31 julho, 2012

A Era do Rádio (Radio Days, EUA, 1987).


Praticamente um arranjo de algumas das reminiscencias de infância do diretor e roteirista Woody Allen (Hannah e suas Irmãs), tendo como personagem principal o rádio, símbolo máximo da década de 1940 nos Estados Unidos, A Era do Rádio é um raro filme de comédia de época que consegue tratar de forma "séria" de uma época tão importante não só para a formação do cineasta, mas também para o cinema, visto que ambas as mídias caminhavam de mãos dadas nestes tempos de glamour (antes da II Guerra) e dor (durante e após a guerra).

Optando por apresentar diversas crônicas com diversos personagens que possuem um mesmo tema em comum (o rádio), este trabalha leve mas de conteúdo apurado de Allen tanto presta uma óbvia homenagem ao instrumento quanto traça um painel - e de certa forma uma crítica leve - acerca do comportamento da sociedade naquela época, principalmente a da classe média baixa judia (onde o alter-ego do diretor se encontra) e a classe mais alta, representada pelo pessoa que trabalhava na e com rádio.

Narrado pelo próprio Allen e apresentado pelo ponto de vista do garoto Joe (alter-ego de Allen, interpretado pelo carismático Seth Green), A Era do Rádio, ao contrário de outros trabalhos do cineasta, não traz grandes papeis para atores e atrizes consagrados, deixando papeis de maior relevância para nomes não tão conhecidos como Michael Tucker (Por Amor ou Por Dinheiro) e Julie Kavner (Tempo de Despertar), respectivamente pai e mãe de Joe, apresentando nomes como Danny Aiello (Era uma Vez na América), Jeff Daniels (A Rosa Púrpua do Cairo), Diane Keaton (O Poderoso Chefão), Mia Farrow (O Bebê de Rosemary) e Dianne Wiest (Edward Mãos-de-Tesoura) em papeis relativamente menores, alguns até mesmo em pontas. É válido destacar a rapidíssima presença de um até então desconhecido William H. Macy (Fargo), ainda desconhecido na época, aparecendo apenas como figurante em uma cena do filme.

Tecnicamente falando, A Era do Rádio não apresenta grandes mudanças em relação a cinematografia de Woody Allen, visto que o mesmo sempre adota uma composição de ângulos e enquadramento simples, dando total atenção aos atores em cena. Entretanto, por se tratar de uma produção de época, encontramos aqui um maior cuidado com relação ao figurino (de Jeffrey Kurland) e, principalmente, a fotografia e a direção de arte, a primeira (assinada por Carlo Di Paula) pelos tons envelhecidos e centrados na composição, a segunda (a cargo de Santo Loquasto, indicado ao Oscar por este trabalho) pela fidelidade - ou pelo menos passa essa ideia com sucesso - dos cenários e objetos de cena.

Divertido e interessante, A Era do Rádio continua continua com arroubo a grande fase oitentista do cineasta, praticamente lançando filmaços após filmaços, dá a chance do espectador acompanhar de forma mais intimista e delicada parte das lembranças - idealizadas, obviamente - da infância do cineasta, como também reconhecer e aplaudir a importância do rádio como instrumento de entretenimento e notícias para toda uma geração de famílias (e ideologias/credos) numa época onde realmente prevaleciam os sonhos e a inocência em detrimento da ganância e do egoísmo (pelo menos, no universo do longa).

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30 julho, 2012

Tron, o Legado (Tron Legacy, EUA, 2010).


É inegável que esteticamente Tron, o Legado é quase perfeito. A concepção visual a cargo dos responsáveis pela direção de arte e pela fotografia do filme, além de parte da equipe de efeitos visuais, é primorosa, realmente dando um ar todo particular e visionário à produção. Conjuntamente ao visual, tem-se também a grudante e climática trilha sonora composta pelo duo Daft Punk, com temas recheados de sintetizadores e ruídos que guiam nossos ouvidos pelo universo informatizado e pixelado do filme. Entretanto, nem só de elogios vive o filme dirigido por Joseph Kosinski, jovem cineasta egresso da publicidade, em sua estreia como realizador. Dono de uma premissa cheia de boas intenção, mas que acaba soando simplória demais e, mesmo quando tenta demonstrar algum rompante de inovação à trama, acaba por apresentá-la de forma maçante e um tanto quanto truncada. É mais do que óbvio que um filme em que o visual domina qualquer discussão pós-sessão possui uma estrutura narrativa não apenas desinteressante, mas também que a mesma não é bem realizada.

Muito se falou da (má) atuação de Garret Hedlund (Na Estrada) como Sam Flynn, filho do protagonista da produção original lançada em 1982 - é, lá se vão 30 anos -, Kevin Flynn (mais uma vez interpretado por Jeff Bridges, de Bravura Indômita), mas o jovem ator não compromete, parece se divertir bastante com o personagem e, caso exista algo a criticar acerca do mesmo não deveria ser a qualidade de Hedlund como ator, mas sim a pouca profundidade e senso de interesse apresentado pela galeria de roteiristas do filme (Adam Horowitz, Edward Kitsis, Brian Klugman e Lee Sternthal, sendo apenas os dois últimos co-autores apenas do argumento) ao personagem. Ou seja, ao meu ver há um problema de composição da personagem, não de interpretação por parte de Hedlund. Contudo, problemas de escrita a parte, infelizmente o intérprete de Sam não consegue transcender este percalço e conceber um personagem que ganhe o espectador pelo menos pelo carisma, visto que apesar de comprar o personagem, não consegue convencer a plateia como dono da condição de herói.

Jeff Bridges, mesmo numa atuação desleixada, compõe um bom Flynn envelhecido (além de dublar sua versão mais jovem, criada digitalmente - comentarei mais a respeito) e traz a força necessária ao filme. Olivia Wilde (O Preço do Amanhã), apesar do belo visual e das boas cenas de ação, não se destaca, compondo bem o "meio de campo" do filme, mas sem nunca sair do lugar comum. Ou seja, resume-se simplesmente a ser a bela da vez. Sendo assim, o único grande destaque acaba caindo para o personagem (e interpretação) de Michael Sheen (Frost/Nixon), um enigmático programa dono de um clube noturno, que comporta-se como um híbrido do Charada, interpretado por Jim Carrey em Batman Eternamente e do Coringa de Jack Nicholson, no Batman de 1989. Enfim, não é que esta interpretação seja sensacional, mas o carisma do ator juntamente ao estilo de abordagem adotado pelo menos, somado a composição visual (à lá drag queen) acaba por tornar o personagem impecável.

Já foi dito aqui que os efeitos visuais (como a fotografia, a cargo do chileno Claudio Miranda, indicado ao Oscar por O Curioso Caso de Benjamin Button e a direção de arte, liderada por Kevin Ishioka e Mark W. Mansbridge) estão primorosos, entretanto uma ressalva deve ser feita. A concepção visual do mundo de Tron é impecável, com suas cores em tons neon e seus veículos, construções e vestuários lisos e simétricos, mas a qualidade da composição do avatar digital que interpreta Kevin Flynn/Clu (Bridges) quando jovem infelizmente não convence, em especial pela proposta "realista" do filme. Esta criação digital, mesmo com todo o avanço da tecnologia nos últimos anos, ainda não convence como uma criatura humana, visto que, a não ser em cenas escuras ou que não apresentam claramente sua silhueta, acaba sendo bastante artificial, já que parece não possuir vida nos olhos, suas expressões faciais apresentam-se confusas, além da questão da pele, nunca chegando a enganar o espectador ao sugerir que o ser digital poderia ser humano. É válido frisar que o personagem digital não é mal-feito ou "tosco", pois passa longe disso, já que o mesmo é muito bem feito, entretanto não à nível de concretizar a ilusão de que o mesmo seria humano, o que é uma pena visto que grande parte da magia de imersão do filme depende da credibilidade (neste caso, falta) que deveria ser passado por este personagem.

Enfim, devido ao seu roteiro pouco provocativo, exageradamente reducionista e a falta de personagens realmente fortes e profundos, Tron, o Legado acaba por tornar-se interessante praticamente apenas pelo lado técnico, em especial pela plasticidade e força do seu visual. Com uma ou duas boas cenas de ação e alguns tropeços de ritmo, o filme é uma aventura bacana, mas que se não fosse tão bela (audiovisualmente falando), com certeza seria esquecida rapidamente pelo espectador. Prometia muito, mas podia ser pior.

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29 julho, 2012

Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, EUA, 2012).


Enquanto o primeiro filme da trilogia orquestrada por Christopher Nolan (A Origem) tem uma pegada mais aventuresca e de (óbvio) caráter introdutório, o filme do meio investe mais concentradamente no lado emocional dos personagens, além de ser conduzido como um misto de thriller e filme policial, o aguardado fechamento da trilogia do Batman tem em O Cavaleiro das Trevas Ressurge o tom mais grandioso e operístico de todos os filmes, galgando facilmente a categorização de épico. Este encontra-se épico em comparação aos demais títulos da franquia na duração, no número de personagens em tela e nas viradas de roteiro (plot-twists), mas principalmente em sua narrativa complexa (em grande parte devido a todos os elementos agora citados) e na grandiloquência dos eventos mostrados, que culminam numa verdadeira revolução - como os trailers do filme pincelam de maneira generosa - em tela.

Mais uma vez escrito a quatro mãos pelos irmãos Nolan (o nome do outro é Jonathan), com o auxílio criativo de David Goyer (Motoqueiro Fantasma 2: O Espírito da Vingança),  Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge é um mais do que um simples filme, é uma experiência quase tátil para aqueles que apreciaram as demais partes da trilogia, possuindo uma organicidade e interesse bastante particulares, articulando eventos anteriormente apresentados de forma a fechar um ciclo de ideias (sim, estas existem aos montes, basta prestar atenção e em sua grande maioria transcendem o universo fictício do filme e possuem relação direta com nossa sociedade atual), como o próprio título do filme adverte, além de prontamente deixar alguns elementos preciosos para os possíveis futuros da franquia.

Ambientado 8 anos após os acontecimentos de Batman, o Cavaleiro das Trevas, este terceiro filme nos mostra a cidade de Gotham "curada" dos altos índices (termo mais do que conectado a proposta do longa) de criminalidade e corrupção, através da aprovação e posterior emprego da lei Harvey Dent e do desaparecimento do vigilante Batman, taxado como criminoso (e presumido assassino de Dent) e persona non grata pelo poder público da cidade. Enquanto acompanhamos o alter-ego do vigilante, Bruce Wayne (Christian Bale, de Os Indomáveis) debilitado e recluso (como não lembrar de Howard Hughes), somos apresentados a novos nomes, dentre eles Selina Kyle (Anne Hathaway, de O Diabo Veste Prada), Miranda Tate (Marion Cottilard, vencedora do Oscar de atriz por Piaf), o sub-comissário Peter Foley (Matthew Modine, de Nascido para Matar), o policial John Blake (Joseph Gordon-Levitt, de 500 Dias com Ela), além do vilão Bane (Tom Hardy, de Guerreiro), realmente aterrorizante e dominador. Com um plantel de personagens tão grande como este (que ainda conta com grande parte do elenco dos filme anteriores), a missão de destacar cada um destes de forma orgânica e crível é talvez o maior desafio dos Nolan neste filme, mas felizmente este é cumprido com competência em quase todo o filme.

Deliberar aqui acerca do enredo do filme é um desperdício, visto que, apesar de todo filme (obra em geral) merecer ser descoberto por cada indivíduo de maneira própria, sem subterfúgios, este mais do que nenhum tem um "q" de expectativa à lá Psicose, de Alfred Hitchcock, encaixando-se naquele tipo específico de produto que perde bastante quando não descoberto ao ser assistido, portanto a maior dica para aqueles que querem sentir todo o cabedal de emoções provocados por Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge é não consumir informações detalhadas acerca da trama e dos novos personagens inseridos neste filme, que o consumam apenas com as informações disponibilizadas nos filmes Batman Begins e Batman, o Cavaleiro das Trevas, pois acredito que a sensibilização e apreciação para com a obra fluirá exponencialmente maior.

Trama a parte, não há como não destacar alguns dos elementos de âmbito de técnico e de composição do filme. Em primeiro lugar, não posso deixar de aplaudir de pé a trilha musical composta por Hans Zimmer (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) - pela primeira vez assumindo a função sozinho na franquia Batman -, que conduz praticamente cinquenta porcento da tensão do longa, hipnotizando o espectador e coroando o aspecto operístico desta conclusão com sobras. Outro que brilha ainda mais aqui é Wally Pfister (O Grande Truque), fotógrafo recorrente de Christopher Nolan, que após os dois outros filmes da agora trilogia consegue finalmente definir os tons e as cores que representam não só os personagens, mas principalmente a cidade de Gotham, talvez a personagem principal deste derradeiro capítulo. Como não falar também do responsável pela montagem do longa, Lee Smith (O Show de Truman), que imprime o equilíbrio certo na alternâncias de ritmo do filme, sem nunca deixar a tensão cair.

Um dos filmes mais esperados dos últimos anos, seria necessário um texto muito mais longo do que este (e diversas outras conferidas do filme) para comentar todos os elementos de destaque (e, por que não, de falhas) de Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge. Entretanto, como a função aqui é apenas sugerir produções e fomentar o debate acerca delas, creio que sintetizar o filme dizendo que este é o mais grandioso produto da franquia, o mais ambicioso e o dono do maior número de referencias ao universo do herói nas histórias em quadrinhos, além de ser talvez o mais profundo no que se refere a humanidade dos personagens, apresentando situações e contrapesos dramáticos de qualidade ímpar. Disse anteriormente neste blog que Os Vingadores é, por enquanto, a melhor tradução - pelo menos a mais próxima - de uma história em quadrinhos clássica (clichê, talvez) para o cinema, mas O Cavaleiro das Trevas Ressurge (conjuntamente a Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas, que são inegavelmente produtos conectados e conectáveis) é a melhor recriação de um personagem estabelecido em uma mídia para outra totalmente diferente, que funciona perfeitamente como uma espécie de confabulação ou sonho acordado de qualquer indivíduo com um senso mínimo de criatividade: como seria no mundo atual um personagem como o Batman nos quadrinhos e como aquele se comportaria com a onipresença deste? Brilhante é pouco, a melhor palavra para defini-lo seria Épico. 

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Obs.: E, para quem insistir em quer comparar Os Vingadores com O Cavaleiro das Trevas Ressurge saiba que isto é uma perda de tempo, pois seria o mesmo que comparar os atos de beber e de comer, pois ambos são inegavelmente necessários, mas cada um tem suas próprias particularidades e, por que não, idiossincrasias próprias. Para quem não entendeu, é como comparar Star Wars: Uma Nova Esperança com O Poderoso Chefão, ambos são clássicos supremos da sétima arte, mas como medir quem é (e o que há de) melhor entre um e outro. Praticamente impossível, justamente por se tratarem de obras e, principalmente, propostas tão distintas. 

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De tão uniforme e comprometido com o que deseja contar, creio que não há como apontar O grande destaque de Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge no que se refere a personagem/atuação. Sendo assim, mesmo tendo minhas preferências mais do que pessoais, acredito que a homenagem a todo o elenco principal seja o mais acertado. Sendo assim, minhas reverências as criações e recriações de Christian Bale, Michael Caine (Vestida para Matar), Morgan Freeman (Menina de Ouro), Gary Oldman (O Espião Que Sabia Demais), Liam Neeson (A Perseguição), Cillian Murphy (Vôo Noturno), Heath Ledger (R.I.P.), Aaron Eckhart (Reencontrando a Felicidade), além dos recém-chegados ao universo da franquia cinematográfica, mas já incríveis Tom Hardy, Joseph Gordon-Levitt, Anne Hathaway e Marion Cottilard. Aplausos e assobios a todos, além de toda a produção da até então definitiva visão de Batman e seu universo particular no cinema.

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27 julho, 2012

Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (Star Trek II: The Wrath of Khan, 1982, EUA).


"Nos confins do universo reside o início da vingança". (Frase do cartaz promocional do filme).
Completando 30 anos em 2012, Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, sequência do sucesso de 1979, apresenta um nítido avanço no que tange ao ritmo e equilíbrio entre ação e drama em comparação ao título anterior, tornando-se assim um filme mais interessante do que aquele.  Contando também com o acréscimo de um vilão bem mais interessante, o Khan do título, interpretado pelo saudoso Ricardo Montalban (o mr. Roark do célebre seriado norte-americano A Ilha da Fantasia), além da não necessidade de uma longa apresentação do plantel principal de personagens (os tripulantes da nave espacial Enterprise), o filme dirigido e co-escrito por Nicholas Meyer (Um Século em 43 Minutos) apresenta um enredo menos ligado a exploração do desconhecido (como o filme original), mas sim uma espécie de versão espacial de Moby Dick, numa história de vingança particular do personagem de Montalban contra a figura do Capitão James Kirk (o falastrão William Shatner).

Apesar de possuir uma premissa menos filosófico e "intimista" do que a do filme anteriorJornada nas Estrelas II: A Ira de Khan consegue equilibrar melhor a veia sci-fi visionária com o senso e ritmo de um longa de entretenimento para a massa, conduzindo com primazia a trama estilo gato contra o rato, ao mesmo tempo em que especula acerca de um dos maiores sonhos do ser-humano, o de criar vida, além de possuir um desfecho inesperadamente dramático, onde acompanhamos a morte de um dos mais queridos personagens da franquia.

Tecnicamente similar ao primeiro filme, esta sequência tem um pouco mais de ganho (no sentido de evolução) no que tange aos seus efeitos-visuais, um dos óbvios carros-chefe das produções deste gênero, no entanto estes acabaram por envelhecer em demasia aos olhos de hoje, em especial se compararmos com produções lançadas na mesma época, como Blade Runner, o Caçador de Androides, de Ridley Scott (filme este também de 1982) e até mesmo o capítulo final da trilogia clássica de Star Wars, O Retorno de Jedi. Obviamente isto não diminui a proposta do filme, entretanto atrapalha seu legado na área dos efeitos especiais se comparado a estas e outras produções não citadas de um período próximo.

Apesar de ser um filme divertido, A Ira de Khan não está livre de problemas. Dentre os de maior destaque encontra-se seu prelúdio monótono, praticamente repetindo a introdução do primeiro filme (apesar de claramente apresentar elementos que mostram a evolução do tempo em comparação aquele) e o arco do - spoilers a frente - filho de Kirk, que é pouco trabalhado e não encaixa de maneira orgânica à trama principal.  Mas talvez o pior defeito da trama seja a falta de espaço dado aos excelentes personagens coadjuvantes Spock (Leonard Nimoy), Dr. McCoy (DeForest Kelley) e Scott (James Doohan), devido ao foco quase que total ao "duelo" (nunca físico, é válido destacar) entre o Capitão Kirk e Khan.

Trocando um grande maestro (Jerry Goldsmith) por outro (James Horner) e mantendo a maior parte da concepção técnica (fotografia, figurino, direção de arte etc.) do filme anterior, Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan pode não ter o vigor e a imponência do filme primeiro, mas é mais divertido e eficiente do que o mesmo, além de ser considerado tanto pela crítica quanto pelo público como um dos melhores (quiçá o melhor) filme da longeva franquia Jornada nas Estrelas. Já para mim, o mesmo não é um espetáculo, mas guarda bons momentos e continua um entretenimento de qualidade, sem nunca deixar de pincelar algumas ideias de escopo maior.

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Texto sobre Jornada nas Estrelas: O Filme (1979)
Texto sobre Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock (1984)
Texto sobre Jornada nas Estrelas IV: A Volta para Casa (1986)
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24 julho, 2012

Sentidos do Amor (Perfect Sense, ING/DIN/SWE/IRL, 2011).


"Um olhar de cortar o coração sobre o que significa ser humano". (Matt Glasby, da revista britânica TOTAL FILM).
"Sem amor, não há nada". (Chamada do cartaz promocional do filme).
Filme que trabalha o caos como forma de união e, por que não, engrandecimento, Sentidos do Amor (eis aqui mais uma adaptação esdrúxula dos tradutores nacionais, tanto para com o título original do filme, Perfect Sense - algo como Sentido Perfeito -, quanto para com o cerne da obra em si, que é substancialmente reduzida com o emprego desta titulação nacional) mistura filosofia e poesia de maneira ímpar, numa trama fictícia que envolve a perda paulatina dos sentidos humanos (olfato, paladar etc.) e a tentativa de sobrevivência/organização/adaptação do ser humano perante a esta realidade até então desconhecida.

Longe de ser uma história de amor - apesar deste sentimento ter grande destaque durante todo o filme -, Perfect Sense funciona como uma espécie de alegoria discursiva acerca de um dos grandes temores do homem, a falta de controle e ordenamento, o medo do desconhecido e a procura por um sentido maior e sua pequenez perante os mistérios do universo, seja este de cunho metafísico, religioso, filosófico ou natural, o temor do vazio, do tempo perdido, da morte, da perda, da incapacidade da completude e, principalmente, da abrupta mudança de sua controlada, óbvia e comum realidade é jogada de forma explícita pelo filme escrito pelo dinamarquês Kim Fupz Aakeson (Além do Desejo) e dirigido pelo escocês David Mackenzie (Olhar do Desejo). Apesar de guardar ecos de filmes como Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, Contágio, de Steven Soderbergh e um desfecho que traz uma emoção parecida com a do cult teen dos anos 2000 Efeito Borboleta, Perfect Sense sagra-se como um longa bastante criativo e complexo (no sentido temática, não tanto em sua linguagem), visto que torna discussões tão caras a humanidade, desde que essa se "entende por gente", de forma poética, contemplativa e não taxativa, apostando na sensibilidade do espectador e não nas crenças (ou descrenças) particulares deste. Como dito acima, o caos é trabalhado não só como um agente destrutivo, mas também como ponto de conversão de uma realidade necessária à outra.

Contando com uma entrega total da dupla de atores principal, composta pelo sempre competente Ewan McGregor (O Escritor Fantasma) e pela bela (dona de olhos cheios de profundidade e emoção) e aqui particularmente fascinante Eva Green (Cruzada), francesa que emula um sotaque britânico irrepreensível e serve de guia ao espectador nesta crônica de busca pelo sincero "olhar" humano à vida. Completam o elenco principal nomes como Stephen Dillane (o Stannis Baratheon da série Game of Thrones), Connie Nielsen (Missão: Marte) e Ewen Bremner (Trainspotting), todos em pequenos, mas importantes papeis. 

Reverenciado pelo público no festival de Sundance de 2011, mas pouco apreciado pela crítica, Perfect Sense é um filme profundo e um tanto quanto monótono, especialmente nos seus primeiros minutos, mas é possuidor de um conceito e discussão tão próximos a nós e com uma grande capacidade de gerar interesse, que acaba por conquistar o espectador quase de imediato, conduzindo-o por uma jornada de altos e baixos, com muita dor e angústia, mas nunca se abstendo de levar junto calmaria e esperança, através de uma história relativamente simples, mas que com toda certeza torna-se-à maior dentro de cada um de nós, como uma espécie de semente plantada num pequeno vaso com terra, que poderá vir ou não a ser uma pequena plantinha um dia. 

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23 julho, 2012

Minha Terra, África (White Material, FRA, 2009).


Política, sociedade e cinema podem e devem andar juntos, especialmente por esta ser uma expressão artística que traz muito do olhar cotidiano, que resgata a história e que apresenta novas formas de interpretação e, principalmente, discussões e debates. Sendo assim, nada mais justo e interessante tratar do contraponto entre brancos (colonizadores) e negros (nativos) de um determinado país africano, onde desta vez o terror incorre ao contrário: a "vítima" agora é uma família composta por pessoas de cor branca. 

O casal interpretado por Isabelle Huppert (A Professora de Piano) e Christophe Lambert (o eterno Connor McLeod do filme Highlander, o Guerreiro Imortal) na verdade administram uma plantação de café e, em meio a uma rebelião civil no país africano, decidem ir em contramão e não voltar à França, mantendo a fazenda em atividade, ocasionando numa série de problemas tanto com os locais quanto infrafamiliares. As divergências de opiniões entre as personagens de Huppert e Lambert são bem conduzidas, dando credibilidade aquele momento tenso na vida destes e destacando a individualidade e princípios de cada um, não sendo em nenhum momento "vilanizada" as escolhas morais destes.

No entanto, apesar do contexto interessantíssimo e da importância do tema abordado - até hoje o continente africano sofre com os constantes conflitos armados, sejam tribais ou separatistas -, Minha Terra, África (White Material, no original, que se refere ao próprio homem branco) sofre no que tange a seu estilo narrativo, sendo obviamente adotado pela cineasta francesa Claire Denis (O Intruso) uma perspectiva bastante centrada no subjetivismo, o que conota a obra um aspecto plástico e artístico, mas ao meu ver acaba por fragilizar um pouco o discurso da obra, deixando o espectador (em especial o estrangeiro) com poucas informações concretas que o ajudem a digerir melhor a trama apresentada. É óbvio que esta perspectiva analítica não é unanimidade, pelo contrário, já que Minha Terra, África obteve uma excelente cotação perante a crítica em todo o mundo, como pode ser visto no agregador Rotten Tomatoes, por exemplo. Entretanto, para mim, esta opção acabou por fragilizar mais o longa do que diferenciá-lo das demais produções que abraçam discussão semelhante.

Dentre abordagem poética e certo estilo documental de filmagem (muita câmera na mão, com destaque à cena em que a personagem de Isabelle Huppert passeia de bicicleta, nos minutos iniciais do filme), para mim o ponto de destaque de Minha Terra, África encontra-se na direção e escalação de elenco, que realmente transmitem a angústia e expectativa, além de terror e medo que possivelmente sentiria qualquer pessoa que estivesse naquele local e naquele exato momento pelo qual estava passando o país africano (nunca citado) do filme. Contudo, dentre os membros deste elenco, não há como não destacar os belos trabalhos de Huppert - que passa com muita sutiliza e verdade, tanto nos trejeitos quanto nos olhares, a angústia advinda do peso advindo de sua responsabilidade como "líder" da família e da fazenda em que trabalha nestes tempos de incertezas - e, talvez a grande surpresa do filme, de Christophe Lambert (neste trabalho não assinando Christopher), que longe dos papeis de ação ou de filmes pouco densos - leia-se B mesmo- em que vinha trabalhando pelo menos nas últimas duas décadas, transmite uma profundidade incrível ao criar uma personalidade dúbia e distante como o marido da personagem de Huppert.

Dono de uma desfecho no mínimo chocante e que com toda certeza exigirá do espectador alguns momentos de reflexão e, quiçá debates, Minha Terra, África é uma obra interessante, dona de uma mensagem forte (mesmo que não tão clara) e que desperta sentimentos diversos ao espectador, mas que também peca um pouco pela falta de coesão, tornando-se dispersa em alguns momentos. Típico filme que carece de muita sensibilidade por parte do espectador, este trabalho de Claire Denis não me despertou tanto interesse, mas  é relevante, tem méritos e merece ser apreciado, principalmente pela possibilidade que o mesmo dá de inúmeras interpretações e, principalmente, sentimentos despertados durante sua assistida. 

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19 julho, 2012

Operação França 2 (The French Connection II, EUA, 1975).


Apesar de ter perdido o diretor William Friedkin (A Árvore da Maldição), esta sequência do filme vencedor do Oscar de 1971 é conduzida primorosamente pelo seu substituto, o veterano John Frankenheimer (Ronin), que emula quase que perfeitamente o estilo do filme original, entregando uma sequência a altura deste. Mais uma vez contando com as presenças de Gene Hackman (Bonnie & Clyde: Uma Rajada de Balas) e de Fernando Rey, dessa vez a ação do filme se passa realmente na França, quando "Popeye" Doyle (Hackman) é enviado à França com a missão de identificar o chefe do tráfico vivido por Rey. Contando com alguns elementos narrativos de destaque do primeiro filme, Operação França 2 dá prosseguimento à jornada de "Popeye" com competência, fechando as arestas promovidas pelo filme anterior e finalizando com competência a disputa entre ele e Charnier (Rey).

Apesar de manter o estilo, Operação França 2 se distancia um pouco do filme original especialmente no âmbito da ação, até por que esta só surge com efetividade nos minutos finais do filme, numa sequência de literalmente tirar o fôlego, culminando num final heroico e catártico, apesar de um tantinho imbecil (me refiro a atitude cometida pelo vilão da história). No entanto, ao inserir o personagem de Hackman num conflito inusitado, acaba por conceber ao filme uma carga dramática no mínimo interessante, muito graças a harmonia entre a concepção dos roteiristas Alexander Jacobs e Laurie e Robert Dillon, a direção competente de Frankenheimer e principalmente a fantástica interpretação de Gene Hackman, que mostra todo o seu talento nesta sequência em particular. Tal evento foi tão marcante que acabou por inspirar diversas outras produções do gênero com o passar dos anos, inclusive um evento em particular com um dos personagens mais queridos da teledramaturgia norte-americana moderna, o Jack Bauer da série 24 Horas.

Com menos ação, mas mais elementos dramáticos, Operação França 2 é uma continuação que necessariamente não precisava existir, mas como foi feita traz consigo todo um novo cabedal de elementos e dá prosseguimento a história do filme original com respeito e boas sacadas, tornando-se assim indispensável sua conferida por quem gostou do anterior. Contudo, para não dizer que existem elementos um tanto quanto forçados na "aventura" de Doyle nas ruas de Marselha, a forma como este conjuntamente aos policiais franceses descobrem o "covil" de Charnier beira ao ridículo de tão estúpido que é o ato de quem se deixa pegar, fragilizando a ótima construção realizada até então, mas que devido ao talento de Hackman, Rey e do diretor John Frankenheimer é logo esquecida quando a tensa e frenética sequência de perseguição final tem início. Um momento frágil para um filme muito bem amarrado, que chega a conspirar contra si mesmo, mas consegue se superar. No final, Operação França 2 é uma sequência digna, válida e que provou-se necessária e pode constar sim nos anais de grandes produções do gênero policial da década de 1970, quiçá da história.

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17 julho, 2012

"Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo* (*Mas Tinha Medo de Perguntar)" (Everything You Always Wanted to Know About Sex* But Were Afraid to Ask, EUA, 1972).



"Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo* Mas Tinha Medo de Perguntar", adaptação do livro de David Reuben, é na verdade uma coleção de esquetes elaborados e dirigidos por Woody Allen (Hannah e suas Irmãs), com o sexo e suas manifestações como tema comum. Este formato acaba apresentando duas contribuições distintas: se por um lado acaba por dinamizar o filme, visto que em menos de 90 minutos nos é apresentado pequenos contos (muitos destes de abordagem fantástica) de no máximo 15 minutos de duração cada, por outro acaba por não desenvolver uma grande profundidade nos mesmos, sendo estabelecido assim mais como piada e sátira do que como problematizações palpáveis de elementos da realidade - aspecto este mais do que presente na maior parte da filmografia de Allen.

Lembrando um pouco a abordagem non-sense do grupo inglês Monty Python e os programas televisivos de humor da década de 1970 (que, infelizmente, ainda possuem filhos sendo produzidos na televisão brasileira atual), as sete histórias apresentadas aqui, apesar de não apresentarem o mesmo equilíbrio, tem sua graça e conseguem divertir, entretanto a abordagem de Allen parece ter envelhecido e, mesmo o filme sendo possuidor de uma abertura metafórica de inspiração singular - a comparação do homem para com um grupo de coelhos - e de pelo menos uma ótima história (a final, onde temos a clássica performance de Allen como um espermatozoide receoso), não é um trabalho estupendo do cineasta.

Como quase todo filme de Allen, grandes nomes compõe o elenco e neste não poderia ser diferente. Apesar de ser um dos primeiros trabalhos do cineasta, o mesmo conseguiu escalar gente como Gene Wilder (A Fantástica Fábrica de Chocolate), Burt Reynolds (Boogie Nights), Lynn Redgrave (Shine - Brilhante) e John Carradine para "Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo* Mas Tinha Medo de Perguntar" e mesmo este não sendo um grande clássico do cineasta, funciona e marca o estilo "pastelão" do cineasta que o mesmo nunca negou ser grande admirador.



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Filmes de WOODY ALLEN já comentados:

15 julho, 2012

Batman, o Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, EUA, 2008).

"As pessoas são tão boas quanto o mundo as deixa ser".
"Introduza um pouco de anarquia. Perturbe a ordem vigente e então tudo se torna um caos. Eu sou um agente do caos. E sabe, a chave do caos é o medo!".
"Ou se morre como herói, ou vive-se o bastante para se tornar o vilão".
(Três das diversas frases icônicas presentes em Batman, o Cavaleiro das Trevas). 
Surpreendente, requintado e reflexivo, Batman, o Cavaleiro das Trevas talvez seja o primeiro filme baseado em um personagem popular das histórias em quadrinhos que quebrou a barreira do convencional e mostrou uma nova abordagem a um gênero (filmes de heróis, de quadrinhos ou não, já é um gênero próprio) até então eficiente e divertido, mas formulaico e, digamos assim, não levado a "sério". Entretanto, ao filmar um filme policial com profundas camadas de elementos de ordem sociológica e psicológica, que "por acaso" traz um herói (Batman) como protagonista, o diretor e co-roteirista Christopher Nolan (Batman Begins) dá prosseguimento a vencedora interpretação do universo disposto no filme anterior e conduz o espectador a uma história repleta de elementos de interrogação acerca de moralidade, justiça, honra, ideais, loucura, medo, perda e dor, tudo isso por dois pontos de vista distintos (ordem e caos) que se confrontam o tempo todo, até serem amalgamados primorosamente num dos grandes momentos do filme, o diálogo "final" entre Batman (Christian Bale, de Os Indomáveis) e Coringa (o saudoso Heath Ledger, de O Segredo de Brokeback Mountain), este "indiretamente" o grande nome do longa.

Continuando a apostar no terrorismo como ameaça cabal à cidade de Gotham (cenário onde se passa a história), a discussão da segunda parte desta operística trilogia (a ser concluída) inclui o elemento do caos e do desapego com o personagem Coringa, que surge como um furacão rompendo paradigmas e brincando com a fragilidade dos principais elementos que perpassam pela cidade, dentre eles o promotor de justiça Harvey Dent (Aaron Eckhart, de Possessão), o agora tenente Gordon (Gary Oldman, de O Espião Que Sabia Demais), o prefeito (Nestor Carbonell, da série Lost), a promotora assistente Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, de Donnie Darko - substituindo Katie Holmes, que não retornou ao papel) e até mesmo Bruce Wayne/Batman (Bale), construindo assim um elaborado e aparentemente desconexo plano caótico e destrutivo com o intuito de despertar a fúria deste e, principalmente, atestar "sua" teoria de que todo homem, por mais honrado e moral que seja, pode e deve ser corrompido.

Amplificando substancialmente a carga dramática já apresentada em Batman Begins, Christopher e seu irmão Jonathan Nolan (O Grande Truque) escrevem aqui um enredo muito mais apoiado em elementos de ordem subjetiva do que no filme predecessor, apresentando em sua versão do personagem Coringa o epicentro de todos os pontos de questionamentos que provocam reações distintas nos demais personagens do filme. Sendo assim, mesmo que não tenha tanto tempo de tela ou tenha um filme objetivamente direcionado a seu personagem, o grande destaque dessa máquina de ideais que é Batman, o Cavaleiro das Trevas é inquestionavelmente o Coringa de Heath Ledger, vencedor do Oscar póstumo de melhor ator coadjuvante pelo papel (outro paradigma quebrado pelo filme), que recria um novo ícone para um personagem já icônico dos nossos dias, entregando um misto de loucura, ódio, desapego e interesse pouquíssimo visto em longas de quaisquer gêneros, ao mesmo tempo causando atração e repulsa, interesse e cansaço, inteligência e estupidez, tornando assim este personagem no alicerce de toda a trama do filme e sedimentando de vez a necessidade e a inevitabilidade da existência de um herói como Batman neste universo então caótico e paranoico em construção pelo imprevisível vilão.

Há espaço para questionamentos éticos e morais, para a promoção do medo, para a discussão da instabilidade humana e até mesmo para a mais do que óbvia constatação da pequenez do homem perante a aleatoriedade dos eventos que nos cercam, entretanto o que melhor resume esta obra sublime e divisora de águas do cinema moderno é a citada acima, onde acompanhamos a conversa final entre dois lados de uma mesma moeda, dois homens no limite de suas forças (físicas e mentais), mas que possuem plena convicção de seus atos e, com um simples jogo de câmera, onde acompanhamos um Coringa dependurado de um arranha-céus de cabeça para baixo pelo Batman, sendo pouco a pouco enquadrado de forma a ficar face a face com o herói - numa óbvia sacada de igualar os personagens, psicologicamente falando - é genial e espertíssima, resultando num desfecho exemplar a toda a destruição e desencontro provocados pelos embates entre o caos (Coringa) e a ordem (Batman).

É óbvio que existem diversos outros elementos que recheiam e dão sustentação a esta segunda parte da trilogia do Cavaleiro das Trevas, em especial o processo de transformação (física e, principalmente, mental) de Harvey Dent (numa excelente caracterização de Eckhart, pouco citado quando se fala do filme justamente pelo ofuscamento causado pela perfeita composição de Ledger) é crucial à trama, além da morte de um personagem importantíssimo ao núcleo do filme, contudo creio que seja melhor vivenciá-los pessoalmente ao assistir ao filme, até por que alguns são extremamente reveladores, enquanto outros pedem por uma interpretação pessoal, pela camada de subjetividade que carregam. 

Tecnicamente perfeito - o filme parece ter o tempo certo de ação, drama, tensão e medo -, de conteúdo forte e relevante, sem nunca deixar de prestar honra ao seu universo de origem ao apresentar elementos fantásticos (como os gadgets e, por que não, as ações do personagem título) apoiados ao máximo no senso de realidade possível e possuidor de uma trilha sonora musical espetacularmente carregada e única, funcionando quase como que um personagem a parte na trama (composta pelos mesmos responsáveis pela trilha do filme anterior, Hans Zimmer e James Newton Howard), Batman, o Cavaleiro das Trevas é um filme único e arrebatador, que encontra-se a parte tanto do gênero "filme de herói" quanto do drama policial comum, tendo caracterização e abordagem única, sendo considerado por muitos (inclusive este que vos escreve) incomparável, quiçá insuperável. Quanto a esta, Nolan e cia. terão a chance de bater ainda este mês, com a estreia do fechamento da franquia com a terceira parte Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Já quanto a categoria de incomparabilidade, não ponho a mão no fogo para a perda desta.

Um filme que consegue unir dois espectros aparentemente distintos que são ação pulsante e entretenimento  pop junto à doses cavalares de reflexão existencial e análise psicossociológica e, por que não, psicopatia e sociopatia a pulsar na tela, Batman, o Cavaleiro das Trevas sagra-se como mais do que uma boa adaptação de um personagem de histórias em quadrinhos, mais do que um entretenimento de verão e mais até do que um filme de excelência comprovada, alça o invejável posto de experiência cinematográfica, onde a cada viagem a este mundo podemos nos envolver novamente e descobrir e redescobrir elementos e conexões distintas àquelas percebidas e sentidas anteriormente. Um clássico imediato, como poucos conseguiram ser.

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Filmes de CHRISTOPHER NOLAN já comentados:

14 julho, 2012

Crash, Estranhos Prazeres (Crash, CAN/ING, 1996).

"É o futuro, Ballard. E você já faz parte dele. Você está vendo isto pela primeira vez. Há uma psicopatologia benevolente que sinaliza em nossa direção. Por exemplo, um acidente de carro é uma forma de semear ao invés de ser um evento destrutivo, a explosão da energia sexual, mediando a sexualidade daqueles que já morreram com uma intensidade que é impossível ser mensurada de outra forma. Experimentar isto, viver isto, é o meu projeto". (Discurso revelador de Vaughan, personagem de Elias Koteas, à Ballard, interpretado por James Spader).

A relação umbilical entre sexo e violência sempre foi parte marcante do cinema de David Cronenberg (Videodrome - A Síndrome do Vídeo), no entanto com este Crash, Estranhos Prazeres o cineasta parece alcance seu auge, pelo menos no que se refere à provocação e complexidade temática. Adaptado (pelo próprio Cronenberg) de um romance homônimo escrito pelo inglês J. G. Ballard, este filme carrega consigo um espectro mais sensorial do que objetivo, sendo daqueles raros produtos que praticamente jogam toda a responsabilidade de interpretação e imersão no seu universo próprio ao espectador, fazendo assim com que cada um destes signifique o filme de maneira particular e consequentemente distinta entre si.

O enredo do filme, que trata de busca desenfreada por prazer de ordem sexual e a excitação sexual despertada por acidentes automobilísticos e violência, é daqueles que precisa ser ruminado, digerido e divagado, pois é de difícil aceitação, causa polêmica e desperta certa ojeriza, ao mesmo tempo em que desperta interessa, sendo esta talvez a intenção maior de David Cronenberg ao conceber a obra, extrair emoções difusas e doloridas do espectador, ao mesmo tempo em que força sua massa encefálica a pensar, elaborar e, principalmente, analisar o sexo e a violência de forma mais ponderada e, por que não, calculada, fria e objetiva (mesmo sendo estas manifestações e experiências de ordem subjetiva).

Contando com um elenco notável, o destaque maior vai para a dupla masculina do filme, formada por James Spader (Sexo, Mentiras e Videotape) e Elias Koteas (Zodíaco). Este fincando ainda mais com este papel sua predileção por tipos sinistros, esquisitos e outsiders. Já Spader conduz camadas tão sutis, mas competentes a seu personagem fazendo com que mesmo que saibamos de seus distúrbios psicológicos e que não concordemos com algumas de suas ações durante a sua trajetória, somos conquistados por seu carisma, nos fazendo assim torcer para um personagem tão dúbio e "distante" de nossa sociedade em geral.

Completando o elenco principal temos as presenças de Holly Hunter (O Piano), Deborah Kara Unger (Vidas em Jogo) e Rosanna Arquette (The Divide), figuras dúbias e esquisitas, cada uma a seu medo, sendo possível defini-las respectivamente como esquisita, ninfomaníaca e desajustada, ou vice-versa.

Crash, Estranhos Prazeres é assumidamente um filme gráfico, explícito (tanto em sexo, quanto em violência e, até mesmo, apresentando sexo violento e atos de violência emulando o ato sexual), difícil e estranho, mas também direto - a cena de abertura já resume perfeitamente o que encontraremos nas pouco mais de 1 hora e meia de filme a seguir - e "na cara", apontando a problemática e pondo o dedo na ferida, sem defender causas ou verdades absolutas, muito menos chocando por chocar (aspecto defendido por alguns críticos do filme em sua época de lançamento), apenas apresentando um olhar focado em dois ou três temas bastante recorrentes na vida do homem moderno: o sexo assumido como prazer absoluto, a violência que descarrega o mal inerente ao homem e os acidentes provocados ou não que acabam por transformar de maneira profunda o próprio. Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Cinema de Cannes, Crash, Estranhos Prazeres ao meu ver não é o melhor trabalho de Cronenberg, muito menos é o seu filme mais intragável, o que mesmo desperta é uma avaliação lenta e cuidadosa, muito devido a sua composição recheada de metáforas, signos e alegorias, já que pelo seu conteúdo e forma é fácil enxergá-lo enviesado e sentir apenas náuseas e incômodo pelo mesmo. Um filme difícil, altamente subjetivo e polêmico, mas incrível.

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