaria a parceria com Verhoeven estrelando o filme Instinto Selvagem) e o cantor e guitarrisra Ronny Cox (Um Tira da Pesada), como o poderoso Coohagen.

Voltando ao conteúdo do filme, além dos temas que lidam com economia x sociedade e de uma certa demonização quanto ao futuro da humanidade, destaca-se também a discussão acerca de identidade, com elementos de significados e significantes, mas principalmente com a disposição de temas que refletem o trabalho Simulacros e Simulação, de Jean Baudrillard, antecipando alguns dos questionamentos que seriam futuramente explicitados em filmes como Matrix, por exemplo. Tá aí um dos por quês da versão 2012 de O Vingador do Futuro ser, no que se refere a sua mensagem e conteúdo, inferior a versão de Paul Verhoeven.

Dono de uma trama intricada, com um senso de humor negro e um tom de negativismo acerca da índole do ser-humano, além de ter um ótimo protagonista - apesar deste ser vivido por Arnold Schwarzenegger, que se sai "bem" simplesmente por seu grande carisma -, O Vingador do Futuro é um filme de ação eficiente, que provavelmente surpreenderá aqueles que nunca o assistiram e que traz elementos de saudosismo e adrenalina para os que já o viram que são raras de se encontrar nas produções pasteurizadas do gênero que aportam os cinemas hoje em dia. Na verdade O Vingador do Futuro é uma viagem inesperada por um universo distinto, recheada de capangas incompetentes, questionamentos sociais, procura por identidade e frases de efeito destiladas por Schwarza, e que provavelmente será muito apreciado por quem gosta do gênero. No final das contas, continua bem superior ao remake, mesmo que este tenha um aparato de efeitos visuais estupidamente melhores, mas como sabido por todos, o que importa mesmo é o conteúdo e neste sentido a versão de 1990 é inquestionavelmente melhor.

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27 agosto, 2012

Touro Indomável (Raging Bull, EUA, 1980).


É uma pena que há anos Robert De Niro (O Poderoso Chefão Parte II) não entregue uma interpretação tão completa quanto deste seu Jake La Motta, por sinal vencedora do Oscar, que simplesmente brilha neste filme emblemático e aplaudido dirigido por Martin Scorsese (Os Bons Companheiros), esse sim, na minha opinião, ainda relevantíssimo em sua longa carreira, mesmo que vez por outra realize filmes não tão espetaculares. Touro Indomável, que conta a história de conquistas e derrotas do ex-pugilista La Motta (De Niro), conquista de imediato tanto por sua acertada fotografia em preto e branco (Michael Chapman compõe de maneira magistral todo o filme) quanto pela veracidade apresentada nas lutas de boxe - fazendo com que as de Rocky, um Lutador, por exemplo, pareçam brincadeira de criança -, além da entrega do elenco e da competência habitual de Scorsese na direção.

Retomando a parceria com o roteirista (futuro diretor) Paul Schrader após o sucesso de Taxi Driver, Scorsese opta por narrar apenas parte da história do pugilista, deixando momentos como sua infância e até mesmo alguns importantes confrontos de lado, visto que é mais do que perceptível a intenção do diretor de ir além do mito e levantar uma análise apurada desta tão controversa figura que é Jake La Motta. Também é creditado como roteirista Mardik Martin, trabalhou no roteiro do filme anterior de Scorsese, New York New York.

Projeto dos sonhos de Robert De Niro, Touro Indomável surpreende também por apresentar um protagonista tão interessante quanto desprezível, um homem que venceu na vida através do esporte, mas que não deixou de ser uma figura estúpida, violenta e muitas vezes destrutivo em suas ações. Do pugilista imbatível na arena - vem daí seu apelido Touro Indomável - a um sujeito pobre e obeso, o filme não faz nenhum tipo de concessão quanto a heroísmo ou mitificação da persona de Jake La Motta, mas sim faz um resgate quase que documental - mesmo baseado em livro co-escrito pelo pugilista - de três momentos da vida do lutador, sua ascendência, a conquista do campeonato e sua decadência pessoal e profissional.

É interessante também a composição do ator Joe Pesci (Esqueceram de Mim) como o irmão de La Motta, que apesar da verborragia carregada de palavrões conduz um personagem bem mais centrado do que o esperado, em especial por ser conhecido pelas interpretações over (no bom sentido) em filmes como Máquina Mortífera 2, 3 e 4, e no próprio Os Bons Companheiros, de Scorsese. Quem também dá um show justamente pela interpretação contida, quase sem emoção, é Cathy Moriarty (Copland), não é a toa que tanta ela quanto Pesci receberam indicações ao Oscar nas categorias de coadjuvantes.

Tecnicamente irrepreensível, quiçá o maior filme já feito sobre um pugilista - em especial se você transcender o espectro e afastar o filme da simples categoria de filme sobre boxe ou boxeador - e considerado, ao lado de Taxi Driver e Os Bons Companheiros, como o melhor trabalho da carreira de Martin Scorsese e de Robert De Niro (tá certo que este ainda possui a mais do que inspirada composição de Vito Corleone, no mais que clássico O Poderoso Chefão Parte II) por grande parte dos críticos, Touro Indomável é um filme sobre acertos e falhas, conquistas e derrotas, brilhantismo e estupidez, sucesso e fracasso, em suma, sobre as contradições inerentes ao ser-humana, simbolizadas pela grotesca e ao mesmo tempo aprazível figura do pugilista Jake La Motta criado pela dupla Scorsese/De Niro.

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26 agosto, 2012

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (The Lord of the Rings: The Return of the King, EUA/NZE, 2003).


Mais do que marcar o fim de uma jornada, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei sedimentou uma geração.  Primeira grande saga cinematográfica da geração nascida em berço "nerd", o fechamento da trilogia iniciada em 2001 é não só o mais ambicioso da série, mas também o mais emocionante, lucrativo e premiado. Vencedor de nada menos que 11 prêmios Oscar, incluindo os de melhor filme e melhor direção, O Retorno do Rei é um filme de ação que há tempos não via-se aportar nos cinemas, talvez desde a saga original de Star Wars não tínhamos um produto tão bem polido e interessante, que conquistasse o público tanto pela naturalidade e riqueza do enredo, quanto pelo senso de urgência e aventura presente na obra.

O diretor Peter Jackson (Almas Gêmeas) consegue aqui fechar com chave de ouro a trilogia, aparando as arestas dos filmes anteriores e entregando um filme não só emocionante, mas ainda mais grandiloquente dos que os aqueles. E, se a versão de cinema continua arrasadora, a estendida é um verdadeiro deleite para os entusiastas do universo concebido por J. R. R. Tolkien. Apesar de, em comparação as versões estendidas dos dois outros capítulos, soar mais lenta e cansativa, há diversas informações relevantes para a melhor compreensão da saga, como a morte do mago Saruman, por exemplo. Quanto ao cansado, este não parece ser falha da equipe de montagem do filme, pelo contrário, o entrecortar de núcleos de personagens durante a trama é muito bem dosado, o que pesa é o fato do longa - já extenso em sua versão de cinema - ganhar quase 1 hora de cenas adicionais, totalizando uma metragem de quase 4 horas de filme. Particularmente ainda prefiro a versão de cinema, no entanto a versão estendida é quase impecável.

É interessante notar que, em comparação aos dois outros filmes, O Retorno do Rei apresenta os efeitos visuais digitais mais envelhecidos da franquia, talvez pelo maior número de cenas que utilizam tal recurso, mas não deixa de ser interessante, até por que a regra geral é de que quanto mais moderno (leia-se, novo) o filme é, subtende-se que mais acesso a recursos este teve. Contudo, apesar de uma ou outra cena já não tão crível como há quase 10 anos, o filme em si apresenta-se muito bem acabado, em especial a cenografia e o vestuário dos personagens, que dão óbvia substância ao universo apresentado pelo filme, além do realístico trabalho de maquiagem, que compõe as mais diversas criaturas - muitas destas aparecendo pela primeira vez na saga - de maneira bastante convincente.

Como dito acima, a emoção é a chave motriz do filme. Logo, reside nas interpretações o grande diferencial do filme. Geralmente, em filmes de aventura, não se dá tanta atenção ao trabalho de composição do elenco, até por que os olhos parecem mais interessados na ação apresentada do que nos dilemas dos personagens em si. Já aqui, o trabalho feito pelos atores destaca-se antes mesmo da pirotecnia do filme. Elijah Wood (Sin City, A Cidade do Pecado), Sean Astin (Os Goonies), Viggo Mortensen (Um Método Perigoso), Ian McKellen (O Aprendiz) e Andy Serkis (As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne) estão incríveis em seus respectivos papeis, comprovando de uma vez por todas que realmente participaram da angustiante jornada para destruir o Um Anel juntamente a seus personagens, Frodo, Sam, Aragorn, Gandalf e Gollum/Sméagol, respectivamente. Obviamente que não só estes realizam um excelente trabalho, mas é indiscutível que são eles que conseguem se destacar dentre tantas ótimas performances.

Conhecido como o filme dono dos infinitos finais, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei é indiscutivelmente o filme mais importante da trilogia O Senhor dos Anéis e continua até hoje um espetáculo tanto do ponto de vista visual quanto como um filme em toda a sua completude. Emocionante, heroico, inspirador e, mais do que tudo, épico, O Retorno do Rei é daqueles filmes que marcam época, que faz escola, que desperta inveja e que cria tendências, mas acima de tudo é um raro filme que tem como tema maior a amizade, que trabalha a guerra no sentido de busca pela paz e esperança, que apresenta a força do amor sem soar piegas, que trabalho o conceito de união entre os iguais e os desiguais - quer metáfora maior do que a existência da Sociedade do Anel - de maneira orgânica e inspiradora. Enfim, um épico sem igual, O Retorno do Rei simplesmente coroa a trilogia O Senhor dos Anéis e, seja em sua versão de cinema ou estendida, proporciona algumas boas horas de entretenimento de qualidade sem igual. Revendo hoje ou lembrando de quando o assisti pela primeira vez, é difícil segurara a emoção e o correr das lágrimas, imagino que aconteça o mesmo com você.

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25 agosto, 2012

Beijos e Tiros (Kiss Kiss, Bang Bang, EUA, 2005).


Primeiro filme dirigido pelo roteirista Shane Black, criador de Máquina Mortífera, Beijos e Tiros encaixa-e naquele raro tipo de filme que une comédia, ação e trama policial de maneira uniforme e instigante, por que possui um elenco bom e engajado, mas também por que tem uma trama bem elaborada. Repleto de diálogos, referências a outros filmes e contando com um perfeito entrosamento de uma dupla no mínimo inusitada, tanto por ser formada por Robert Downey Jr. (Os Vingadores) - antes do "renascimento" com Homem de Ferro - e Val Kilmer (A Sombra e a Escuridão) - ainda não tão gordo -, quanto pelo fato de seus personagens serem um ladrão de terceira categoria e um detetive homossexual, respectivamente.

Beijos e Tiros pode confundir um pouco o espectador por sua verborragia e incontáveis informações, mas é justamente a partir daí que seu charme aflora e as situações que permeiam a trama desabrocham. Como dito acima, Shane Black consegue realizar um filme muito engraçado, mas sem deixar a trama de mistério e as sequências de ação de lado, vez ou outra optando por alguma cena mais nonsense. Típico filme que não te deixa respirar, Beijos e Tiros é um filme metalinguístico - fala sobre cinema - e narrado em primeira pessoa (que literalmente dialogo com você) que não cai de ritmo em momento algum, apresentando sempre algo de interessante aos olhos, seja um novo personagem, uma improvável cena de ação ou simplesmente um diálogo caprichado entre os personagens de Downey Jr. e Kilmer.

O que falar sobre as performances de Downey Jr. e Kilmer. Apesar da crítica ter destacado em especial o trabalho do primeiro, não consigo enaltecer um mais do que outro, visto que à exemplo de Mel Gibson e Danny Glover em Máquina Mortífera, as interpretações dos dois se completam e complementam o filme, além de ganharem um brilho especial sempre que contracenam juntos. É inspirador acompanhar Robert Downey Jr. antes do piloto-automático, desenvolvido na esteira de personagens como Sherlock Holmes e o citado Homem de Ferro. Quanto a Val Kilmer, o mal deste está na péssima escolha de projetos nos últimos anos, visto que nem a aparento - se bem que hoje este encontra-se ainda pior - excesso de peso prejudica seu talento como ator. Enfim, uma dupla que convence como parceiros (no bom sentido), como "heróis de ação" e como figuras involuntariamente cômicas quando recitam as ótimas linhas escritas por Shane Black.

Destaco também a presença da bela e competente Michelle Monaghan (Medo da Verdade), em seu primeiro papel de relativo destaque, papel este pelo qual a conheci. Monaghan compõe um jeito misto de esperteza e doçura a sua personagem, que é de importância ímpar a trama, não apenas o interesse amoroso do personagem de Downey Jr. Monaghan, apesar de nunca ter se tornado uma grande diva do cinema, apos esse filme conseguiu emplacar diversos papéis de destaque em filmes no mínimo interessantes, como em Missão: Impossível III, de J. J. Abrams e Contra o Tempo, de Duncan Jones, dentre outros.

Esta produção de Joel Silver (trilogia Matrix, Predador, Speed Racer, dentre outros) acerta do início ao fim, dona de uma boa técnica de filmagem, em especial as angulações e composições de cena pelo diretor de fotografia, Michael Barrett, uma trilha sonora que mesmo não marcante pontua bem as variações de tons do filme, a cargo de John Ottman (Superman, o Retorno) e um ótimo trabalho de edição e mixagem de som, que realmente se destacam nas ótimas cenas de ação. De custo relativamente baixo, Beijos e Tiros não fez muito sucesso, faturando pouco mais do que gastou, mas isto em nada reflete na qualidade do filme, que mantém-se excelente até hoje, além de ter servido, ao lado de Zodíaco, de David Fincher, como trampolim para o retorno de Robert Downey Jr. ao rol dos grandes astros de Hollywood.

Uma espécie de misto entre Máquina Mortífera e primeiros filmes de Guy Ritchie, Beijos e Tiros é indicado para aqueles que gostam de comédia, ação, romance, thriller e aventura, contados de maneira inteligente, que divirtam mas não tomem o espectador por bobo, enfim, que entretém com capricho. Se apenas isso não bastasse, o filme ajudou a trazer Downey Jr. de volta ao grande público, nos apresentou de uma vez por todas Michelle Monahan, proporcionou mais uma grande interpretação de Val Kilmer, além de revelar uma nova habilidade ao agora diretor Shane Black, já conceituado como roteirista, mas que comprovou com este trabalho que não deve nada a nenhum daqueles que dirigiram roteiros seus, e não estamos falando de qualquer um, mas sim de nomes como Richard Donner (diretor de Máquina Mortífera), o recentemente falecido Tony Scott (que dirigiu O Último  Boy Scout) e John McTiernan (com O Último Grande Herói). Black fez acontecer, passou um tempo afastado, mas assumiu recentemente mais um grande compromisso, visto que é dele o comando da segunda sequência de Homem de Ferro, retomando assim a parceria com o amigo Downey Jr. Se o filme apresentar pelo menos metade da diversão contida neste, pode ter certeza que será incrível.

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24 agosto, 2012

Irma Vap - O Retorno (BRA, 2006).


Carla Camurati é conhecida por ser diretora do filme que é considerado o marco do renascimento cinematográfico brasileiro, Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de 1994. Particularmente não gosto do filme, muito menos sua configuração histórica, mas é mais do que óbvio seu papel para diversos outros títulos que aportariam nos cinemas brasileiros em seguida, em especial por este ter sido um inesperado sucesso de bilheteria. No entanto, Camurati também comandou esta espécie de sequência/homenagem a premiada peça teatral O Mistério de Irma Vap, de Charles Ludlam, que permaneceu em cartaz por muitos anos tendo como protagonistas Marco Nanini (Copacabana) e Ney Latorraca (Das Tripas Coração). Eis que a diretora se une aos dois e traz essa nova versão dos palcos às telas.

É notória a homenagem a arte do teatro em Irma Vap - O Retorno, desde a utilização de várias papeis para apenas dois atores à carregada interpretação dos mesmos, que usam e abusam da gestualidade, das caras e bocas para compor tais personas. Apesar de ser vendido como uma comédia, o filme não tem tanta graça, sendo sua trama de "mistério" bem mais interessante do que a tentativa de humor empregada pelos roteiristas Adriana Falcão (de A Mulher Invisível e da série A Grande Família), Melanie Dimantas e a própria Camurati. O grande barato do filme reside mesmo no talento e carisma do elenco envolvido, em especial dos protagonistas Nanini e Latorraca, que simplesmente brilham em tela e parecem divertir-se a cada quadro filmado.

Apesar de ter certa experiência em cinema, visto que dirigiu alguns outros filmes, ao meu ver a técnica cinematográfica de Carla Camurati é simples demais, bem mais próxima a tevê do que ao próprio cinema, o que deixa o filme com uma cara de especial de fim de ano para tevê ou até mesmo teatro filmado, o que não desmerece o mesmo no âmbito conceitual, mas não respeita o ambiente a que propôs visitar, neste caso a sétima arte. No entanto, apesar desta abordagem técnica frágil, não é justificada a torcida de nariz por parte do público e da crítica ao filme na época do seu lançamento, visto que o mesmo não teve nem boas avaliações nem foi um sucesso de bilheteria.

Irma Vap - O Retorno é um trabalho interessante e divertido, que destaca bastante seu ótimo elenco, mas que deixa a desejar na profundidade narrativa, além de não atingir completude na proposta da homenagem à peça teatral, já que o filme subtende que o público conheça-a previamente, o que pelo menos ao meu ver não foi uma opção acertada. No final, apesar do sentimento de nostalgia pela arte teatral em si - muito graças ao ótimo trabalho de Nanini e Latorraca - ficou mais a curiosidade de acompanhar a verdadeira história (nos palcos) de Irma Vap do que satisfação pelo acompanhado, o que pode ser interpretado como bom ou não, cabe julgar àqueles que também conferirem o filme.

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23 agosto, 2012

Os Bons Companheiros (Goodfellas, EUA, 1990).

"No tanto que posso me recordar, eu acho que sempre quis ser um gangster!" (Henry Hill, personagem de Ray Liotta).
Quando vi Os Bons Companheiros pela primeira vez o tinha achado um bom filme, mas não espetacular. É incrível como uma nova investida pode não só mudar um ponto de vista, mas principalmente acrescentar positivamente àquela primeira. Foi o que aconteceu ao conferir este que é considerado pela crítica (e grande parte dos cinéfilos) como um dos melhores trabalhos da carreira de Martin Scorsese (Taxi Driver), que agora "me ganhou" como um dos que compartilham da mesma opinião. Como se fosse uma jornada do herói as avessas, este filme é a antítese perfeita da trilogia O Poderoso Chefão, mas que ao mesmo tempo complementa as informações transmitidas na saga da família Corleone, só que com o apelo visual e a vivência de Scorsese e a camada de "realidade" disposta pelo filme, adaptado de um livro de Nicholas Pileggi (também co-autor do roteiro do filme, ao lado de Scorsese), que por sinal é baseado em fatos reais. Refletindo hoje é realmente inconcebível que Scorsese não tenha ganho o Oscar de filme e direção por este trabalho, que é tecnicamente brilhante e conceitualmente impecável.

Praticamente um levantamento do crime organizado norte-americano da década de 1970, Os Bons Companheiros é narrado através dos olhos do personagem de Ray Liotta (Hannibal), Henry, figura que cresceu dentro do cerne da máfia italiana - mesmo tendo sangue irlandês -, apresentando sua ascensão no mundo do crime juntamente a Jimmy Conway (Robert De Niro, de O Poderoso Chefão Parte II) e Tommy DeVito (Joe Pesci, de Máquia Mortífera 2), de longe as figuras mais interessantes e complexas do filme. Apesar de contar com as presenças de Lorraine Bracco (Diário de um Adolescente), que por sinal foi indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro por esta performance, e do veterano Paul Sorvino (Dick Tracy), os grandes destaques no quesito atuação se encontra mesmono trio Liotta, De Niro e Pesci. Este último sagrou-se vencedor do Oscar e do Globo de Ouro, criando um personagem icônico do cinema moderno. De Niro dosa perfeitamente carisma e imprevisibilidade ao seu personagem, fazendo com que o espectador tenha tanto interesse por ele quanto repulsa em determinados momentos. Já Liotta constrói aqui o personagem de sua carreira, sujeito aparentemente honrado da trupe, mas que na verdade se mostra tão sujo quanto os demais, em especial no desfecho do longa. É interessante como a construção dos três "companheiros" são complementares, cada um compensando tanto os defeitos quanto as qualidade dos outros, através de uma ótima construção de roteiro a cargo de Pileggi e Scorsese.

Tecnicamente falando o filme é um assombro de bom. Design de produção (Kristi Zea), direção de arte (Maher Ahmad), figurino (Richard Bruno, vencedor do Oscar) e fotografia (Michael Ballhaus) impecáveis, que climatizam a trama perfeitamente e ajudam a antecipar importantes elementos de cena que serão aprofundados adiante conforme o caminhar da trama. Entretanto, mesmo com o apuro de todos estes, o grande destaque talvez recaia na fotografia, que contrasta entre tons avermelhados e mais claros, a depender do ambiente apresentado.

O que dizer do trabalho de direção de Martin Scorsese? Bastante amadurecido após mais de duas décadas por trás das câmeras, o diretor coroa aqui seu segundo auge como realizador, o primeiro se contarmos o mérito dos cabelos brancos, visto que se apropria da história do filme de uma forma que não como separar fatos reais, livro e Scorsese. A unidade que Os Bons Companheiros transmite e a cara tão particular remete imediatamente ao diretor. Para completar o arrojo do diretor, ainda foi dele a brilhante seleção de músicas que pontuam o filme de maneira quase mágica, antecipando o que seria "marca registrada" de outro cineasta afeito a temas carregados de violência, Quentin Tarantino

Uniforme do início ao fim, dono de performances deslumbrantes de Ray Liotta, Robert De Niro, Joe Pesci e Lorraine Bracco, profundo e reflexivo na medida certa, resgate de um passado/herança cultural não tão distante da nação norte-americana e um show de técnica e competência cinematográfica, Os Bons Companheiros é com certeza um filme muito maior do que as premiações que recebeu, por sua ousadia e tom épico, por ser conciso e completo, encontrando-se ao lado de filmes como Apocalypse Now, 2001, Uma Odisseia no Espaço e Cidadão Kane, dentre alguns outros que não me recordo no momento, que podem não ter sido agraciados com grandes prêmios em seus lançamentos, mas que superaram essa barreira e residem num patamar superior ao alcance de qualquer premiação, pois ser clássico já é título suficiente.

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Bilheteria: Box Office Mojo

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Simplesmente Alice (Alice, EUA, 1990).


Mesmo nos momentos de menor criatividade, Woody Allen (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) consegue trazer algo de interessante inserto em seus trabalhos. Simplesmente Alice discute bastante a questão da individualidade e da busca por achar a si mesmo. Estrelado mais uma vez por Mia Farrow (Hannah e suas Irmãs) - a atriz com maior número de participações como protagonista em filmes de Allen -, que vive a indecisa e sem graça Alice do título, o filme tem alguns elementos surreais, aspecto vez ou outra recorrente na filmografia de Allen, que ajudam a pontuar alguns dos questionamentos vividos pela personagem de Farrow, que como dito encontra-se em busca de uma razão de vida, já que encontra-se sufocada por uma vida até então sem tanto propósito, que não a satisfaz plenamente como ser-humano.

É interessante destacar que o filme, apesar do óbvio senso de humor, não pode ser encaixado como uma comédia, um drama, um romance ou uma fantasia, visto que carrega elementos de todos e às vezes soa distinto de qualquer outro filme, aspecto este comumente apresentado por Allen, até por que em seus filmes a trama e as situações promovidas por ela sempre se destacam em relação a qualquer outro aspecto cinematográfico. Simplesmente Alice já parece ensaiar a apresentação de um Woody Allen mais tranquilo, menos eufórico e visionário, ainda com ideias interessantes e relevantes, mas sim tanta magia, tanta surpresa e paixão. Talvez este filme possa ser classificado no rol dos filmes mais metódicos e objetivos do cineasta, em contrapartida aos seus trabalhos mais emotivos e verborrágicos (no bom sentido).

Apesar de não possuir um elenco de grandes estrelas como a maioria dos filmes de Allen, Simplesmente Alice conta ainda com as presenças de William Hurt (A Vila), Alec Baldwin (O Aviador), Judy Davis (Passagem para a Índia), Joe Mantegna (O Poderoso Chefão Parte III) e Bob Balaban (A Dama na Água), a maioria em papéis de grande relevância à trama, mas que não possuem grande tempo de tela, visto que a personagem de Farrow praticamente domina toda a metragem da obra. Falando nela, após mais de dez participações em trabalhos do então esposo (Allen), percebe-se que suas performances começam a soar repetitivas, em especial a caracterização da mulher inocente que precisa crescer durante o desenrolar do filme, muito embora isso não comprometa enormemente, mas vale como observação.

Divertido e em alguns momentos inusitado, Simplesmente Alice tem inspiração como grande inspiração o filme Julieta dos Espíritos, do italiano Federico Fellini e, apesar de não arrebatador, é um bom trabalho de Woody Allen, competente na emissão da mensagem, interessante na medida certa, além de ter um tom leve e um tanto quanto descompromissado. Indicado ao Oscar de melhor roteiro e ao Globo de Ouro de melhor atriz em filme de comédia ou musical, Simplesmente Alice é um filme bacana e interessante, à alguns passos de um clássico, mas que entra fácil na lista de grandes trabalhos do diretor.

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Bilheteria: Box Office Mojo

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